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Morreu hoje Antonio Cícero, poeta, filósofo, imortal da Academia Brasileira de Letras, letrista da MPB, chamado por muitos de “o príncipe da poesia”. Carioca, Cícero morre aos 79 anos por eutanásia, morte assistida, na cidade de Zurique, na Suíça. Tinha uma doença senil e optou por partir antes que ela o atingisse por completo. Uma morte digna e corajosa.
O anúncio de sua morte foi feito por seu companheiro, o figurinista Marcelo Pies. Cícero e Marcelo não moravam na Suíça, mas chegaram lá há alguns dias para realizar o procedimento da eutanásia:
“Venho com muita tristeza avisar que nosso amado Cicero acaba de falecer, hoje 23 de outubro de 2024, aos 79 anos. Estamos em Zurich na Suíça e viemos à associação Dignitas para o procedimento de eutanásia/suicídio assistido. Já faz um tempo que ele vinha planejando isso junto a eles, mandando documentos, etc. Ele insistiu muito que ninguém soubesse. Também fez questão de ser cremado. Fomos a Paris por uns dias nos despedir da cidade que ele tanto admirava".
Uma das principais e representativas vozes da poesia e do pensamento contemporâneos, seu pensamento filosófico passeava com desenvoltura pelo mundo das ideias e seus poemas mergulhavam com singeleza na complexidade do viver e do estar no mundo. Sua poesia convida o leitor à reflexão, como em um de seus poemas primeiros, que dá nome ao seu livro “Guardar”: “Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la./ Em cofre não se guarda coisa alguma./ Em cofre perde-se a coisa à vista./ Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá por/ admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado".
Cícero tornou-se conhecido nos anos 1970 como letrista de canções que fez com sua irmã Marina Lima. Publicou seu primeiro livro de poesia em 1996, “Guardar”. Antes, em 1995, lançou o ensaio filosófico “O mundo desde o fim”, em 1995. O mais recente livro de poemas “Porventura” saiu em 2012. Quando entrou para a ABL, em março de 2018, já havia publicado todos os seus livros. Foi também, por três anos, colunista da Folha de S. Paulo.
Cícero deixou com o marido uma carta de despedida:
“Queridos amigos,
Encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia.
O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer. Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem.
Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas pessoas que encontro na rua e com as quais convivi.
Não consigo mais escrever bons poemas ou bons ensaios de filosofia.
Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa que eu mais gostava no mundo.
Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido o bastante para reconhecer minha terrível situação.
A convivência com vocês, meus amigos, era uma das coisas – senão a coisa – mais importante da minha vida. Hoje, do jeito em que me encontro fico até com vergonha de reencontrá-los.
Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo.
Espero ter vivido com dignidade e morrer com dignidade.
Eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços".
FONTE: BRASIL 247 -23/10/2024
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