Os sintomas começaram com uma dor de cabeça contínua, garganta arranhando e enjoos, e não necessariamente com a perda de olfato e paladar, que só chegou quase uma semana depois. A partir do terceiro dia, a jornalista Ana Paula Macedo, 38 anos, teve febre durante quatro madrugadas seguidas. Era covid. “Senti muita dor no corpo, de não conseguir levantar da cama, além de perder o apetite por 20 dias. Comer virou um desafio. Também sentia muita dor nos olhos e na lombar”, conta.
Além de Ana, o filho e o marido também se contaminaram ao mesmo tempo. A cada nova cepa que surge, um vírus mais resistente e com maior poder de contágio. É, o coronavírus já não é o mesmo de antes. “Cada nova variante funciona como uma espécie de atualização do vírus, que vem em resposta a um novo ambiente por onde ele circula”, explica o pesquisador em saúde pública Fiocruz Bahia, Tiago Gräf.
Não são necessariamente novos sintomas, mas um maior poder de transmissibilidade, como complementa Gräf. Essa evolução pode acabar impactando na gravidade da doença e até no desempenho das vacinas, a medida em que o coronavírus aumenta a sua capacidade de adaptação.
“Algumas mutações dão habilidade ao SARS-CoV-2 de escapar dos sistemas e isso leva à sua evolução, tornando-o mais transmissível, antes que um anticorpo o encontre e possa neutralizá-lo. Tudo isso acontece por causa da grande circulação do vírus que vem acontecendo em diversos lugares do mundo - inclusive, no Brasil -, que leva ao surgimento das variantes”.
Alfa (B.1.1.7), beta (B.1.351), gama (P.1), delta (B.1.617.2) são variantes de preocupação. Se o vírus está se modificando, a denominação das variantes, também passou por alterações. No final do último mês, a Organização Mundial de Saúde (OMS), adotou o alfabeto grego para nomear as novas cepas do coronavírus. A P.1, cepa brasileira que teve origem em Manaus, por exemplo, agora se chama gama. Epsilon (B.1.427/B.1.429), zeta (P.2), eta (B.1.525), theta (P.3), iota (B.1.526), kappa (B.1.617.1) formam o grupo das variantes de interesse e também foram incluídas na modificação.
As 10 cepas surgiram no Brasil, Reino Unido, Índia, África do Sul, Estados Unidos e Filipinas. Professora da Escola Bahiana de Medicina, pós-doutora em Imunologia pela Fundação Oswaldo Cruz e pesquisadora da Rede CoVida, Fernanda Grassi esclarece a diferença entre os dois grupos. “A variante de preocupação tem um poder grande de transmissão. Já a de interesse, é aquela em que os dados ainda estão sendo avaliados, como ela vai evoluir, inclusive, ela pode se tornar uma variante de preocupação, ou não”, explica.
A médica covid no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e Hospital Sagrada Família, Nathalia Figueiredo, concorda: “Os sintomas são os mesmos, só que o que acontece é que nessas variantes novas alguns comportamentos são mais frequentes do que em outras. Nos casos que chegam ao ambulatório, independente da variante, o risco de agravamento é maior para as pessoas obesas, hipertensas e diabéticas. A gravidade não mudou e a recuperação vai depender de coisas que a gente não sabe ainda”, comenta Nathalia.
“A princípio, ainda não há uma transmissão comunitária da cepa indiana no país. Sobre as outras variantes, a beta, que foi identificada a primeira vez na África do Sul e a alfa, originada no Reino Unido têm casos no Brasil, porém, o que a gente percebe é que elas não tiveram capacidade de competir com a gama, a variante que surgiu no Amazonas e dominou completamente a pandemia brasileira de uma forma muito rápida”, analisa o pesquisador em saúde pública Fiocruz Bahia.
Embora não tenha chegado aqui na Bahia, nem ganhado uma maior dimensão de contágio no Brasil, a variante delta está sendo classificada pela OMS como um tipo “digno de preocupação global”. O que se sabe já é que a transmissibilidade da delta é maior que a alfa, que seria a mais transmissível no ranking das preocupantes, seguida da alfa, gama e a beta.
No Reino Unido, a cepa representa atualmente, 90% dos contágios no país, conforme foi divulgado pela Serviço de Saúde Pública da Inglaterra. Na Índia, a cepa vinha deixando um rastro alarmante de casos e mortes entre os meses de abril e maio, quando a segunda onda que atingiu o país asiático registrou recordes mundiais de 4.529 óbitos em 24 horas.
“A delta é uma variante que é preciso ficar de olho. É necessário ficar monitorando qualquer uma dessas variantes e reforçando ainda mais a vacinação, manter o distanciamento, continuar usando máscara e fazer tudo aquilo que a gente já sabia muito bem, mas que, recentemente, parece que as pessoas esqueceram da importância disso”, alerta Gräf.
“O que todas as cepas têm em comum é na mudança na espícula proteica que permite a fixação e faz com que o vírus penetre na célula. Essa modificação que aumenta muito a sua carga viral. Entretanto, é difícil precisar a taxa de transmissão, visto que não estamos identificando esse coronavírus como precisávamos em termos de testagens em massa. O que sabemos é que todas essas variantes são de cinco a dez vezes mais transmissíveis do que a versão inicial do vírus”.
Todos os vírus, incluindo o SARS-CoV-2, mudam o tempo todo e frequentemente, de acordo com sua exposição. Prova disso é o surgimento, há três semanas, de uma nova variante brasileira, identificada por pesquisadores do interior de São Paulo. A cepa recebeu o nome de P.4. Apesar de não ser classificada ainda pela OMS como variante de interesse ou de preocupação, os cientistas constataram que P.4 estava presente em, aproximadamente, 20% das amostras analisadas desde o mês de janeiro em todas as regiões do estado, com exceção do Vale do Ribeira.
Diante dessa análise, a gamma (P.1) passou a representar 70% das amostras e não mais 90%, como antes da chegada da P.4. Não existem evidências que apontem maior potencial de transmissão ou agravamento dos pacientes infectados. Os estudos sobre a P.4 seguem em curso, porém, a variante já sinaliza um conjunto de mutações muito parecido com o da cepa de origem indiana, acendendo o alerta para o seu poder de contaminação.
Virologista e professora do curso de Medicina da Rede UniFTC, Andrea Gusmão reforça que é difícil conter um vírus respiratório.
“Quando quanto mais ele se propaga, maior a chance de acontecer uma mutação que traga alguma vantagem evolutiva para ele e essas mutações, de fato, preocupam”, diz.
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“A princípio, sim, as vacinas são capazes. Mas estudos mais detalhados sobre efetividade de vacinas e novas variantes estão em andamento. Com a vacinação em massa, esperamos a diminuição dos números de casos”, destaca a infectologista da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Fabiana Bahia, que inclui aí, a importância da imunização integral.
“Menor circulação do vírus na comunidade, menos mutações, menor probabilidade de novas variantes. É extremamente necessário que as pessoas tenham essa consciência e tomem as doses recomendadas para cada tipo de vacina”.
O advogado Matheus Maciel, de 28 anos, acabou de sair de uma infecção de covid. Ele já tinha sido imunizado com a primeira dose da AstraZeneca. Ele deve tomar a segunda dose no dia 30 de julho. “Fiquei muito nervoso, com medo do agravamento dos sintomas. Tive febre, dor no corpo e náuseas, dor nos olhos. A vacina é a forma mais eficaz de prevenção contra uma doença que não tem nenhum remédio com eficiência comprovada. Provavelmente, a primeira dose já me conferiu alguma proteção. Se não estivesse vacinado meu destino poderia ser outro”.
No entanto, a medida que a vacinação avança, não quer dizer, que estamos livres de uma vez por todas das variantes, como chama atenção o infectologista da S.O.S. Vida, Matheus Todt. “O vírus não irá sumir de repente. Se a alcançarmos uma percentagem relevante de imunizados - cerca de 75%, como sugerem estudos realizados recentemente no Brasil - nós conseguiremos limitar a sua circulação. Ou seja, se conseguirmos alcançar a imunização em massa, ainda teremos casos de covid-19, porém de forma isolada sem tantas mortes”, explica.
Fonte:Priscila Natividade/ Correio da Bahia - 20/06/2021 08h:27min.
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