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"Cada passo que você dá, eu sei. Foi seu filho. O
próximo é você”. O bilhete trata-se de uma ameaça a um pai, realizada em maio
do ano passado, depois de ele pagar o resgate de R$ 150 mil. No último mês de
dezembro, foi registrado o caso mais
recente: uma família entregou R$ 250 mil para que a vida de rapaz fosse
poupada. Estes casos aconteceram dentro da comunidade cigana na Bahia, que vem
sendo atingida pelo flagelo dos sequestros. Pelo menos, seis casos e quatro tentativas
foram comunicados até agora ao Instituto Ciganos do Brasil (ICB).
Além dos sequestros, há relatos também de extorsões. As
razões apontadas para esta “preferência” dos bandidos estão essencialmente
ligadas ao fato de a comunidade ser bem-sucedida, pois muitos são comerciantes,
que atuam no ramo de compra e venda de veículos, segudo o ICB. Mas a outra
razão é que os ciganos não acionam a polícia e pagam os resgates, alimentando o
interesse dos criminosos.
“Virou comércio na Bahia. Sabem que o povo cigano costuma
não denunciar. Há situações que nem chegam para nós, e que só ficamos sabendo
meses depois através de relatos de terceiros. Ou seja, podem haver muito mais
casos. E esses criminosos agem sem medo, porque perceberam a facilidade de
sequestrar. A qualquer momento uma tragédia poderá acontecer”, declarou o
presidente do ICB, Rogério Ribeiro. Em 2021 foram 21 ocorrências, entre
sequestros e extorsões que o ICB tomou conhecimento.
Recente
Estima-se que aqui no Brasil vivam pouco mais de 3 mil pessoas
integrantes de povos ciganos distribuídos em pelo menos três etnias: calon,
roma e sinti. Os primeiros ciganos
acolhidos aqui, enviados de Portugal como degredados, chegaram a partir de
1574. Vieram para trabalhar como ferreiros e ferramenteiros. Só chegaram como
autônomos a partir do século XIX, acompanhando o cortejo de D. João VI. Segundo
o ICB, a população cigana na Bahia é de 80 mil pessoas.
O caso mais recente da ação de sequestradores na Bahia
aconteceu no início do último mês dezembro, no município de São Félix. “Um
cigano estava em um terminal bancário, quando foi surpreendido por três homens
armados, que monitoravam seus passos”, contou Rogério. A vítima passou 48 horas
em um cativeiro e libertada após a família pagar o resgate de R$ 250 mil.
Segundo o ICB, o principal motivo pelo qual os ciganos não
denunciam é o fato de que eles sabem quem está por trás dos sequestros. “OS
relatos que as vítimas nos trazem é a participação de policias e ex-policiais.
Elas temem represálias. E há também o envolvimento de outros ciganos que passam
informações privilegiadas aos sequestradores. Precisamos de uma resposta
urgente referente a esses casos, pois os ciganos estão apavorados”, declarou
Rogério.
Bilhete
Mas a participação de ciganos nos sequestros vai além de
passar detalhes das vítimas a outros bandidos. O caso de Miguel Calmon,
ocorrido em maio do ano passado, foi planejado e executado por três ciganos –
uma mulher e dois homens –, todos de uma mesma família e vizinhos dos pais da
vítima, um menino de 10 anos. “A cigana era a chefe. Ela arquitetou tudo com a
ajuda do marido outra pessoa da família dela. Ela tinha uma vida muito boa, mas
o pai morreu e ela torrou todo o dinheiro com droga. Só que ainda ficou devendo
e por isso planejou o crime”, contou um parente do garoto sequestrado.
Cigano que teve filho sequestrado recebe novas ameaças de
criminosos (Foto: Divulgação)
Segundo ele, o menino estava com outras crianças, quando a
cigana usou uma distração para facilitar a ação dos comparsas. “Ela deu uns
baralhos para eles, que não perceberam a aproximação de dois homens mascarados,
que pegaram o menino e levaram em um carro”, relatou. Os sequestradores
exigiram R$ 1 milhão, mas a negociação ficou em R$ 150. “Colocamos o valor do
resgate numa sacola e mandamos no mesmo dia entregar em Salvador. A condição
era que o menino solto em seguida”, disse a fonte, que não soube dizer o
destino quantia.
No entanto, como o garoto não foi solto, a família acionou a
Polícia Civil. Através da investigação, os agentes descobriram que o carro
usado pelos criminosos havia quebrado ainda em Miguel Calmon. Durante buscar, foi descoberto o cativeiro
foi improvisado numa de um condomínio de casas populares, onde dois, dos três
sequestradores foram presos, entre eles a líder, e o menino foi entregue à
família. A polícia descobriu que o trio pretendia raptar outros filhos de
ciganos.
Mas apensar disso, os parentes do garoto andam amedrontados.
Meses depois a cigana foi solta por uma decisão judicial e coincidência ou não,
um bilhete com ameaça ao pai do menino foi deixado fixado do para-brisa do
carro: “Cada passo que você dá, eu sei. Foi seu filho. O próximo é você”.
“Estamos apavorados porque não sabemos o que ela é capaz de fazer, pois está
solta”, disse a fonte.
Polícia Civil
A partir da prisão do trio de ciganos, a polícia chegou
outros comparsas. “Conseguimos prender 12 pessoas. Quando há investigação, a
gente consegue chegar à autoria e a prisão, mas sem a notícia do fato ficamos
de mãos atadas. (Sequestros) Não é um número baixo, mas infelizmente, sem
ocorrência policial, sem a notícia dos fatos, a coordenação não tem como
atuar”, declarou o coordenador de Repressão a Extorsão Mediante Sequestro da
Polícia Civil, delegado Adailton Adam.
“Muitas vezes só tomamos conhecimento do sequestro depois do
ocorrido, ainda assim, tentamos falar com esses ciganos que foram vítimas, mas
não nos dão informações que precisamos para levar as investigações adiante.
Fica difícil até para a gente trabalhar. Já fizemos inúmeras reuniões, mas sem
sucesso”, completou o delegado.
Segundo o ICB, no ano passado, 30 ciganos foram assassinados
na Bahia
De acordo com o Instituto Ciganos do Brasil (ICB), nos
últimos dois anos, pelo menos 30 ciganos foram asassinados na Bahia. No dia 30
de julho de 2021, Lindomar da Silva Matos se tornou o oitavo irmão de uma
família de ciganos morto pela Polícia Militar, no capítulo da epopeia de sangue
que começou quando o tenente Luciano Libarino Neves e o soldado Robson Brito
foram assassinados em Vitória da Conquista dias antes. Desde então, a PM
iniciou a caçada contra os suspeitos de envolvimento no duplo homicídio, cujo
resultado, a cada etapa, deixou um rastro de corpos no Sudoeste baiano.
A nona morte, ocorrida em Anagé, cidade próxima a Conquista,
teve narrativa semelhante às anteriores, sempre apresentada na voz da PM.
Segundo a versão da Secretaria de Segurança Pública (SSP), Lindomar tentava invadir
residências na localidade conhecida como Lagoa Grande e foi denunciado à
polícia por moradores. A SSP informou ainda que o cigano portava revólver
calibre 38, munições e uma faca.
Na ocasião suposto confronto, Lindomar foi baleado e não
resistiu aos ferimentos. A polícia afirmou também que, na ação, recuperou a
pistola do soldado Robson Brito, que teria sido roubada após ele ser
assassinado.
Família dizimada
Antes de Lindomar, sete dos seus nove outros irmãos tiveram
o destino idêntico. O primeiro dos irmãos a ser morto foi Ramon da Silva Matos,
baleado no mesmo dia da execução dos PMs em Vitória da Conquista. A versão da
polícia é a de que ele teria reagido a tiros. No dia seguinte, mais três
corpos. Morais da Silva Matos, de apenas 13 anos, foi alvejado dentro de uma
farmácia da cidade. Embora as circunstâncias não tenham sido esclarecidas, a
família acusa a polícia pelo crime.
Em Itiruçu, também no Sudoeste do estado, Arlan e Dalvan da
Silva Matos estavam em um CrossFox preto e teriam reagido a tiros ao avistarem
uma barreira da PM. Na sequência, outros três integrantes da família entraram
na lista. Sólon, Diogo e Bruno da Silva Matos morreram em confronto com a
polícia no município de Anagé. Segundo a PM, o trio estava às margens do Rio
Gavião e teria resistido à abordagem com disparos de armas de fogo.
Fonte: Bruno Wendell/Correio da Bahia 10/01/2023