Investigações revelam paralisação de ações de execução e concessão de liminares suspeitas, levantando questões sobre imparcialidade judicial |
A Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) instaurou um processo administrativo disciplinar contra o juiz Ronald de Souza Tavares Filho, titular da 1ª Vara dos Feitos de Relações de Consumo, Cíveis e Comerciais da Comarca de Barreiras. A decisão expõe uma série de graves acusações que incluem morosidade incomum em processos próprios, decisões liminares controversas e uma gestão ineficiente de sua unidade judicial. As denúncias surgiram a partir de uma Inspeção Ordinária, realizada entre 2 e 6 de dezembro de 2024. Vale lembrar que o magistrado já foi alvo de processos disciplinares no TJBA anteriormente, o que agrava a situação.
Um dos pontos mais importantes da investigação recai sobre a completa paralisação de três ações de execução movidas pelo Banco do Brasil contra o próprio juiz Ronald Tavares Filho e sua esposa, Maria Dionezia Ribeiro Tavares. Essas dívidas, que somam mais de R$ 1 milhão, foram protocoladas na vara que ele comanda em 2022. O detalhe é que as ações ficaram quase três anos sem qualquer andamento judicial. O primeiro ato nos autos só ocorreu em agosto de 2023, e, para surpresa, foi proferido por um juiz substituto, Gustavo Silva Pequeno. O próprio juiz Ronald só se declarou impedido de atuar nesses processos em abril e maio de 2025 – um atraso que, para a Corregedoria, é "insustentável". A situação fica ainda mais delicada quando comparada com outros processos semelhantes na mesma vara. Essa "morosidade seletiva" em seus próprios casos levanta uma forte suspeita de favorecimento e de violação da imparcialidade judicial. Embora o juiz tenha alegado que a demora se deu por tratativas de acordos extrajudiciais, a Corregedoria não aceitou a justificativa.
As polêmicas envolvendo o juiz não se limitam a seus próprios processos. A Corregedoria também investiga a concessão de uma medida liminar de mais de R$ 2 milhões em uma ação envolvendo a Associação de Amparo ao Trabalho, Cidadania e Consumidores (ASTCC), e associados como Pamax Embalagens Indústria e Comércio Ltda., Admec Comércio e Serviços Industriais Ltda., Exaut Energia e Automação Ltda., Antônio Marcos Francisco de Souza, José Milhomens da Silva e Emerson de Souza Reis, em face do Banco Bradesco. Ocorre que as partes não tinham qualquer vínculo com a Comarca de Barreiras, na Bahia, residindo em outros estados. A decisão foi posteriormente revogada pelo TJBA em um recurso. O caso revela um "padrão de atuações suspeitas". A investigação revelou que o mesmo advogado, Paulo Santos da Silva, figura como representante em outras ações com características peculiares. Um exemplo foi uma tentativa idêntica em Correntina, onde uma liminar para suspender uma dívida de R$ 19 milhões foi concedida pela magistrada Marlise Freire Alvarenga, mas igualmente derrubada pelo TJBA, que explicitou a "má-fé na condução da demanda" e uma "tentativa de burlar o juiz natural". Com a manobra frustrada em Correntina, a mesma pretensão foi "redirecionada de forma injustificada" para a 1ª Vara Cível de Barreiras, ou seja, para a vara do juiz Ronald.
A Corregedoria aponta uma possível "atuação orquestrada" com o objetivo de favorecer a empresa autora, citando outros processos milionários com as mesmas características e o mesmo advogado, como as ações propostas por Centro Empresarial Le Monde SPE Ltda., Construtora Marluc Ltda. e Ailton da Silva Rezende (onde foi deferida liminar para levantamento de garantia no valor aproximado de R$ 35 milhões), bem como outras movidas por Construtora Marluc Ltda., Marluc Investimentos e Ailton da Silva Rezende.
A gestão da 1ª Vara Cível de Barreiras, sob a responsabilidade do magistrado, também é um ponto crítico. A inspeção revelou 1.104 processos paralisados há mais de 100 dias no gabinete do juiz. Enquanto a secretaria até apresentava alguma organização, o verdadeiro gargalo estava na mesa do magistrado. Para piorar, mesmo com todo esse volume de trabalho, a vara contava com uma vaga de estagiário de pós-graduação vazia, e o juiz não havia solicitado sua reposição. O fato demonstra uma falta de iniciativa na busca por soluções para o acúmulo de tarefas. O problema de ineficiência não é novo. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já havia alertado para essa deficiência em inspeções de 2018 e 2022. Apesar de uma "força-tarefa" externa, instituída por um Ato Normativo Conjunto, ter ajudado a reduzir temporariamente os processos parados entre o final de 2023 e início de 2024, os números voltaram a disparar logo depois, atingindo 1.306 processos parados em 3 de setembro de 2024. O acúmulo de processos históricos é particularmente grave: 439 ações que se arrastam há mais de 14 anos (distribuídas até o ano de 2010), com 134 delas em tramitação desde antes de 1999, contrariando a Meta 2 do CNJ, que visa zerar os processos mais antigos. A Corregedoria foi categórica ao avaliar que o cenário aponta para uma "deficiência na atuação do próprio magistrado", com produtividade total do gabinete em alguns meses inferior a 300 atos.
A gravidade da situação se alinha a precedentes do Conselho Nacional de Justiça. O desembargador Roberto Maynard Frank citou casos onde o CNJ não hesitou em aplicar penas severas. Em fevereiro de 2025, o CNJ aposentou compulsoriamente um juiz que atuou "sem a devida prudência e diligência" e gerou decisões com grande impacto. A independência do juiz não o isenta de responsabilidade por seus atos. Outro caso, de maio de 2025, resultou na disponibilidade (afastamento temporário do cargo) para uma juíza do Amazonas por "gestão ineficaz do acervo processual" e "morosidade". Mesmo quando um juiz corrigiu os problemas depois, o CNJ aplicou pena de censura por "atraso reiterado e excessivo" e "persistente má gestão da vara".
Diante de todo esse quadro, o desembargador Roberto Maynard Frank propôs a abertura formal do Processo Administrativo Disciplinar contra o juiz Ronald de Souza Tavares Filho. O caso vai ser analisado no Pleno do TJBA. Ele é acusado, em tese, de violar diversas normas de conduta que regem a magistratura, incluindo a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), o Código de Ética da Magistratura Nacional e a Lei de Organização Judiciária do Estado da Bahia (LOJ/BA). As principais acusações são: inércia em processos de execução movidos contra ele próprio; concessão de liminares suspeitas em ações com endereços e contratações sem conexão com a Bahia; ineficiência na gestão da unidade judicial; e baixa produtividade. O processo será encaminhado ao Tribunal Pleno, devendo a relatoria ser vinculada ao Corregedor Geral da Justiça. O juiz Ronald Tavares Filho será notificado e terá 15 dias para apresentar sua defesa prévia. A Corregedoria enfatizou que a questão não se resume a uma simples "insuficiência de recursos", mas aponta para uma "aparente deficiência na atuação do próprio magistrado".
Fonte:Bocão News- 25/06/2025
0 comentários:
Postar um comentário