Vista do lado de fora, a Polícia Federal é uma
referência no combate à corrupção e ainda representa a elite de uma categoria
cada vez mais imprescindível para a sociedade. Vista por dentro, a imagem é
antagônica. A PF passa por sua maior crise interna já registrada desde a década
de 90, quando começou a ganhar notoriedade. Os efeitos disso não estão apenas na
queda abrupta do número de inquéritos realizados nos últimos anos, que caiu 26%
desde 2009. Estão especialmente na triste história de quem precisou enterrar
familiares policiais que usaram a arma de trabalho para tirar a própria vida.
Nos últimos dez anos, 22 agentes da Polícia Federal cometeram suicídio, sendo
que 11 deles aconteceram entre março de 2012 e março deste ano: quase um morto
por mês. O desespero que leva o ser humano a tirar a própria vida mata mais
policiais do que as operações de combate ao crime. Em 40 anos, 36 policiais
perderam a vida no cumprimento da função. Para traçar o cenário de pressões e
desespero que levou policiais ao suicídio, ISTOÉ conversou com parentes e
colegas de trabalho dos mortos. O teor dos depoimentos converge para um ponto
comum de pressão excessiva e ambiente de trabalho sem boas perspectivas de
melhoria.
FALTA DE ESTRUTURA
Agentes trabalham amordaçados em protesto contra condições desumanas de trabalho
Uma pesquisa realizada pela Universidade de Brasília (UnB) no ano passado
mostrou que por trás do colete preto, do distintivo, dos óculos escuros e da
mística que transformou a PF no ícone de polícia de elite existe um quatro
grave. Depressão e síndrome do pânico são doenças que atingem um em cada cinco
dos nove mil agentes da Polícia Federal. Em um dos itens da pesquisa, 73
policiais foram questionados sobre os motivos das licenças médicas. Nada menos
do que 35% dos entrevistados responderam que os afastamentos foram decorrentes
de transtornos mentais como depressão e ansiedade. “O grande problema é que os
agentes federais se submetem a um regime de trabalho militarizado, sem que
tenham treinamento militar para isso. Acreditamos que o problema está na
estrutura da própria polícia”, diz uma das pesquisadoras da UnB, a psicóloga
Fernanda Duarte.
O drama dos familiares dos policiais que se suicidaram está distribuído nos quatro cantos do País. A última morte registrada em 2013 ainda causa espanto nas superintendências de Roraima, onde Lúcio Mauro de Oliveira Silva, 38 anos, trabalhou entre dezembro do ano passado e março deste ano. Mauro deixou a noiva no Rio de Janeiro para iniciar sua vida de agente da PF em Pacaraima, cidade a 220 quilômetros de Boa Vista. Nos 60 dias em que trabalhou como agente da PF, usou o salário de R$ 5 mil líquidos para dar entrada em financiamento de uma casa e um carro. O sonho da nova vida acabou com um tiro na boca, na frente da noiva. Cinco meses se passaram desde a morte de Mauro e o coração de sua mãe, Olga Oliveira Silva, permanece confuso e destroçado. “A Federal sabia que ele não tinha condições de trabalhar na fronteira. Meia hora antes de morrer, ele me ligou e disse: Mainha, eu amo a senhora. Perdoa eu ter vindo pra cá sem ter me despedido”.
O drama dos familiares dos policiais que se suicidaram está distribuído nos quatro cantos do País. A última morte registrada em 2013 ainda causa espanto nas superintendências de Roraima, onde Lúcio Mauro de Oliveira Silva, 38 anos, trabalhou entre dezembro do ano passado e março deste ano. Mauro deixou a noiva no Rio de Janeiro para iniciar sua vida de agente da PF em Pacaraima, cidade a 220 quilômetros de Boa Vista. Nos 60 dias em que trabalhou como agente da PF, usou o salário de R$ 5 mil líquidos para dar entrada em financiamento de uma casa e um carro. O sonho da nova vida acabou com um tiro na boca, na frente da noiva. Cinco meses se passaram desde a morte de Mauro e o coração de sua mãe, Olga Oliveira Silva, permanece confuso e destroçado. “A Federal sabia que ele não tinha condições de trabalhar na fronteira. Meia hora antes de morrer, ele me ligou e disse: Mainha, eu amo a senhora. Perdoa eu ter vindo pra cá sem ter me despedido”.
Relatos de colegas de Mauro dão conta que ele chegou a sofrer assédio moral
pela pouca produtividade, situação mais frequente do que se poderia imaginar.
Como ele, cerca de 50% dos agentes federais já chegaram a relatar casos de
assédio praticados por superiores hierárquicos. Essas ocorrências, aliadas a
fatores genéticos, à formação de cada um e à falta de perspectivas
profissionais, são tratadas por especialistas como desencadeadoras dos
distúrbios mentais. “A forma como a estrutura da polícia está montada tem
causado sofrimento patológico em parte dos agentes. Há dificuldades para
enfrentar a organização hierárquica do trabalho. As pessoas, na maioria das
vezes, sofrem de sentimentos de desgaste, inutilidade e falta de reconhecimento.
Não é difícil fazer uma ligação desse cenário com as doenças mentais”, afirma
Dayane Moura, advogada de três famílias de agentes que desenvolveram doenças
psíquicas.
Os distúrbios mentais e a ocorrência de depressão em policiais são geralmente
invisíveis para a estrutura da Polícia Federal. De acordo com o Sindicato dos
Policiais do Distrito Federal, há apenas cinco psicólogos para uma corporação de
mais de dez mil pessoas. Não há vagas para consultas e tampouco acompanhamento
dos casos. Foi nessa obscuridade que a doença do agente Fernando Spuri Lima, 34
anos, se desenvolveu. Quando foi encontrado morto com um tiro na cabeça, em
julho do ano passado, a Polícia Federal chegou a cogitar um caso de vingança de
bicheiros, uma vez que ele tinha participado da Operação Monte Carlo. Dias
depois, entretanto, descobriu-se que Spuri enfrentava uma depressão severa há
meses. O pai do agente, Fernando Antunes Lima, reclama da falta de estrutura
para um atendimento psicológico no departamento de polícia. “Os chefes estão
esperando quantas mortes para tomar uma ação? Isso é desumano e criminoso”, diz
ele.
O drama de quem perdeu um familiar por suicídio não se limita aos jovens na faixa dos 30 anos. Faltavam dois anos para Ênio Seabra Sobrinho, baseado em Belo Horizonte, se aposentar do cargo de agente da Polícia Federal. Com histórico de transtorno psicológico, o policial já havia comunicado à chefia que não se sentia bem. Solicitou, formalmente, ajuda. Em resposta, a PF mandou dois agentes à sua casa para confiscar sua arma. Seabra foi então transferido para o plantão de 24 horas, quando o policial realiza funções semelhantes às de um vigia predial. A missão é considerada um castigo, pois não exige qualquer treinamento. No dia 14 de outubro de 2012, Seabra se matou, aos 49 anos. Apesar de estar perto da aposentadoria, a família recebe pensão proporcional com valor R$ 2 mil menor do que os vencimentos do agente, na ativa.
O drama de quem perdeu um familiar por suicídio não se limita aos jovens na faixa dos 30 anos. Faltavam dois anos para Ênio Seabra Sobrinho, baseado em Belo Horizonte, se aposentar do cargo de agente da Polícia Federal. Com histórico de transtorno psicológico, o policial já havia comunicado à chefia que não se sentia bem. Solicitou, formalmente, ajuda. Em resposta, a PF mandou dois agentes à sua casa para confiscar sua arma. Seabra foi então transferido para o plantão de 24 horas, quando o policial realiza funções semelhantes às de um vigia predial. A missão é considerada um castigo, pois não exige qualquer treinamento. No dia 14 de outubro de 2012, Seabra se matou, aos 49 anos. Apesar de estar perto da aposentadoria, a família recebe pensão proporcional com valor R$ 2 mil menor do que os vencimentos do agente, na ativa.
Fruto de uma especial combinação de fatores negativos, internos e externos, o
suicídio nunca foi uma tragédia de fácil explicação para a área médica nem para
estudiosos da vida social. Lembrando que toda sociedade, em qualquer época, tem
como finalidade essencial defender a vida de seus integrantes, o sociólogo Émile
Durkheim (1858-1917) demonstrou que o suicídio é a expressão mais grave de
fracasso de uma comunidade e que raramente pode ser explicado por uma razão
única. Ainda que seja errado apontar para responsabilidades individuais, a
tragédia chegou a um nível muito grande, o que cobra uma resposta de cada
parcela do Estado brasileiro que convive com esse drama.
fotos:
Cesar Greco / Foto arena; Adriano Machado
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