sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Educação: Os donos de escolas mataram o Fies, diz Chaim Zaher dono do SEB

“Quem matou o Fies foram os donos das escolas”

Segundo Chaim Zaher, fundador do grupo SEB, empresários foram gulosos e causaram a quebra do Fies - "Me incluo"

O empresário Chaim Zaher é um dos exemplos mais bem-sucedidos da imigração libanesa no Brasil. Há mais de cinco décadas, ele trabalha com educação no País. Já foi bedel de escola, dono de cursinho no interior de São Paulo, e hoje comanda um dos maiores grupos educacionais brasileiros, o SEB. Após uma passagem frustrante pela Estácio, durante o processo de fusão com a Kroton, que foi impedido pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Zaher voltou-se para a educação básica. Criou uma nova escola, voltada para famílias de alta renda, a Concept. Agora, após aprovação do Ministério da Educação (MEC), está voltando a investir no ensino superior, com a previsão de abrir 800 polos de educação a distância (EAD) pela Faculdade Dom Bosco e pela Escola Paulista de Direito. Empreendedor, Zaher acredita que o governo deve parar de gastar com ensino público superior e destinar a verba para o ensino básico, como foi sugerido na semana passada pelo Banco Mundial. Sem isso, diz ele, os alunos das escolas públicas ficarão cada vez mais atrasados em relação aos das privadas.
DINHEIRO – Depois de algumas frustrações no ensino superior, o senhor agora está investindo em Educação a Distância (EAD). O senhor defende muito a qualidade de ensino. Como garantir a mesma qualidade de um curso presencial e de um a distância?
CHAIM ZAHER – Estamos partindo com 250 polos de EAD com a Faculdade Dom Bosco, porque conseguimos nota 5 dos cursos no MEC, e mais 250 da EPD (Escola Paulista de Direito). Ima-ginamos 800 polos até 2020. Não é fácil manter a mesma qualidade em 800 polos de EAD, se comparado a um curso presencial. É óbvio que não há o mesmo controle sobre todos esses alunos. Vamos colocar os melhores professores e as melhores condições. O sucesso de um curso depende muito do aluno. Se ele for bom, ele pesquisa, estuda, consegue sustentar um bom aprendizado. Mas, sem dúvida, a qualidade não é a mesma em uma instituição com três mil alunos e uma com 800 polos – imagine se cada um desses tiver 500 alunos.
DINHEIRO – A educação superior passou por um processo de consolidação e de transformação em grandes empresas. Elas abriram capital, compraram faculdades menores e passaram a ter uma gestão executiva. Como o senhor vê o a sobreposição das finanças sobre a qualidade de ensino?
ZAHER – Eu não acredito em uma instituição sem um acionista relevante – aquele educador que pode ajudar as empresas a entender como funciona o mercado. Esse foi o motivo que me fez sair da Estácio. Sou obcecado por qualidade e não encontrei respaldo na empresa. Não sei se eles querem qualidade. Eu propus fazer nichos, organizar as universidades por tipo de aluno, baseado em capacidades. Mas o investidor quer saber é de Ebitda (Lucro antes de juros, taxas, depreciação e amortização, na sigla em inglês), resultado, retorno, crescimento. Conciliar quantidade e qualidade é difícil.
DINHEIRO – Quando o senhor saiu da Estácio, voltou-se para educação básica. Por que isso?
ZAHER – Esse é o nosso DNA. Eu adoro trabalhar com o som das crianças. Comecei minha vida em um cursinho pequeno em Araçatuba, no interior de São Paulo. Eu entrava na escola, dava aula quando professor faltava, esperava o pai buscar o aluno, gostava muito disso. É o setor que eu domino. Estou há 50 anos nessa área. Nunca saí da educação básica. O que estamos fazendo agora é focar em escolas de nível diferenciado, em escolas premium, e não mais em instituições que se propõem em aprovar o aluno no vestibular.

Mendonça Filho, do MEC: as reformas na educação são insuficientes para tirar o atraso do ensino público (Crédito:Renato Costa)

DINHEIRO – Esse é o objetivo com a criação da escola Concept?
ZAHER – Nós sempre fomos muito ousados, inovadores. E a Concept é um conceito de modernidade. O aluno de hoje é diferenciado. Esses meninos “trituram” um computador, um tablet, com dois anos de idade. Não pode mais existir o professor que só escreve na lousa. O aluno busca o que ele quer. Viajamos o mundo para aprender novas formas de aprendizado e optamos pelo sistema finlandês, no qual se trabalha por projeto. Então, entre os seis e os sete anos de idade, vamos trabalhar com temas. Por exemplo, o café pode ser um tema. Quando se fala da semente, ensina-se biologia. Ou quando se fala da região onde é plantada, ensina-se geografia. No decorrer, explica a física da moagem, a química da fusão entre a água quente e o pó. Nesse processo, a criança cria uma noção prática dos ensinamentos. Em alguns projetos, ele aprende tudo. Essa é a escola que entendemos que o aluno tem prazer de ir.
DINHEIRO – A Concept é uma escola cara. Como tem sido a aceitação a essa proposta?
ZAHER – Outro dia, um pai que estudou muitos anos atrás no COC, colocou seu filho na Concept. Reclamou. Disse que antes nós éramos exigentes, aplicávamos prova toda semana, deixávamos dever de casa todo dia, e perguntou por que o filho não leva nada para casa. Eu expliquei que a escola que ele estava procurando não era a Concept e que ele deveria procurar uma escola aprovadora, voltada para o vestibular. Tanto a cabeça do pai, quanto a do professor, precisa mudar. Damos o remédio exato para cada paciente, e o aluno é um paciente. Ele precisa se libertar da neurose que o mundo exige. Vemos o que aconteceu com surgimento de tecnologias disruptivas nascidas no ambiente da internet. Isso tem detonado as empresas. São inúmeras as profissões que não existem mais. E muita coisa ainda vai acabar. A escola que não entende que o aluno precisa de um novo tipo de tratamento também vai acabar.
DINHEIRO – Essas inovações no ensino privado podem criar uma discrepância ainda maior para o público?
ZAHER – Não acho que deveria ter uma diferença entre público e privado. Deveria ser uma educação só. Tem que dar condições…
DINHEIRO – Mas é o que temos hoje…
ZAHER – Tá bom. Pensando no hoje, com certeza. Se o governo não correr, o ensino público ficará defasado. A escola privada sempre terá mais condições, porque isso interessa aos acionistas relevantes, enquanto que o governo continua dependendo de aprovações no Congresso, no Ministério da Educação, etc.
DINHEIRO – A sugestão do Banco Mundial é cobrar no ensino público superior para destinar o dinheiro para o ensino básico. O senhor concorda com a sugestão?
ZAHER – A sugestão não é acabar com o ensino público superior gratuito. Existem no mundo inteiro os modelos gratuito e não gratuito. Quem pode pagar, paga, e quem não pode pagar, prova que não pode. Para o governo é fácil. É só olhar o Imposto de Renda do cara. E quem não pode pagar naquele momento, estuda e, após o curso, trabalha de um a dois anos para o governo. Esse aluno precisa pagar de alguma maneira. O que o Banco Mundial propôs é fantástico, mas duvido que alguém tenha coragem de fazer.
DINHEIRO – Privatizar seria um caminho?
ZAHER – Privatizar não é o caminho. Já tem muita escola privada. A escola pública deveria seguir o exemplo de Stanford ou Harvard. A USP poderia cobrar para se autossustentar. Assim, consegue receita para se profissionalizar, para colocar gente competente para auxiliar o reitor, que, na verdade, é apenas um educador. O dinheiro que sobra para os governos, federal e estadual, é aplicado no ensino básico. Basta cobrar de quem pode pagar. Mas, hoje, a regra é dar uma parte das vagas para pardos, negros, etc.
DINHEIRO – As cotas são um problema?
ZAHER – Não acho cota um problema. Mas acredito que não é necessário. Tem que dar condições para essas pessoas conseguirem concorrer. Quando um cotista se formar, ele vai conquistar um emprego por cota ou por competência? É preciso prepará-lo para poder competir. Até porque não tem coitadinho. Ninguém quer depender de esmola.

Universidade de São Paulo: orçamento de R$ 5,1 bilhões em 2017 (Crédito:Divulgação)

DINHEIRO – Programas estatais, como o Prouni e o Fies, trouxeram benefícios ou prejudicaram a educação superior?
ZAHER – O Prouni e o Fies, apesar de deturpado, são bons programas, boas ideias. Hoje, eles estão se regularizando, porque o Fies foi a farra do boi gordo, certo?
DINHEIRO – Mas as universidades privadas se beneficiaram, certo?
ZAHER – Todas as escolas foram beneficiadas pelo Fies. Todos queriam que os alunos fossem para o Fies. Nada era respeitado. Não tinha regra alguma. O empresário recebia o valor todo na hora, sem desconto, sem inadimplência. Teve uma faculdade que o dono falava que tinha escola de graça para todo mundo. Ele pegava o dinheiro do Fies, aplicava e devolvia ao Fies lá na frente, depois de ter um rendimento de 12% ao ano. Ele ganhou uma fortuna. Coisas assim fizeram o sistema ruir. Quem matou o Fies foram os donos das escolas. Foram muito gulosos. E me incluo nisso. Mas eu acredito em qualidade. A escola não pode sobreviver só de Prouni e Fies. O aluno tem que querer estudar lá porque tem tradição, qualidade, porque essa instituição vai permitir que ele tenha acesso ao mercado de trabalho depois.

fonte:istoé/edição Machado da Costareprodução
24.11.2017 - nº 1046

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