segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Bahia: Estado reforça fama da "terra dos maiores absurdos" pelo jornalista Vitor Hugo Soares

Esse texto foi extraído do blog do jornalista Vitor Hugo Soares publicado no site do portal terra em 31/12/12. Vale a pena ler e refletir sobre o que o mesmo pontuou. Confira o texto.
 
 
 
 
Pode parecer óbvio ou repetitivo, mas diante de "Sua Excelência, o Fato" (sábia expressão cunhada por Ulysses Guimarães), não custa repetir: sei por experiência própria, pessoal e profissionalmente em décadas de jornalismo, que a Bahia é a terra dos absurdos mais inimagináveis, como dizia o antigo ex-governador e filósofo da política e da administração pública no Brasil, Octávio Mangabeira. Os anos passam e esta verdade não envelhece. Ao contrário, fica mais nítida a cada dia.
 
Um exemplo tão atual quanto emblemático: nesta última semana de 2012, a Folha de S.Paulo publicou reportagem na qual se revela que o prédio do Arquivo Público do Estado da Bahia, um dos mais importantes locais de pesquisa de documentos históricos sobre fatos e pessoas do Brasil, Portugal, África e América Latina (frequentado por estudiosos do mundo inteiro), está sem luz elétrica há quase três anos. Os pesquisadores disputam mesas próximas às janelas para aproveitar a luz natural e assim realizar suas pesquisas.
 
O texto é assinado pelo jovem correspondente Nelson Barros Neto, que em boa hora o diário paulista incumbiu de fazer a cobertura jornalística dos fatos relevantes na terra de Mangabeira. A reportagem da Folha é destas de causar estarrecimento se originária de outro lugar (foi tema de enorme interesse e causa de estupefação nas redes sociais, no Twitter principalmente).
 
Na terra do Descobrimento, no entanto, o mostrado na reportagem tem sido encarado como coisa rotineira. Sem importância ou motivo para preocupação. Isso a julgar pelo silêncio da “mídia baiana” diante do fato, e pela omissão e desinteresse das autoridades do governo do Estado e da prefeitura de Salvador, comandados respectivamente por Jaques Wagner (PT) e João Henrique de Barradas Carneiro. Este último, nos derradeiros dias de uma das administrações mais predatórias e desastrosas (contas reprovadas, denúncias e suspeitas de toda parte) na história da mais antiga capital do País.
 
Nos dias finais de 2012, vale transcrever, neste artigo semanal informativo e de opinião, um trecho expressivo da reportagem. Isso para que leitores e sociedade (e as autoridades federais responsáveis pela administração pública nas áreas de cultura e memória, igualmente omissas até aqui)  possam romper a escuridão e enxergar mais de perto o tamanho do absurdo e do desdém, diante da situação atual do Arquivo Público da Bahia, patrimônio valioso do Brasil:
 
"Hoje só há energia na sala de consulta – reduzida a nove mesas – e na direção. O arquivo ainda convive com goteiras, infiltrações e forro comprometido pela umidade, entre outros problemas constatados pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em novembro".
 
"Construído no século 16, para ser morada de jesuítas, o espaço é tombado desde 1949. Guarda a memória da primeira capital brasileira, com o equivalente a 23 quilômetros de papéis e documentos raros, contemplados com o Diploma de Memória do Mundo pela Unesco (braço da ONU para a educação)."
 
"O arquivo, diz o historiador norte-americano Richard Graham, usuário do acervo, contém a 'base fundamental' da economia, da política e da sociedade brasileira nos últimos séculos. De acordo com o historiador João José Reis, o arquivo que serve de referência até para especialistas em história da África 'está morrendo de morte lenta, com perigo de morte súbita'".
 
 "As condições são as piores possíveis, até constrangedoras para a própria direção e pesquisadores estrangeiros, em lugares como o toalete'', diz Consuelo Sampaio (historiadora baiana), chefe do Centro de Memória da Bahia de 2003 a 2011. Segundo Sampaio, as inadequações já causaram perda de material, tanto que a instituição precisou recorrer à Universidade de Chicago (EUA) para obter cópia de documento do século 19 de seu próprio acervo".
 
Seria bom que a presidente Dilma Rousseff, que na sexta-feira (28) desembarcou na Base Naval de Aratu para descanso de fim de ano na magnífica e privativa praia baiana de Inema, tomasse conhecimento de mais este inqualificável e demorado "apagão".
 
 
Quer mais?
 
Quarta-Feira, 26, na última sessão do ano da Assembleia Legislativa da Bahia, Mesa Diretora e Plenário completos de parlamentares de todos os partidos – igualmente silenciosos ou cúmplices diante do descaso e escárnio sem tamanhos neste caso do Arquivo Público – resolveram contribuir com destaque digno de nota para a galeria de absurdos baianos em 2012.
 
Os deputados da ALBA votaram sonolenta e docilmente, durante a noite, um empréstimo de mais de R$ 1 bilhão para o governo petista de Jaques Wagner. Em seguida, aprovaram uma enxurrada de concessão de títulos de Cidadão Baiano, homenageando entre outros o deputado ruralista Ronaldo Caiado (DEM-GO) – de méritos contestáveis e pouco menos que um ilustre desconhecido da maioria da gente da terrinha, como diria Malvina, contestadora e digna personagem do romance Gabriela, de Jorge Amado, recentemente teledramatizado com sucesso pela TV Globo, com sucesso nacional.
 
Finalmente (há sempre um finalmente), os parlamentares, em inusitado “rasgo de coragem e independência”, votaram em maioria avassaladora contra uma proposta do deputado Luciano Simões (PMDB): a concessão de honra da cidadania baiana “por serviços prestados ao estado e ao País”, ao ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, relator do processo do Mensalão, negro como a maioria dos habitantes da capital da Bahia.
 
Durma-se com absurdos como estes, capazes de revirar na tumba os restos mortais de Octávio Mangabeira.
 
Ainda assim, votos de Feliz Ano Novo para todos.
 
Fonte:Vitor Hugo Soares é jornalista. E-mail: vitor_soares1@terra.com.br
publicado na portal terra   em 31/12/2012

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