O governo da Bahia está há 15 anos sem tirar do papel regras definidas em lei estadual para a renovação do sistema de transporte intermunicipal. A situação beneficia um grupo que possui fortes conexões políticas com o ex-governador e atual ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT) – que passou quase oito anos no comando do estado sem efetivar a regularização do mercado.
A renovação do setor teve pressão inclusive do Ministério Público (MPBA), mas acordo celebrado em 2015, prevendo um prazo de três anos para o encaminhamento de uma solução definitiva, também tem sido ignorado na prática.
A Bahia possui a segunda maior malha rodoviária do país. O estado tem mais de 1,2 mil linhas de ônibus intermunicipais, ou seja, que vão de uma cidade a outra dentro das divisas do estado. Hoje, todas as mais de 40 empresas que operam essas linhas o fazem, no entanto, em situação precária do ponto de vista jurídico.
Quinze anos atrás, em 9 de novembro de 2009, um decreto assinado pelo então governador Jaques Wagner (PT) regulamentou lei sancionada por ele naquele mesmo ano criando a Política Estadual de Transporte Rodoviário Intermunicipal de Passageiros. Essa lei mudava o funcionamento do sistema de transporte de ônibus dentro do estado, cuja regulação cabe ao governo estadual. O texto previa que somente contratos de concessão seriam aceitos. Os contratos teriam prazo de 10 anos de vigência.
Para que isso fosse implementado, era necessário reformular o Plano Diretor do transporte intermunicipal e, com base nesses novos parâmetros de distribuição de linhas, por exemplo, abrir licitação para a operação dessas linhas. Desde então, porém, nunca houve licitação. As mesmas empresas que operavam à época seguem operando o sistema atualmente.
O maior beneficiário dessa situação é o grupo Brasileiro, que reúne as empresas Cidade do Sol, Rota e Expresso Brasileiro. Juntas, as companhias operam 409 linhas, liderando com folga o ranking de linhas operadas no estado. O segundo grupo, Viação Novo Horizonte, tem 254 linhas.
O grupo Brasileiro pertence à família Carletto, que tem forte atuação política na Bahia e são aliados importantes de Rui Costa, não apenas durante seu governo, mas ainda hoje. Ronaldo Carletto, ex-deputado federal pelo PP entre 2015 e 2023, é agora filiado ao Avante e preside a legenda no estado. A migração se deu por articulação do ministro da Casa Civil.
O filho de Ronaldo, Carletto Neto, é hoje deputado federal e aparece em fotos com Rui Costa.
Bahia descumpriu acordo com Ministério Público
Em agosto de 2015, diante da permanência da situação, sem realização de licitação, sem a reforma adequada do Plano Diretor de transporte intermunicipal, o governo baiano e a Agerba, a agência responsável pela regulação do setor de transporte no estado, fecharam um acordo com o Ministério Público estadual. Naquele momento, o governo já era comandado havia oito meses por Rui Costa.
O termo de ajustamento de conduta (TAC) previa que a Secretaria de Infraestrutura do estado apresentaria ao MP a minuta de um novo Plano Diretor para o transporte intermunicipal. No prazo de três anos (ou seja, até 2018), o Plano Diretor deveria estar aprovado e a licitação poderia ser realizada. A expectativa era de uma renovação ampla da operação, com a entrada de novos concorrentes e, portanto, uma esperada redução no preço das passagens.
Passados nove anos do acordo, porém, o Plano Diretor segue sem reformulação.
O acordo com o Ministério Público estabelecia o pagamento de multas de até R$ 10 mil por dia em caso de descumprimento. Procurado, o MP confirmou que o acordo tem sido ignorado, mas explicou que as multas não foram executadas pois o órgão aguarda a conclusão de novas negociações.
“Foi verificado o descumprimento de algumas obrigações após o vencimento do prazo do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e, atualmente, o Ministério Público estadual está pactuando com a Procuradoria Geral do Estado, Agerba e Seinfra um novo TAC, que terá obrigações mais rigorosas”, afirmou o MPBA, em nota.
O MPBA ressaltou também que o objetivo maior do órgão é justamente que seja realizada a licitação, que todas as empresas sejam contratadas de maneira correta e que possam ser fiscalizadas de acordo com as obrigações previstas no contrato.
“O objetivo é a efetiva realização da licitação para as empresas prestadoras de serviços de transporte intermunicipal de passageiros, pois as empresas que realizam esse transporte não possuem cobertura contratual válida. A última licitação foi realizada há mais de dez anos e os contratos venceram há anos”, prosseguiu.
Nessa terça-feira (12/10), o MPBA realizou reunião com representantes do estado e fixou um prazo, até o dia 22 de novembro, para informarem se aceitarão ou não firmar um novo TAC. “Caso não aceitem, serão adotadas as medidas judiciais cabíveis”, pontuou o órgão.
Agência da Bahia estima que licitação de linhas poderá ocorrer em 2026
Em agosto deste ano, houve indicação, em uma audiência pública, de que o problema poderá ser resolvido, com a apresentação das linhas gerais do Plano Diretor aguardado há anos. Mas o cronograma indicado pela agência reguladora do setor de transportes no estado aponta para uma licitação de linhas somente em meados de 2026 – ou seja, durante o período eleitoral para a sucessão do governador Jerônimo Rodrigues (PT), que deverá concorrer à reeleição, o que torna esse cronograma pouco factível na prática.
“No próximo um ano e meio a Agerba precisa fazer, a partir dos resultados desse plano, uma minuta de edital de contrato para a efetiva licitação das linhas”, afirmou a diretora da Secretaria de Infraestrutura, Maria Almeida Amaral, durante a audiência pública.
“A Agerba ainda vai fazer consultas públicas para que esse edital seja apresentado e que outras questões que, nesse um ano e meio, sejam apresentadas e possam ser de alguma forma analisadas e incorporadas ou não pela agência”, completou.
Rui Costa se nega a comentar favorecimento a grupo de aliado na Bahia
Procurado, o ministro Rui Costa se recusou a comentar. A Agerba também não respondeu aos questionamentos feitos pela coluna.
Em nota, a diretoria do grupo Brasileiro destacou que compete à Secretaria de Infraestrutura da Bahia, por meio da Superintendência de Transportes e da Agerba, a organização, planejamento e fiscalização do transporte intermunicipal.
“Ante o exposto, resta evidenciado que não há qualquer benefício ao Grupo Brasileiro ou a qualquer outro grupo ou empresa que opera o transporte de passageiros na Bahia, a exemplo do Grupo Águia Branca, Grupo Contigo, Rápido Federal, Novo Horizonte e dezenas de outras empresas”, ressaltou.
“Importa ressaltar que as empresas do Grupo Brasileiro operam suas linhas em estrita obediência aos requisitos legais, tendo como propósito promover através da mobilidade a integração, o desenvolvimento, o respeito e a valorização das pessoas”, prosseguiu.
Fonte: TÁCIO LORRAN/METRÓPOLES/REPRODUÇÃO - 13/11/2024 08h:03
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