sexta-feira, 14 de julho de 2017

Nelson Cadena: O centenário do Correio do Sertão

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Morro do Chapéu celebra amanhã (15/7) o centenário do Correio do Sertão, a marca de um século que raros jornais no Brasil e na Bahia atingiram, o feito já é uma vitória. Cabe aqui como uma luva o comentário de Aloysio de Carvalho Filho, certa feita, na revista do IGHB, a respeito de três grandes jornais, remanescentes do século XIX: “Se outras virtudes não possuíssem teriam... a da longevidade, o que, em tema de imprensa, significa merecimento”. De fato, sobreviver décadas a fio, significa, no mínimo, a aceitação do público leitor.
O Correio não apenas se manteve na arena jornalística como rompeu a barreira de um século, façanha antes alcançada apenas pelo Diário de Notícias, Diário da Bahia e A Tarde, entre os jornais da capital, e a Folha do Norte de Feira de Santana, entre os do interior. Nasceu da iniciativa de Honório de Souza Pereira, alinhado politicamente com Francisco Dias Coelho, o “Coronel Negro do Sertão”, então intendente do município, que o favoreceu com a doação de 1 conto de reis para a empreitada. Mesmo assim,  o fundador recorreu às suas próprias economias e então completou os recursos necessários para a montagem de uma tipografia.
Ressalve-se que o Correio do Sertão nasceu neutro politicamente e assim permaneceu, pelo menos até o surgimento e existência do concorrente, o Pequeno Jornal (1920-26), dirigido por Adelmo Pereira. Deu-se o embate, para além da imparcialidade, entre os “coques”, representados pelos seguidores de Dias Coelho e Souza Benta contra os “memes”, representados pelos seguidores do coronel Teotônio Dourado. Como pano de fundo, a disputa política pela sucessão do intendente, falecido em 1919.
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Naquele tempo,  a cidade tinha 600 residências e, portanto, um público leitor limitado. Estimava-se o índice de analfabetismo na Bahia em cerca de 80%, de onde podemos deduzir as dificuldades para se manter vivo um jornal. Da vizinhança apenas Lençóis possuía tipografia que imprimia papéis, convites, livros contábeis, panfletos, mas nenhum jornal circulava na região. O que Honório provavelmente desconhecia é que entre os mais de 650 títulos editados em 45 municípios baianos, entre 1823 e 1917, a maioria sequer tinha ultrapassado a barreira de um ano de circulação. Logo sentiria na pele a dificuldade de vender uma assinatura e a dificuldade maior de receber os valores. A distribuição, ele mesmo assumiu, porta a porta, confiado no seu bom relacionamento.
O pioneiro da imprensa no Morro do Chapéu adquiriu um prelo manual da Alemanha que desembarcou no Porto de Salvador para ser transportado por via férrea até a estação de Queimadas e de lá até o município em lombo de burros. Estreou o jornal aos domingos, com circulação semanal, em princípio, mais tarde quinzenal. Tinha quatro páginas e chamava a atenção no seu lançamento a coluna “Cantarolando”, emula da mais famosa crônica em versos da Bahia “Cantando e Rindo” (onde despontava o fino humor e a ironia de Aloisio de Carvalho, o Lulu Parola do Jornal de Notícias). Desconhecemos o autor dos versos, assinados por um certo Zé Cantador. Seria Eurícles Barreto?
O fundador do Correio do Sertão faleceu em 1946, então assumiu a direção o filho, Adalberto Pereira, e a partir de 1989 o comando passou para o bisneto Paulo Gabriel, até 2010, quando outro bisneto, Edson Vasconcelos, encarou a missão do legado familiar e dos valores imateriais da marca. O jornal tornou-se imortal, a partir da digitalização de suas edições pela Fundação Pedro Calmon, embora não tenha localizado o arquivo, ao menos por enquanto. Existe, porém, uma cópia do arquivo digital no Morro do Chapéu, garantindo assim aos pesquisadores um precioso acervo para consulta sobre a história política, econômica, cultural e social da região.

fonte:Correio da Bahia 14/07/2017 -acesso às 09:23min.

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