Quem vê a professora Vitalina
Silva orgulhosa por vencer o prêmio LED - Luz para a Educação 2023, pelo
projeto de Educação Antirracista que ajudou a construir no Centro Educacional
Maria Quitéria, em Camaçari, não imagina que o letramento racial chegou relativamente
tarde na vida da educadora de 57 anos.
A educação entrou na vida de
Vitalina por conta de sua mãe, dona Georgina Maria, falecida em 31 de dezembro
passado. Uma mulher que não teve acesso à educação formal, mas a valorizava - e
muito. Exigia que os sete filhos estudassem e aconselhou Vitalina a fazer
magistério, “porque professor não fica desempregado”, como recorda a filha
premiada.
“Ela tinha essa visão de
empoderamento feminino e importância da educação. Eu gostava de ser professora,
mas tinha sonhado outras coisas pra mim antes. Eu tinha aspiração de ser Glória
Maria, mulher preta de referência na época. Sempre gostei muito da
possibilidade de conhecer outros países, outras culturas. Só que me disseram
que ela era uma exceção e que eu não poderia estar naquele lugar”, conta.
Vitalina e a mãe deixaram
Conceição de Feira quando ela era criança para buscar tratamento para a irmã
caçula, vítima de paralisia infantil. Formou-se em magistério, ensinou em
escolas públicas e privadas e cursou Letras na Ufba, antes de se mudar para
Camaçari, em 2010, onde implementou o projeto que lhe rendeu o LED - Luz Para a Educação, na categoria
Educação.
“Eu não trabalhei a vida inteira
com questões étnico- raciais porque não tinha compreensão da importância dessas
questões. Fui muito pautada e sacudida por meu filho, que trouxe questões do
pré-vestibular da Steve Biko, onde eles trabalham muito questionamentos sobre o
lugar do negro do mundo, o negro na Bahia, os históricos apagados dos livros
didáticos. Ele me fez compreender a necessidade que tinha de entender, estudar,
porque muitas das questões eu não sabia resolver”, conta Vitalina, mãe de dois
casais de gêmeos, além de uma enteada.
À época que começou a receber as
provocações vindas do filho, a Lei 10.639, que rege a obrigatoriedade do ensino
de cultura afrobrasileira nas escolas públicas, já estava em vigor. Ela, no
entanto, confessa que nunca tinha trabalhado nesse ponto - algo já em prática
em várias escolas.
O divisor de águas foi quando um
de seus alunos foi baleado na perna após uma ação policial. O garoto ficou
internado por semanas e o assunto chegou à sala de aula. Vitalina percebeu que
seus alunos negros acumulavam histórias de violência policial: “Eles disputavam
em sala de quem tinha apanhado mais é isso me chocou profundamente”, recorda.
“Entendi que aquilo poderia
acontecer com meu filho, sobrinhos. Falei sobre o ECA, que ninguém tinha
direito de violentar corpos por serem pretos”, afirma a educadora, que propôs à
coordenação realizar um trabalho com
esta temática, na escola São Tomás de Cantuária, em 2018. Ali iniciou a sua iniciativa
antirracista.
O trabalho começou com literatura e leitura, além do teatro.
Decidiram trabalhar com três livros: Em Minha Pele (Lázaro Ramos), Olhos D’Água
(Conceição Evaristo) e Entre as Leis e as Letras, de Jair Cardoso, sobre o
poeta e advogado Luiz Gama. O projeto seguiu até ser interrompido com a
demissão da professora.
Novos ares
Vitalina diz que não entende as justificativas até hoje. Foi
realocada para um de seus trabalhos atual, o Centro Educacional Maria Quitéria,
onde percebeu um outro ambiente: docentes e discentes mais engajados e
presentes.
Por lá, conseguiu implementar
situações na rotina escolar que valorizam a autoestima do alunado negro: em
sala de aula, professores falam de feitos de pessoas negras e descobertas do
vindas do continente africano para alunos do ensino fundamental II. A
iniciativa foi criada em conjunto com a coordenadora Telma Barreto e a diretora
Iara Bispo.
“Esses estudantes – a partir de
todo conhecimento que adquiriram, já começam a fazer esse enfrentamento contra
o racismo”, afirma Iara, acrescentando que as ações estão transformando a visão
de mundo dos alunos.
Com o Prêmio LED 2023 no
currículo, as ações serão incrementadas.
Entre elas, a construção de murais dentro das escolas e o estímulo à
leitura de escritores e escritoras negras. O prêmio contemplou seis iniciativas
com um aporte financeiro de R$ 200 mil, que serão revertidos em mais livros e
melhoria na estrutura da escola para que o projeto pedagógico continue sendo
implementado.
“Quando inscrevi esse projeto no
Prêmio LED, o fiz com o desejo de inspirar outras redes. Seguiremos buscando
referenciar outras escolas, outros profissionais, outros cidadãos, através do
nosso trabalho integrado e multidisciplinar, pois toda comunidade escolar está
unida nesse propósito, cada um contribuindo para a efetividade desse projeto de
educação antirracista”, destaca Vitalina.
FONTE: CORREIO DA BAHIA -01/05/2023
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