sexta-feira, 13 de julho de 2018

Cultura: Escritora Hilda Hilst ganha homenagem da Flip

Era uma vez uma escritora que ninguém lia por ser difícil, mas virou popular e se tornou tema da Festa Literária de Paraty, a Flip. Hilda Hilst (1930-2004) ganha reedições, biografias, teses e conquista legiões de jovens fãs. De figura hermética a “nova Clarice Lispector”, Hilda sofreu uma metamorfose ainda mais incompreensível que sua própria literatura.


PICHAÇÃO Jovens convidam à leitura de Hilda Hilst em um muro de São Paulo (Crédito:Divulgação)

Bela e grã-fina, Hilda levou uma vida social agitada na São Paulo dos anos 1950. Colecionou amantes, como o ator Marlon Brando e o fotógrafo português Fernando Lemos, hoje com 92 anos. Ele fez 15 retratos dela em 1959 — material que acaba de ser reunido em um livro de arte em parceria com o crítico Augusto Massi. No auge da beleza e da riqueza, Hilda se isolou na fazenda dos pais, que venderia aos poucos. Batizou a antiga sede de Casa do Sol e passou a viver lá, entre cães e vozes de mortos, com quem se comunicava por radioamador. Recebia seguidores, como Caio Fernando Abreu e Yuri Vieira, a quem maltratava — quanto mais cruelmente, mais lhe nutriam veneração. Odiava que chamassem seu estilo de “feminina”. Aliás, via outras mulheres como rivais.
Envolta em decadência, morreu amargurada por não ter leitores. Na tentativa de ganhar público, publicou em 1990 uma novela pornográfica, “O Caderno Rosa de Lori Lamby”, com memórias de uma adolescente tão lúbrica quanto improvável. Não adiantou: ficou ainda menos popular.
Deixou 40 livros, publicados entre 1949 e 1997, em edições pequenas. “Suas obras permanecem hermeticamente fechadas e desprovidas de personagens ou histórias”, diz o amigo Alcir Pécora, professor da Unicamp e um dos grandes especialistas no tema.“Trata-se de uma obra cifrada”, diz ele.
“Mas, por alguma mágica, esses textos simbólicos contam hoje mais com admiradores do que leitores”, afirma Augusto Massi.
De um ano para cá, Hilda se tornou popular, a mais popular das escritoras nacionais, fonte segura de citações postadas nas redes sociais. Grupos de adolescentes se juntam para ler seus textos. São os “hildas”, que saem pelas ruas a pichar “Leia Hilda” nos muros. “O pessoal que picha o nome dela representa bem esse novo leitor de Hilda: jovens que estudam artes, humanidades”, diz Josélia Alves, curadora da Flip.

Feminista
“H. H. encanta os youtubers porque seus textos têm a cara da internet”, diz Daniel Fuentes, herdeiro e presidente do Instituto Hilda Hilst, sediado na Casa do Sol. “Hoje virou normal textos com fluxo de consciência como os de Hilda.” Os hildas frequentam a Casa do Sol e compram canecas que a fundação fabrica com a efígie da autora. Na academia, os estudos culturais produzem centenas de teses sobre Hilda como triunfo da literatura feminista — tudo o que ela abominava, mas que serve para potencializar as vendas da fundação.
“Hilda está bombando”, diz Fuentes. “Desde 2015, as vendas cresceram 200 % e atingem 10 mil exemplares por edição”. Fuentes conseguiu que a Companhia das Letras editasse a poesia e a prosa, a L&PM se ocupasse do teatro e a Nova Fronteira, das crônicas. “Hilda se consagra e passa a ser adotada até nas escolas”, diz. Lory Lamby para crianças?
Na Flip, esses e outros produtos estarão expostos com descontos nos debates e em uma casa dedicada a ela. Os consumidores poderão postar selfies no Instagram sem nem ter o trabalho de escrever: as frases dela estarão no painel ao fundo.O crítico e professor Alcir Pécora foi convidado a ir à Flip, mas se recusou. Ele se diz assombrado com a alteração da imagem de Hilda. “Se uma autora tão complexa e avessa a reduções pode se converter em um mingau adocicado para adolescentes, então tudo é possível”, afirma. “É a prova de que qualquer literatura é vendável.” 

Fonte: Istoéonline edição de 13/07/2018 1 de  II

5 Eu e não outra, a vida intensa de Hilda Hilst (Biografia)



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