Menos de quatro anos depois do calvário que levou Bento XVI à renúncia, Francisco é traído e se vê envolvido no Vatileaks 2, um escândalo de proporções muito maiores.
“...De
todas as reformas contempladas no primeiro ano de seu pontificado,
poucas saíram do papel. Isso, infelizmente, significa uma coisa: o plano
de Bergoglio de afastar os mercadores do templo continua não realizado
três anos após sua eleição. Essa situação é uma fonte de
descontentamento para muitas pessoas. Mais e mais cardeais estão
criticando o papa, alguns abertamente...”
Esse trecho do livro “Via Crucis”, do
jornalista italiano Gianlugi Nuzzi, lançado na quinta-feira 5 na
Europa, escancarou o que uma série de incidentes sinalizaram nos últimos
meses: o papa Francisco não tem conseguido combater os graves pecados
da Igreja Católica. O pontífice argentino que conquistou o mundo com seu
carisma, gestos corajosos e sorriso persistente, foi eleito em março de
2013 com a missão de moralizar as finanças do Banco do Vaticano,
expurgar os religiosos que cometiam excessos administrativos e
financeiros, acabar de uma vez por todas com a intermináveis e nem um
pouco católicas intrigas da Cúria Romana e curar a chaga do abuso sexual
cometido por religiosos católicos. Mas avançou muito pouco na
dissolução da problemática rede que levou à renúncia de seu antecessor,
Bento XVI. Para piorar o quadro, apesar de gozar da simpatia e admiração
da maioria dos católicos – e até dos não crentes – Bergoglio parece
estar cada vez mais sozinho no ambiente de poder. E, mais do que isso,
coleciona grupos antipáticos a ele. O primeiro a se declarar
publicamente contrário são os ultraconservadores. Há também os
burocratas. E, agora, sabe-se, a alta hierarquia corrupta, que há
décadas fazia mau uso do dinheiro, em benefício próprio. Junto com “Via
Crucis”, chega às livrarias européis outro livro que fala sobre isso,
sob o título “Avareza”. Ambos tratam das finanças católicas e foram
elaborados a partir de documentos fornecidos por dois altos funcionários
da prefeitura de assuntos econômicos da Santa Sé: o padre espanhol
Lucio Vallejo Balda, ligado a Opus Dei, e Francesca Chaouqui, uma
especialista italiana em redes de comunicação. Os dois foram presos no
início da semana passada (Francesca já está solta). Mas este episódio,
já batizado Vatileaks 2 e bem mais grave que o primeiro, mostra que os
inimigos estão muito próximos, para desgosto do bem-intencionado
pontífice.
Os livros chegam em um momento muito
delicado para o catolicismo, com Francisco enfrentando resistência para
mudar a gestão dos recursos financeiros da Igreja. “Via Crucis” foi
escrito pelo jornalista italiano Gianluigi Nuzzi, que em 2012 publicou
“Sua Santidade: as cartas secretas de Bentos XVI”, sobre o ruidoso
episódio envolvendo o mordomo Paolo Gabriele. A obra descreve como
cardeais vivem em propriedades elegantes e espaçosas, muitas vezes de
graça, andam de classe executiva e gastam milhares de euros que deveriam
ser destinados à caridade com eles mesmos. “Avareza”, do também
jornalista Emiliano Fittipaldi, detalha por meio de documentos originais
(cerca de 20 páginas do livro são reproduções fotográficas de arquivos
secretos, como atas, orçamentos e notificações) como operações
comerciais no interior dos muros do Vaticano – postos de gasolina,
farmácia, lojas de tabaco e supermercado -- geraram dezenas de milhões
de euros em receitas com a venda de produtos a preços com desconto,
devido a isenções fiscais. Eis um trecho, sobre os negócios com cigarro:
“...A ‘tabacaria de Deus’, explicam analistas da Ernest & Young, é a
segunda mais importante fonte de receita do departamento de serviços
econômicos do Vaticano...” Segundo o vaticanista americano John Allen
Jr, grande parte do que está denunciado nas obras já era sabido,
principalmente por quem vivencia diariamente a Santa Sé. “O grande
mérito desses livros é que eles colocaram nomes e números concretos
sobre o que era só impressão”, afirma. Ambos, Nuzzi e Fittipaldi
tiveram acesso a um material confidencial notável supostamente reservado
ao pontífice.
OS CORVOS
Francesca Chaouqui e o padre espanhol Lucio Vallejo Balda: eles teriam
fornecido os documentos secretos que produziram os livros
Até o polêmico ex-secretário de Estado
Tarcisio Bertone voltou ao centro da controvérsia, como no primeiro
Vatileaks. “Avareza”, de Fittipaldi explica como a Fundação Menino
Jesus, criada para ajuda o hospital pediátrico administrado pelo
Vaticano, foi usada para pagar a reforma da famosa cobertura de 700
metros quadrados do ex-todo poderoso. “A fundação pagou uma conta de 200
mil euros”, diz o jornalista. Da Menino Jesus também saíram recursos
para alugar, por exemplo, um helicóptero pela soma de 23,8 mil euros. “É
ofensivo, outra das muitas acusações injustas e falsas que recebi ao
longo dos anos”, defendeu-se o cardeal Bertone. O livro também menciona
deslizes de outros integrantes da atual alta cúpula, como o cardeal
George Pell, prefeito da Secretaria Econômica, que teria “desviado para
seus amigos 500 mil euros em seis meses.” Fittipaldi diz ter tido acesso
a documentos destinados ao cardeal Pell que “pela primeira vez resume o
verdadeiro valor de todos os imóveis das instituições vaticanas,
avaliados em 160 milhões de euros. O autor, porém, calcula que o
montante dessas propriedades pode chegar a 4 bilhões de euros.
TRAIÇÃO
Paolo Gabriele era mordomo de Bento XVI e o traiu, roubando documentos
de seus aposentos: o papa emérito não resistiu e renunciou
Outro escândalo que sacode as colunas da
Praça São Pedro e saem das páginas de Fittipaldi dizem respeito à venda
de canonizações. “Há alguns casos nos quais os parentes das pessoas que
morreram e que estão à espera de ser beatificadas e canonizadas podem
pagar até 500 mil euros”, disse. Neste caso, um outro nome de peso está
envolvido: o arcebispo Georg Gänswein,secretário de Bento XVI. Velhos
personagens de um período obscuro que voltam à cena, para mostrar que
décadas de corrupção, desvios e vícios dentro de uma instituição
poderosa como a Igreja Católica, não acabam apenas com a meia-dúzia de
gestos de um bom papa. Resta saber como Bergoglio irá reagir.
FONTE: Débora Crivellaro (debora@istoe.com.br)
REVISTA ISTOÉ/ N° Edição: 2397
| 06.Nov.15 - 20:00
| Atualizado em 12.Nov.15 - 22:43/REPRODUÇÃO - ACESSO EM 12/11/15 ÀS 21:45min.
Colaborou Camila Brandalise
Fotos: Christopher Furlong/Getty Images
Fotos: Christopher Furlong/Getty Images
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