Exclusividade que virou armadilha
O Banco Master, dono do Credcesta, assumiu em 2019 o controle dos consignados do estado como uma espécie de herança da privatização da Ebal (Empresa Baiana de Alimentos ou simplesmente Cesta do Povo), que centralizava dados e benefícios de trabalhadores do Estado. Essa carteira foi passada para o Master e o modelo de cartão consignado foi posteriormente fortalecido por decretos estaduais que lhe garantiram exclusividade (o que, na prática, significa que o servidor só podia contratar esse consignado, mesmo que preferisse outro banco). Depois divulgação o Credcesta expandiu por meio de associações conveniadas e prefeituras (incluindo a de Salvador), que funcionam como intermediárias obrigatórias para muitos servidores. Esse arranjo reduziu a concorrência e facilitou práticas denunciadas pelos trabalhadores, como assédio comercial, descontos não autorizados em folha, compras e saques desconhecidos e operações de crédito registradas sem consentimento. Foi assim que o Credcesta tornou-se um dos casos mais graves de endividamento compulsório envolvendo servidores públicos na Bahia.
40 é o número de prefeituras baianas que o Credcesta tem exclusividade nos consignados para servidores.
Quando o banco decide por você
Apesar das vantagens do Credcesta, ele não é o único no modelo que empurra ao consumidor juros abusivos, empréstimos não autorizados e ofertas enganosas. Uma aposentada de 67 anos, por exemplo, contou que, ao conferir o extrato do benefício, percebeu a cobrança de parcelas de um empréstimo consignado que afirma nunca ter contratado com o C6 Bank. Segundo ela, o desconto começou sem aviso e sem ligação prévia. A cada mês, o valor era debitado automaticamente. “Eu nunca solicitei esse empréstimo. Só quero que devolvam o que tiraram do meu benefício”, disse. De acordo com ela, que pediu anonimato, o débito inesperado comprometeu parte da renda usada para comprar remédios e pagar contas básicas.
Ranking do tormento
Não é exatamente surpresa que clientes reclamem do C6 Bank. A aposentada que descobriu um consignado não solicitado no extrato não está sozinha; ela simplesmente caiu nas mãos do segundo banco mais reclamado do país, segundo o próprio Banco Central. Afinal, conquistar o vice-campeonato nacional em queixas exige dedicação: são reclamações que vão de descontos indevidos a contratos que ninguém lembra de ter assinado. No currículo do banco, há ainda investigações do Ministério Público sobre operações feitas sem autorização do beneficiário. E a ironia é que o C6 nem corre sozinho nessa pista. Ele divide o pódio com um pelotão inteiro de instituições que se especializaram em transformar aposentados e servidores em alvo preferencial: Crefisa, Credcesta, BMG, Pan, Help, Zema Crédito, Olé, Safra Financeira, Facta, Agibank, Banco Daycoval; todos eles colecionam queixas. Um mercado onde o crédito é fácil.
Um banco que cresceu rapidamente no setor de consignados é o Agibank, chegando a 1,57 milhão de empréstimos na carteira atualmente e a R$ 14,8 bilhões repassados pelo INSS desde 2020. Mas o que também cresce rapidamente é a dívida dos que contratam algum serviço com a financeira. A técnica de enfermagem Diana Sena conta que precisou de um empréstimo e que até hoje sofre com os juros “absurdos”. “Hoje eu me arrependo de ter escolhido esse banco, mas ele foi o único que no momento me ofereceu uma boa oferta, infelizmente nem tudo é o que parece”. E não é à toa: no ranking de reclamações do BC, do 3º trimestre deste ano, o Agibank aparece em 8º lugar.
Terreno fértil para abusos
Para Ione Amorim, economista do Idec (Instituto de Defesa de Consumidores), o consignado cresceu apoiado na falsa sensação de segurança. Apesar de ser vendido como crédito de “baixo risco” por causa do desconto direto em folha, o modelo abriu espaço para uma série de distorções. Ela lembra que o produto foi incorporado ao sistema financeiro em 2003 e, desde então, tornou-se uma das maiores linhas de crédito do país, ampliada pela entrada zada de crédito, que já não passa mais por agências físicas, mas por aplicativos, de fintechs, bancos digitais e uma vasta rede de intermediários. “O crédito consignado tem acessibilidade por ter o desconto em folha. E, logicamente, com esse movimento vieram muitas ações abusivas de concessão de crédito sem solicitação”, afirma.
Ione também aponta que o principal gargalo está na incapacidade de fiscalização. O BC, responsável por supervisionar o sistema financeiro, não consegue acompanhar o ritmo da oferta digitalidivulgação ligações, redes sociais e até mensagens automatizadas. Nesse cenário, criminosos e correspondentes mal-intencionados usam engenharia social para simular consentimento, inclusive com o uso indevido de biometria. A vítima, principalmente idosos e moradores de regiões sem Procon, agências ou acesso fácil à informação, muitas vezes nem percebe que está sendo enganada.
INSS na lupa
Diante do aumento das denúncias de empréstimos consignados feitos sem autorização, o INSS afirma, em nota ao Jornal Metropole, ter apertado as regras para impedir novas fraudes. Segundo a autarquia, a atual gestão passou a revisar todos os acordos firmados com instituições financeiras e adotou medidas mais rígidas para coibir abusos.
Como parte desse pente-fino, 19 Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) foram rescindidos por descumprimento de normas, outros 4 estão suspensos, e 4 instituições pediram a saída voluntária do sistema. O INSS informa ainda que 3 acordos expiraram e não foram renovados. A autarquia também firmou novos termos de compromisso, incluindo um que determinou a restituição de mais de R$ 7 milhões cobrados indevidamente de cerca de 100 mil beneficiários.
De acordo com o órgão, qualquer convênio com bancos e financeiras só será mantido caso as regras sejam seguidas à risca, principalmente no que diz respeito à transparência e à proteção dos segurados.O INSS ressalta que “não há tolerância para omissões ou manutenção de acordos diante de suspeitas de irregularidade” e que o objetivo é “assegurar um ambiente de respeito aos direitos do segurado”.
Fonte: Daniela Gonzalez /METRO.COM 06/12/2025
0 comentários:
Postar um comentário