'vez por outra o “mandante mor” do Brasil fala alguma coisa. Obviamente há uma legião de comandados que obedecem cegamente'., diz Dimas Covas
Uma campanha de desinformação contra a Coronavac. É assim que o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, classifica os ataques promovidos pelo presidente Jair Bolsonaro e por integrantes do governo federal contra a vacina. Covas defende, em entrevista ao Estadão, a eficácia do imunizante e não vê nenhuma necessidade de uma dose de reforço ainda este ano. Na semana passada, o presidente disse nas redes sociais que a Coronavac não havia dado certo.
Há alguma possibilidade de a vacina Coronavac ter eficácia menor do que a apontada previamente por pesquisa clínica?
A eficácia depende do desenho do estudo clínico. Eficácias entre estudos diferentes não são comparáveis. É diferente fazer estudo clínico em profissionais de saúde e entre a população em geral. De qualquer maneira, alguns desses estudos apresentam a eficácia secundária, que é o que importa para uma vacinação, a proteção contra os casos sintomáticos. São pouquíssimas as que protegem contra a infecção. São as com efeito neutralizante. No estudo inicial, a proteção contra casos leves foi de 83% e contra casos graves e moderados, de 100%. Recentemente fizemos estudo em Serrana (cidade paulista), esse um estudo de eficiência, com mais de 95% da população adulta vacinada. Proteção contra sintomas: 80%; contra internação: 86%; e contra óbitos: 95%. Um desempenho excelente. Isso vem corroborando com dados de estudos de eficiência não controlados e a queda dos óbitos na população com mais de 60 anos, majoritariamente vacinada com a Coronavac.
Novos surtos podem ocorrer mesmo com altos porcentuais da população vacinada? No Chile, afirma-se que a vacina é eficaz contra casos graves, mas não tão eficaz para inibir o contágio.
No Chile, há muita especulação. Fala-se que tem um aumento acentuado de casos apesar da vacinação. Houve uma redução importantíssima dos casos, de internações, de óbitos. E a incidência tem sido principalmente na população não vacinada. Os dados do Uruguai mostram uma queda acelerada em internações e óbitos também. Esse conjunto de dados, que são robustos, atesta que a vacina tem segurança, eficácia e eficiência.
O que leva as pessoas a tentarem escolher a vacina no posto?
O critério para aprovação das vacinas é o mesmo. Uma vez aprovada, significa que demonstrou que tem segurança e eficácia. Agora, porque o indivíduo quer a da Pfizer? Por que não quer a do Butantan e da AstraZeneca? Por que é americana? Não sei. Mas, sem dúvida, a colaboração enorme que aconteceu aqui foi a tentativa de desconstrução da vacina do Butantan feita pelas autoridades federais. Foi um movimento sistemático. As autoridades federais, principalmente relacionadas ao Poder Executivo, mas também à Saúde, em um determinado momento passaram a descredenciar a vacina.
Acredita que isso continua?
Continua. Vez por outra, o “mandante mor” do Brasil fala alguma coisa. Obviamente há uma legião de comandados que obedecem cegamente.
Foi noticiado recentemente que há intenção do ministério de parar de contar com a Coronavac, porque haveria alto índice de vacinados se contaminando…
O Marcelo Queiroga falou durante a CPI, e depois, que existiriam dúvidas em relação à vacina e ele poderia em um segundo momento contratar a Butanvac. Ele não falou em nenhum momento que poderia descontinuar a Coronavac. Eu questionei depois disso e ele me disse que em nenhum momento isso foi discutido. Pelo contrário, solicitaram que se adiantasse fornecimento e eventualmente se acrescentasse o adicional de 30 milhões de doses, que não respondemos porque temos compromissos com o Estado. Então, não bate com a verdade. Semana passada saíram dados do Uruguai. A Coronavac reduziu mortalidade em 97% e a Pfizer em apenas 80%. Internações em UTI com a Pfizer caíram 95%, e com Coronavac em 99%.
O senhor acredita que a recente queda no número de casos é resultado disso e esse movimento deve continuar?
Agora vamos começar a observar isso progressivamente. Na população idosa está bem nítido. Vai começar a aparecer nos que foram vacinados depois. Isso está aparecendo num ambiente de relativa restrição. Se acontecer a abertura, como aconteceu no Chile, esses movimentos vão fazer o inverso da vacinação. Hoje o pico da incidência está na população de 30 a 50 anos. Se você abre, volta a ter atividade normal porque está melhorando o nível de óbitos e internações, promove o aumento de casos na população que não está vacinada, como aconteceu no Chile, no Bahrein.
Para 2022, a vacina do Instituto Butantan será a Coronavac ou já será a Butanvac?
A Butanvac será certamente uma vacina. O desenvolvimento na plataforma que produz a vacina da gripe é uma proposta extremamente interessante. Isso vai permitir generalizar essa tecnologia e baratear. Além disso, é uma vacina de segunda geração, que já tem incorporados muitos conhecimentos adquiridos.
Para 2022 será a vacina do Butantan?
Será a segunda vacina do Instituto Butantan. Inclusive na perspectiva de ter uma vacinação única, gripe e Butanvac. Assim como a vacina da gripe precisa ser tomada todo ano, provavelmente tomaremos a vacina contra a covid-19 por um tempo. A presente dúvida é: vamos ter de tomar a vacina contra a covid por um tempo, não sabemos se depois o vírus irá desaparecer ou não. Enquanto não desaparecer, teremos de ter vacinação periódica. Na minha previsão será anual. Nos próximos dois ou três anos, certamente vamos precisar ter um reforço vacinal para a covid, um reforço que inclua as eventuais variantes que podem aparecer durante o ano.
Idoso vai precisar de reforço?
Existem estudos em andamento para saber exatamente isso. Qual a duração da resposta imune, qual será a necessidade da dose de reforço e se será anual? Tudo indica nesse momento que será anual. Não há ainda dados que indiquem que há um grande escape da população idosa da proteção. Agora, quanto tempo dura? Isso estamos estudando. Tudo indica que a duração é de cerca de oito meses. A partir disso é possível, não quer dizer que vá acontecer, que haja a necessidade de um reforço, de um “booster” vacinal. E há também estudos para saber se o “booster” pode ser com qualquer vacina.
Então é possível que ainda neste ano, ou no máximo em janeiro do ano que vem, uma vez que eles começaram a ser vacinados no início de 2021, os idosos tenham de tomar um reforço?
Não enxergo isso. Na Inglaterra já estão prevendo, estão iniciando uma programação para em outubro dar dose de reforço. Aqui o desafio ainda é vacinar a população em geral. Depois disso, aí sim vai poder pensar na dose de reforço e na população infantil e adolescente que também, necessariamente, terá de ser incluída.
Com os atrasos da aquisição de vacinas pelo governo federal, é possível que a população idosa fique desprotegida pelo menos por um período?
Nada indica isso neste momento. Todos os dados indicam que essa população está protegida. O fato de ter uma resposta imune menor do que os jovens não indica que estão desprotegidos. O nível de anticorpos talvez seja o pior dos indicadores. Esses testes que estão disponíveis foram licenciados pela própria Anvisa para testar os indivíduos em relação à infecção não em relação à resposta vacinal. O que vai ser importante são exatamente os estudos de eficiência na medida que a vacinação progride. Tudo indica que essa população está adequadamente protegida tanto é que diminuíram acentuadamente os óbitos e as internações.
Como tem acompanhado as notícias sobre possíveis desvios éticos na compra de vacinas pelo governo federal? Qual efeito disso e dos atrasos da vacinação?
O estudo da Federal do Rio Grande do Sul mostra que, se a vacinação tivesse começado um mês antes, teríamos salvo 46 mil vidas. Até o fim do ano passado a vacina era secundária, não era prioritária para o governo federal. A vacina de repente passou a ser prioritária quando a Economia disse que o melhor plano era vacinar a população. Demorou para chegar a essa conclusão. A (vacina) do Butantan não foi relegada a segundo plano, foi relegada a terceiro plano. Poderia ter sido a primeira a ser adquirida. Foi uma das últimas a ser contratada, só em janeiro, e mesmo assim foi a que iniciou o programa de vacinação.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. - 06/07/2021 15h
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