A indicação do advogado-geral da União André Mendonça, "terrivelmente evangélico", para o Supremo Tribunal Federal por Jair Bolsonaro cumpre dois papéis na visão do brasilianista Peter Hakim, presidente emérito do Diálogo Interamericano, instituição dedicada a discutir questões da América Latina: afagar importante parcela do eleitorado e garantir um juiz que vote conforme os seus interesses — e, de quebra, proteger o presidente e sua família dos processos que chegarem à Corte.
O papel político que o STF tem exercido no país, mais do que em outros lugares, é para Hakim sintoma da debilidade do Congresso Nacional em se contrapor aos rompantes do chefe do Executivo. E, em paralelo com a Suprema Corte dos Estados Unidos, onde o ex-presidente Donald Trump nomeou juízes alinhados com as tendências mais conservadoras da sociedade americana, o pesquisador observa que, quanto mais tempo Bolsonaro permanecer no Planalto, mais o STF tenderá a ficar ao lado do Executivo.
Leia a entrevista:
Quais as impressões do senhor sobre as recentes tensões entre Bolsonaro e o Supremo, incluindo ofensas ao ministro Luís Roberto Barroso?
Várias coisas chamaram minha atenção na disputa entre o presidente e o STF. Uma é que o tribunal parece ser um ator muito público e político neste ponto, muito mais do que a maioria de outras cortes supremas, incluindo a Suprema Corte dos Estados Unidos. Isso pode refletir a fraqueza do Congresso brasileiro em enfrentar Bolsonaro e proteger a democracia e o estado de direito — de certa forma semelhante ao Congresso dos EUA aprovando algumas das decisões políticas questionáveis do ex-presidente Donald Trump que desafiavam as normas democráticas. Também está claro que a corte brasileira é dividida em linhas políticas, da mesma forma que as divisões na corte dos Estados Unidos, e, quanto mais tempo Bolsonaro se mantém na presidência, mais provavelmente o Supremo apoiará suas opiniões políticas.
O STF impôs algumas derrotas ao governo, como determinar a abertura de uma CPI no Senado ou limitar as ações do governo federal na pandemia.
A CPI sobre a gestão do governo da pandemia teve um impacto direto na política brasileira, assim como as decisões que anularam as condenações de Luiz Inácio Lula da Silva. Os dois eventos levaram à deterioração do apoio público de Bolsonaro nos últimos meses e ao aumento nos números de Lula nas pesquisas. Falta mais de um ano para as eleições presidenciais e Bolsonaro ainda pode recuperar força e apoio — mas o impacto político tem sido claro. Pode-se esperar que as decisões do STF tenham um papel de destaque se o Congresso decidir iniciar um processo de impeachment. Ainda há outras decisões politicamente importantes, que podem envolver o STF, como a investigação de familiares de Bolsonaro ou a discussão sobre voto impresso nas próximas eleições.
Bolsonaro indicou o ministro André Mendonça para o STF como "terrivelmente evangélico". Isso o coloca sob algum tipo de suspeição?
Suspeição pode ser a palavra errada. Mas a indicação tem objetivos políticos claros — primeiro, para ajudar a cimentar o apoio de Bolsonaro entre os evangélicos (para garantir votos e apoio financeiro para sua campanha de reeleição) e, segundo, para colocar um juiz que votará consistentemente em favor da posição do presidente sobre questões políticas e constitucionais e para proteger o presidente, sua família e seus aliados contra acusações legais levadas à Corte.
Foi aberta investigação contra o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles com base em informações da embaixada americana. O senhor vê espaço para novas colaborações?
Não. Não vejo muitas oportunidades de colaboração entre o Brasil e os Estados Unidos nos próximos dois anos. Em primeiro lugar, o governo Biden não tem demonstrado muito interesse pela América Latina, além da questão migratória. Em segundo lugar, Biden e Bolsonaro simplesmente veem o mundo de maneira muito diferente. Eles discordam em uma ampla gama de questões — incluindo a gestão da pandemia, direitos das minorias, mulheres e pessoas LGBT, proteção ambiental, violência policial e princípios democráticos básicos. Finalmente, com sua economia conturbada e influência regional e internacional limitada, o Brasil oferece poucas oportunidades de cooperação produtiva.
Assim como fez Trump, Bolsonaro também ataca o sistema eleitoral brasileiro, chegando a ameaçar as eleições do ano que vem. O senhor vê o risco de algum tipo de ruptura?
Certamente, há um risco substancial para os sistemas eleitorais dos EUA e do Brasil. Bolsonaro soa como Trump em sua relutância em aceitar perder a presidência. Sua associação com os militares pode dar a Bolsonaro uma habilidade um pouco maior do que Trump para inverter o processo eleitoral se ele perder ou estiver convencido de que perderá se a eleição prosseguir. Daqui de Washington, certamente parece que uma eleição apertada em 2022 poderia colocar a democracia do Brasil em perigo — especialmente se o país permanecer altamente polarizado entre Lula e partidários do Bolsonaro.
Fonte:VEJA.COM - 17/07/2021 19H:15min.
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