terça-feira, 4 de julho de 2023

Falsos médicos que usavam diplomas fraudados integraram o Mais Médicos

                                                   imagem:reprodução

Falsos médicos que pagaram até R$ 400 mil para conseguir diplomas fraudados, sendo a maior parte deles da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), integraram o Programa Mais Médicos do governo federal. A segunda fase da Operação Catarse, deflagrada pela Polícia Federal (PF), descobriu que a quadrilha obteve ao menos 65 registros junto ao Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj), usando documentos falsos. Três homens apontados como integrantes do esquema foram presos. Uma mulher, supostamente líder da quadrilha, está foragida.

Para enganar o Cremerj, os criminosos produziam diplomas falsos com papéis de boa qualidade e reproduziam os logotipos de instituições de ensino do país. Segundo a Polícia Federal, a maior parte das comprovações de formação acadêmica fingiam ser da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). A quadrilha cobrava valores entre R$ 45 mil e R$ 400 mil para conseguir o registro junto ao Cremerj. Até histórico escolar e monografia podiam ser fraudados.

As universidades são as responsáveis por enviar a primeira documentação formal dos recém-formados e, para dificultar a checagem, os criminosos falsificavam diplomas de instituições de outros estados. A quadrilha chegou a criar um e-mail falso em nome da Uneb, de endereço “validacao@portaluneb.gov.br”. O esquema funcionava como uma espécie de organização ‘empresarial’, de acordo com a PF.


Entre os investigados por comprarem os diplomas falsos estão profissionais de saúde, como enfermeiros. Em depoimento, os falsos médicos alegaram que foram vítimas de golpe da quadrilha, mesmo tendo desembolsado valores para conseguir documentos falsos e exercer a medicina. A reportagem encontrou registros dos falsos profissionais no Mais Médicos, programa do governo federal que tem o objetivo de suprir a carência de médicos nos municípios do interior e nas periferias de grandes cidades.

Com o diploma falsificado da Uneb, Alexandre Antonio Caldeira Ramos conseguiu, em julho de 2019, a prorrogação da adesão ao Programa Mais Médicos, pelo Ministério da Saúde. O falso médico atuava no município de São Francisco, em Minas Gerais. Já Sayonara Duraes Viriato teve a adesão prorrogada por mais um ano em 20 de junho de 2022. Ela atuou como médica da família na Unidade Básica de Saúde (UBS) Novo Horizonte, em Jequitaí (MG).

Procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde informou que ainda não havia sido oficialmente notificado pelo PF, “mas desde já esclarece que é vítima de fraude e que irá colaborar com as investigações da Polícia Federal. O programa Mais Médicos (MM) verifica os documentos dos candidatos formados no país com base no cadastro do Conselho Federal de Medicina”, acrescenta a pasta, em nota.

A pasta federal ainda revelou que “um dos supostos falsos médicos foi incorporado ao programa em 2016, tendo obtido prorrogação de adesão por três anos, em 2019. Já a suposta falsa profissional ingressou no MM em 2019, tendo prorrogado o vínculo por um ano, em 2022”, continua o texto da nota.

O MS ainda declarou que assim que receber o comunicado da PF, fornecerá todas as informações disponíveis e, “se comprovadas as irregularidades, serão aplicadas as sanções devidas aos envolvidos”.

Outra falsa médica, segundo a Polícia Federal, é Ana Gladys Diniz Pacheco Castrillon. A reportagem não conseguiu identificar onde a investigada trabalha, mas ela é casada com Fernando Castrillon Lara Veiga. Ele, que aparece no registro do Programa Mais Médicos, já trabalhou na UBS Osvaldo de Mello Filho, em Eunápolis, no sul da Bahia.

Até Anderson Augusto Pedrão, secretário de Saúde de Juti, município de 6 mil habitantes do Mato Grosso do Sul, é investigado no esquema. A reportagem tentou contato com ele e com a prefeitura, mas não obteve sucesso. Outra investigada por atuar como médica sem ter feito faculdade, é a enfermeira Cassia Santos de Lima Menezes, que admitiu ter comprado os diplomas por R$400 mil. Em 2015, ela foi presa por ser dona de uma clínica de estética clandestina, que funcionava na zona oeste do Rio de Janeiro.

Facilidade

A delegada da PF Xênia Ribeiro Soares disse, em entrevista ao Fantástico, que a quadrilha conseguia obter os registros porque o esquema de checagem das documentações é frágil. “O que a operação logrou identificar é que existe uma fragilidade nesse sistema de conferência por parte dos conselhos regionais de medicina”, afirmou no programa que foi ao ar no domingo (2). A Polícia Federal foi procurada, mas não respondeu.

Todos os 65 registros concebidos a partir de documentação fraudada foram anulados pelo Cremerj. Mandados de prisão preventiva foram expedidos para Valdelírio Barroso Lima, Reinaldo Santos Ramos e Francisco Gomes Inocêncio Júnior, que é enfermeiro de formação. Já Ana Maria Monteiro Neta, que atuava como médica com documentos falsos e é apontada como chefe da quadrilha, está foragida. Outros sete mandados de busca e apreensão foram cumpridos no Rio de Janeiro (RJ) e em Minas Gerais.

O Conselho Regional de Medicina do RJ, que forneceu registros a partir de documentos falsos, foi procurado, mas não retornou aos questionamentos da reportagem. Em nota publicada no dia 20 de junho, o Cremerj manifestou apoio à operação da Polícia Federal e lembrou que, em abril do ano passado, denunciou que duas pessoas tentavam conseguir registros fraudando documentos.

Walter Palis Ventura, conselheiro do Cremerj, disse que após a revelação dos registros dos falsos médicos, o Conselho mudou a forma de checagem. “A gente checa com o CRM local, que é quem recebe em primeira mão os formandos daquele estado e o segundo cheque é feito com a própria universidade”, afirmou em entrevista ao programa Rede Globo.

O que diz o Cremeb e a Uneb

Em nota, o Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb), informou que nenhum dos falsos médicos investigados foram inscritos na autarquia. O Cremeb diz ainda que cumpre, rigorosamente, os critérios de checagem dos documentos necessários para o registro de novos profissionais. Entre os métodos, está a validação de todas as atas de colação de grau diretamente com as instituições de ensino.

Para evitar novas fraudes, o Conselho da Bahia trabalha para viabilizar a entrega da Carteira Profissional Médico (COM) e da Cédula de Identidade Médica (CIM) no dia da solenidade de formatura dos novos médicos. “Somente este ano, o Cremeb já esteve presente em quatro formaturas, entregando presencialmente aos novos médicos os seus documentos de identificação profissional”, pontua. No ano passado, o Cremeb impediu que três pessoas com diplomas falsos de uma universidade no RJ conseguissem atuar na Bahia.

Já a Uneb, disse que recebeu, em janeiro do ano passado, um ofício em que o Cremerj requeria a comprovação de veracidade de documentos de supostos graduandos de Medicina. “Após consulta às bases de dados acadêmicas, constatou-se que os nomes apresentados não pertenciam a discentes ou egressos da UNEB. Confirmamos que as referidas atas, diplomas e/ou históricos escolares recebidos pelo Cremerj não foram emitidos ou assinados por esta universidade, portanto, são ilegítimos”, garante.

Fonte:Mayra Polcri/*Com a orientação de Monique Lôbo/Correio da Bahia - 04/07/2023

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