sábado, 27 de novembro de 2010

Educação: “Há racismo explícito nas obras de Lobato”,diz educadora

Foto: Blog Na raça/google

Em entrevista concedida ao portal Terra Magazine no último dia 24, a professora Ana Celia da Silva, da UNEB-Universidade Estadual da Bahia, afirmou que apóia o polêmico parecer do CNE-Conselho Nacional de Educação que sugeriu restrições ao livro: "Caçadas de Pedrinho" do escritor Monteiro Lobato nas esolas públicas do país.
"há traços explicitos de racismo não só em caçadas de pedrinho, como em outras obras", diz a doutora em educação.
A profesora Ana Celia é autora do ivro a discriminação do negro no livro didático e o segundo desconstruindo a discriminação racial do negro no livro didático – este último, lançado ontem (dia 26), durante o I Fórum Internacional de Educação Diversidade e Identidade em Salvador. Confira a entrevista.

Terra Magazine – O que você achou do parecer do CNE? A senhora identifica racismo em Caçadas de Pedrinho?

Se você analisar as obras de Monteiro Lobato ─ e eu li todos os livros dele quando era criança e adorei –, vai identificar traços racistas explícitos. Eu tenho um livro chamado A discriminação do negro no livro didático, mostrando que os ilustradores, a partir da representação escrita que o autor faz, representam os personagens. No meu livro, tem uma página que mostra uma ilustração da Anastácia associada ao porco Rabicó. De perfil, o rosto é igual. A partir da representação que ele faz da Anastácia, enquanto ingênua, ignorante, supersticiosa, tudo de desumano que existe, os ilustradores a desenham parecida com macaco e com porco. Eu apresento isso no meu livro, que foi publicado em 1995. Não se pode dizer que ele (Monteiro Lobato) seja racista, mas o contexto da época… Até hoje, somos em grande parte desumanizados. Você vê como a polícia trata uma pessoa de pele clara e de pele negra? O negro é “mau, incapaz, ruim, vamos matar”.
A questão do contexto em que Lobato escreveu a obra é um dos argumentos utilizados para justificar a forma como ele se refere aos personagens…
É, ele escreveu baseado no senso-comum da época, que vigora até hoje.

Terra - Então, a senhora acha que esse tipo de pensamento ainda é vigente?

É vigente e muito mais forte hoje. Sou professora titular da universidade e várias vezes vivenciei racismo explícito dentro da instituição. Tudo pautado na representação, no estereótipo de incapaz, de mau, de feio, de sujo. Por que esse estereótipo continua vigorando? Por causa da mídia, dos livros didáticos que perpetuam esse estereótipo.

Terra -Para a senhora, então, a obra de Lobato, de certa forma, ajuda a perpetuar esses estereótipos negativos em relação aos negros?

A obra dele é muito interessante, mas tem contexto racista explícito. Esse livro que a doutora Nilma Lino (conselheira que redigiu o parecer sobre Caçadas de Pedrinho) analisou, ave Maria, você viu como descreve Anastácia? Só não vê quem não quer.

Terra - Lobato é irrefutavelmente um grande nome da literatura infantil brasileira. Qual seria, na avaliação da senhora, a solução?
Na sexta-feira (26), participo de um colóquio internacional aqui, na Bahia, onde lanço o meu segundo livro que se chama Desconstruindo a discriminação do negro no livro didático. O que se deve fazer não é retirar a obra, que é preciosa, mas desconstruir o racismo contido nela.

Terra - Como seria efetivamente essa desconstrução?

Por exemplo: “Tive um dia negro”. Substitui por tive um dia ruim. Não é fácil? Ruim não é sinônimo de negro, mas as pessoas acham. Outra: “Neguinho pegou”. É o estereótipo negativo de ladrão. O que se deve fazer, como doutora Nilma disse, é analisar o conteúdo, revisar a obra e retirar o estereótipo racista, porque a obra tem que ser mantida. É muito preciosa.

Terra -A senhora quer dizer que se deve suprimir os termos que seriam racistas?

Ou suprime ou reconstrói.

Terra - A senhora fala em reformular o texto?

Tem que retirar o estereótipo. A Anastácia não era ingênua, não era burra.

Terra -Então, a senhora sugere a modificação do texto?

Desde 1995, nós estivemos no Ministério da Educação e solicitamos que, quando se fizesse revisão de livros, fizesse revisões pautadas em estereótipos diferentes. Não só em relação ao negro, como à origem, à mulher. Mas eles não atenderam. Continuam dizendo que o livro é ótimo. Você abre e tem lá mulher como doméstica, seja preta ou branca… A verdade é que não querem retirar os estereótipos. Querem que eles se mantenham. Livros com conteúdos racistas concorrem para quê? O resultado do preconceito contido nos livros é causar, cada vez mais, a baixa autoestima da população negra. Por que as pessoas querem ser brancas? Se você pegar a literatura e colocar todos os brancos como sujos, feios e incapazes, uma criança branca vai querer ser branca? Não vai. Ele quer ser o que é bom. O parecer do CNE é legítimo, acadêmico e pautado em critérios de verdade. O trabalho da doutora Nilma é um trabalho científico de alto renome. Não é por acaso que ela está no Conselho Nacional de Educação. Ela diz apenas o que eu já disse desde… Fúlvia Rosemberg, da Carlos Chagas. Foi ela que começou o trabalho de denúncia da discriminação dos negros nos livros didáticos. Foi com ela que aprendi, uma mulher branca e judia. Quem me mostrou como o livro é racista foi a mulher negra.



Fonte:Terramagazine-24/11/10

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