terça-feira, 20 de abril de 2021

Pesquisadores brasileiros acreditam ter encontrado mecanismo que faz variante sul-africana escapar de anticorpos



Foto: Acervo dos Pesquisadores
Foto: Acervo dos Pesquisadores

 

A descoberta, que ainda precisa ser confirmada por novos experimentos, pode abrir caminho para o desenvolvimento de 

vacinas mais eficazes

Um grupo liderado por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade

 de  São Paulo (FM-USP) acredita ter encontrado o mecanismo

 que possibilita à variante sul-africana do SARS-CoV-2 –

 também conhecida como B.1.351 – escapar dos anticorpos 

gerados em infecções anteriores pela cepa ancestral do vírus.

A descoberta, que ainda precisa ser confirmada por novos experimentos, pode abrir caminho para o desenvolvimento de vacinas eficazes tanto contra a variante que emergiu na África

 do Sul, já presente no Brasil, quanto a originária de Manaus

 (P.1.), bem como as suas predecessoras.

O estudo, publicado na plataforma medRxiv, está em processo 

de revisão por pares. Por meio de simulações computacionais, 

o grupo estudou a proteína-chave do SARS-CoV-2, conhecida como spike. Ela é a responsável por se ligar ao receptor 

existente nas células humanas (a proteína ACE-2) e viabilizar

 a infecção.

Os resultados sugerem que uma das mutações existentes na 

ponta da spike da variante sul-africana – caracterizada pela troca

 do aminoácido lisina por asparagina – pode resultar na 

ocorrência de um fenômeno bioquímico conhecido como glicosilação, que muda a feição da proteína viral e impede a 

ligação dos anticorpos. Já na variante P.1., a lisina é substituída

 por uma treonina, que não sofre glicosilação.

“No desenvolvimento de uma vacina, hoje, é preciso escolher o

 que será mais eficaz contra o vírus, incluindo as variantes. 

No caso do SARS-CoV-2, das três mutações que ocorrem na P.1.

 e na B.1.351, duas são exatamente iguais. Portanto, é possível 

que uma vacina que tenha como foco a variante sul-africana seja eficaz também contra a P.1. e contra o vírus ancestral. Mas 

vacinas contra essas duas últimas provavelmente serão menos eficazes contra a variante sul-africana”, explica Keity Souza Santos, professora da FM-USP e autora correspondente do 

artigo.

O trabalho é resultado de um projeto apoiado pela FAPESP e coordenado por Jorge Elias Kalil Filho, professor da FM-USP 

e coordenador do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (InCor), que também assina o artigo.

O grupo liderado por Kalil trabalha no desenvolvimento de uma vacina contra a Covid-19. O projeto é apoiado pela Fundação e pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

O alvo

“Trabalhos anteriores de outros grupos não conseguiram 

encontrar a região específica em que os anticorpos humanos 

se ligam à RBD [domínio de ligação ao receptor, na sigla em inglês], como é chamada a ponta da proteína spike que encaixa

 nas células humanas. Até então eram feitas inferências. 

Utilizamos uma técnica que permitiu localizar exatamente uma região predominantemente reconhecida, que chamamos de imunodominante. É a mesma em que ocorre uma das mutações 

das variantes de Manaus e da África do Sul”, conta Santos.

Após identificar a região na primeira cepa do vírus, o grupo composto por pesquisadores da USP, Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) 

e Universidade de Salzburg, na Áustria, submeteu a sequência

de aminoácidos ao soro sanguíneo de 71 pacientes recuperados 

de Covid-19 no Hospital das Clínicas da FM-USP no começo da pandemia no Brasil. Em 68% das amostras, os anticorpos

 presentes no soro foram capazes de se ligar ao peptídeo 

chamado de P44, presente na RBD da proteína spike.

Para entender como ocorre a ligação dos anticorpos nessa região encontrada pelos pesquisadores, foram feitas simulações computacionais. As informações da RBD das duas variantes e

do vírus ancestral foram cruzadas com a do anticorpo monoclonal REGN10933, conhecido por se ligar à região imunodominante 

e, atualmente, em testes clínicos para tratamento da Covid-19.

 O computador faz o que se chama de predição de neutralização,

 ou seja, estima a capacidade dos anticorpos de neutralizar o 

vírus.

Nas simulações, a predição de neutralização foi completa contra

 o vírus ancestral e um pouco diminuída para a variante P.1.

Na variante sul-africana, contudo, houve uma queda drástica na predição de neutralização, confirmando o que havia apontado 

um artigo publicado na Cell por cientistas norte-americanos 

pouco antes da submissão do artigo dos brasileiros.

Para o grupo liderado pela USP, a ligação não ocorre na B.1.351 porque uma das suas mutações é justamente a troca do 

aminoácido lisina por asparagina, que sofre o processo de glicosilação. Essa alteração seria, provavelmente, a responsável pela baixa estimativa de neutralização da variante sul-africana pelos anticorpos gerados a partir da infecção pela cepa original

 do SARS-CoV-2. O fenômeno da glicosilação já foi observado

no vírus influenza, da gripe, mas ainda não havia sido apontado 

no caso do SARS-CoV-2.

“Nas variantes P.1. e B.1.351, a mutação da RBD consiste em apenas três aminoácidos diferentes em relação à RBD do vírus ancestral. A mudança, contudo, parece ser suficiente para tornar

 as variantes de Manaus e da África do Sul mais transmissíveis. Uma vacina que gere anticorpos que ataquem as duas mutações

 que ambas as variantes têm em comum, mais o aminoácido glicosilado da B.1.351, provavelmente será mais eficaz”, diz Santos.

Para confirmar a hipótese, o grupo planeja agora experimentos

 in vitro utilizando amostras do peptídeo P44 com a glicosilação

 na asparagina. O objetivo é confirmar se os anticorpos

 realmente não se ligam a esse aminoácido quando ele é glicosilado. Além disso, os pesquisadores obtiveram soro de pacientes recuperados da P.1. e pretendem confirmar se os anticorpos desses pacientes se ligam mesmo ao peptídeo P44. 

Fonte: Bahia.Ba -Por André Julião, da Agência Fapesp - 20/04/2021.

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