Foto:Marina Malheiros/reprodução
O presidente do conselho de administração da BRF acha que, principalmente em São Paulo, os empresários estão de mau humor com “uma série de coisas que não deveriam ter acontecido e que, infelizmente, aconteceram”. E com uma certa ideia de que esse governo não gosta dos empresários, não gosta da iniciativa privada, “não acha que a gente tem de ganhar dinheiro, que os acionistas têm de ganhar dinheiro. Agora, não vou entrar no mérito se esse mau humor tem ou não razão de existir”.
A seguir, os principais trechos da entrevista concedida à coluna na semana passada.
O que aconteceu para que os empresários ficassem de mau humor?
Um conjunto de coisas. Tivemos alguns problemas reais na economia, mais reflexo da economia global do que da nossa. E houve percalços na questão das concessões. Além, claro, da má comunicação entre governo e empresários. Eu diria que, hoje, as coisas estão muito mais serenas. Não sou nem de longe, nem quero ser, porta-voz do governo, mas, me parece que ele está consciente de que precisa se aproximar do empresariado.
Espalhou-se que a Dilma não gosta de gente rica.
Não sei… quer dizer, acho que tenho dinheiro e que ela gosta de mim. Será que sou a única exceção? Acho que não. Não vejo por aí.
Como está vendo a “armadilha do crescimento baixo”?
Não vejo. Economistas gostam de ser irônicos, gostam de frases de efeito, de gracinhas, e essa é mais uma. O que eu acho é que, se você comparar o governo da Dilma com o do Lula, ele teve condições externas muito melhores do que ela. Segundo ponto: a maior parte dos brasileiros que foram tirados de debaixo da linha da pobreza o foi no governo Lula. Depois de determinado ponto, você não consegue mais fazer essa evolução social com a mesma velocidade. Então, o consumo interno ainda está sustentando o crescimento, mas não como sustentou até 2010. Hoje, você precisa de algo mais. E o que foi colocado como segundo motor do crescimento? Os investimentos em infraestrutura. Os projetos foram feitos, o programa foi feito, a direção foi apontada, só que esses investimentos não aconteceram. De quem foi a culpa? Não interessa. Não vou analisar a culpa. O que temos é uma necessidade imensa de investimentos. No momento em que a taxa de investimentos se elevar, com o consumo interno que nós temos, o País vai voltar a crescer.
Existe insegurança jurídica?
Não, não é insegurança jurídica. É insegurança das propostas que foram feitas nas concessões, nos marcos regulatórios. É essa a insegurança que o investidor tem e isso precisa terminar. No momento em que derem condições mais claras para se investir, principalmente em infraestrutura, o dinheiro vem e vem forte. Já internamente, o que é que nós temos? Não só problema de marco regulatório, mas também problemas ambientais, com o MP, com TCU, que atua antes de as coisas acontecerem. Todos esses problemas precisam ser ultrapassados. Essas coisas são demoradas, difíceis. São muitos entraves para os grandes projetos. Isso é uma das coisas que estão trazendo dificuldades. Tem de haver mais confiança e melhor diálogo entre governo e setor privado.
Você tem alguma preocupação com a inflação?
Se eu disser que não tenho preocupação com a inflação estaria sendo um tanto quanto irresponsável. Quem viveu a inflação sempre fica preocupado. Porém, olhando o mundo real e as coisas como elas estão, os controles que o Banco Central tem, tudo o que está acontecendo em termos de inflação, não vejo motivo para preocupação. O BC não usou, nem de longe, medidas duras de combate à inflação. Todas as medidas tomadas até agora foram necessárias. A inflação está sob controle.
Inflação controlada, retomada da confiança do empresariado… Se isso acontecer, 2014 pode ser um ano surpreendente?
Não acho que será surpreendente se crescermos mais do que vamos crescer em 2013. Eu espero isso. Porque, de novo, o consumo das famílias vai continuar crescendo. Há alguma preocupação com inadimplência, mas há espaço para mais endividamento. O salário continua crescendo, o emprego continua firme. Por outro lado, a expectativa de que a retomada dos investimentos aconteça fará o País crescer. Outro ponto importante: é ano de Copa e também eleitoral. Dois fatores que contribuem para o aumento de consumo.
Que legado esperar da Copa? O que acha que vamos fazer com todos esses estádios?
Isso é uma coisa que sempre preocupa. Acompanhei, como membro da câmara de gestão, a intenção inicial do governo federal, que era deixar um real legado da Copa. Não estou falando dos estádios – que ficarão com capacidade ociosa –, mas das obras de infraestrutura do entorno das arenas. Nem tudo o que foi previsto está acontecendo. Mas alguma coisa fica, e acho importante. Agora, também é importante o que acontece no País nessa época, a visibilidade. O Brasil é lançado mundialmente…
Então, acha importante para o Brasil ter a Copa?
Sem dúvida nenhuma.
Você é contra as manifestações todas aí que…
Isso é besteira. Quer dizer, o saldo, em termos de economia, é evidentemente positivo para o Brasil. Agora, também é verdade quando dizem que se devia fazer mais hospitais. O ideal seria fazer os dois.
Como as eleições vão afetar a economia brasileira?
O processo eleitoral, por tudo que traz em si, faz com que a economia cresça um pouco mais. Há mais gastos. Agora, acho que não afetará nem um pouco o rumo, que está dado. Não vamos ter nenhuma mudança de direção na economia.
Tem gente que acha que a Dilma, ganhando as eleições em 2014 por si mesma, virá com uma política mais ideológica na área econômica. Concorda?
Não acho que a presidente tenha qualquer motivo ideológico para enfraquecer o setor privado, dificultar o setor financeiro, beneficiando o Estado. Ela tem o maior respeito pelas empresas e pelos empresários. Acho que isso não vai acontecer em hipótese alguma. O que tenho expectativa é que, em um segundo mandato, logo no início, ela faça algumas coisas importantes para o País. Falo de melhorias da gestão pública no que diz respeito às questões de gastos, custeio, melhoria da máquina.
O que você pensa sobre financiamento de campanha?
Não quero aqui colocar nenhuma fórmula, mas parece evidente que o financiamento de campanha tem de ser feito de forma que os eleitos não fiquem reféns dos compromissos que fizeram durante a campanha. Isso precisa acabar.
Sente-se em casa na BRF?
Há muito tempo. É uma companhia extraordinária. É admirável todo o trabalho que foi feito, a integração, desde as granjas, até chegar no produto final, a entrega para o consumidor aqui ou no exterior. O trabalho que foi feito depois da fusão entre Sadia e Perdigão também foi excelente. Agora, a BRF chegou num momento em que tem de dar um salto. E é isso que os acionistas esperam que eu faça.
Mas você falou recentemente sobre uma administração torta da BRF?
É preciso que fique muito clara a minha admiração por todos aqueles que trabalharam nessa companhia, inclusive os que me antecederam imediatamente, o Nildemar Secches e o José Antônio Fay. Eles fizeram um trabalho admirável. O que eu quis dizer é que, na minha visão de quem esteve a vida inteira do outro lado do balcão, quem manda num produto é o consumidor. Então, as lojas precisam viver procurando atender o consumidor. Idem para a indústria, os produtores. O que eu sentia é que, na BRF, quem mandava era o setor de vendas – algo que eu não acho ideal. O ideal é que a produção seja puxada pelo consumidor. É ele que determina aquilo que nós vamos produzir. Uma questão de ajuste e de conceito. Nós estamos investindo mais no conhecimento do consumidor, em pesquisa de mercado, procurando entender não só o consumidor, mas o cliente, que são os nossos revendedores. Porque nós não levamos a mercadoria direto para o consumidor final. Nós entregamos aos nossos revendedores, aos supermercados, enfim, a todo o varejo.
Uma última pergunta: você continua a fazer compras no Pão de Açúcar?
Por que não? São boas lojas. É claro que a gente tem de comprar.(risos)
Fonte: Entrevista a Sônia Racy - Estadão/reprodução
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