Os ataques do presidente Jair Bolsonaro às urnas eletrônicas servem apenas “para manter em permanente conflito uma parte da sociedade que acredita nisso”. A análise é da subprocuradora-geral da República, Luiza Frischeisen, para a qual o eleitor brasileiro deveria se informar melhor a respeito do atual processo de votação e do histórico dos pleitos no país — que durante décadas foi um manancial de fraudes promovidas por donos locais de poder em conluio com setores da sociedade interessados em construir cenários vantajosos para si e para pessoas próximas, em detrimento do conjunto da cidadania.
“As pessoas precisam saber sobre a questão da urna eletrônica, como ela é auditável, como a Justiça Eleitoral acompanha, o Ministério Público Eleitoral. É importante as pessoas se informarem mais e não acreditarem em tudo que recebem por grupos de WhatsApp”, disse, ontem, em entrevista ao CB.Poder, programa que é uma realização do Correio Braziliense e da TV Brasília.
Luiza também analisou a decisão de Bolsonaro de reconduzir o atual procurador-geral da República, Augusto Aras, ao posto, ignorando a lista elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da República — da qual ela fazia parte. Leia a seguir os principais pontos da entrevista.
Vemos o presidente atacar muito a questão das urnas eletrônicas. O Ministério Público, inclusive, abriu uma investigação contra Jair Bolsonaro por ameaçar as eleições, dizendo que, se não houver o voto auditável, não vai haver pleito em 2022. Como a senhora vê essa questão e por que depois de tanto tempo de urnas eletrônicas volta-se a falar em voto impresso disfarçado de voto auditável? Porque sabemos que as urnas eletrônicas são auditáveis.
Nós temos acompanhado o compartilhamento de provas de investigações que existem no Supremo Tribunal Federal (STF) para os processos que existem no Tribunal Superior Eleitoral sobre a campanha de 2018 e a questão da urna eletrônica. Não há prova nenhuma de fraude. A Polícia Federal (PF) divulgou nota dizendo que não existe inquérito sobre isso. Inclusive o candidato perdedor em 2014 (Aécio Neves) se pronunciou também e disse que não houve nenhuma fraude. Isso acaba sendo uma estratégia para manter em permanente conflito uma parte da sociedade que acredita nisso. Há 25 anos votamos em urna eletrônica. Era importante as pessoas estudarem um pouco da história da votação. O Coronelismo, enxada e voto, do Victor Leal, que é um livro clássico da ciência política, falava disso. Realmente as pessoas precisam saber sobre a questão da urna eletrônica, como ela é auditável, como a Justiça Eleitoral acompanha, o Ministério Público Eleitoral; como há auditagens no início — a zerésima — e ao fim também. Então, é importante as pessoas se informarem mais e não acreditarem em tudo que recebem por grupos de WhatsApp. Ou acreditarem em uma única fonte que tenha interesse em divulgar inverdades.
O presidente Jair Bolsonaro decidiu que o atual procurador-geral da República, Augusto Aras, será reconduzido a mais um mandato. Isso mina a credibilidade da PGR?
Não. Nós que participamos da lista — eu, o Mario Bonsaglia e o Nicolao Dino — somos de uma geração que, historicamente, construiu a lista. Participamos da diretoria da Associação Nacional dos Procuradores da República, participamos de todas as listas como eleitores e também de outras listas como candidatos. A gente tinha essa missão histórica de construir a lista neste ano e, também, para que exista lista em 2023, o que é importante. A lista teve um quórum enorme, de cerca de 80% da classe, o que demonstra uma adesão bem alta. Acho que a missão foi muito bem cumprida.
Quem acompanha o dia a dia do Ministério Público tem visto o procurador-geral muito alinhado ao presidente da República. Inclusive já dizem aqui em Brasília que ele “destituiu” o Geraldo Brindeiro do posto de “engavetador-geral da república”. A senhora acredita que, hoje, por esses dois anos de mandato do procurador Aras, ele realmente está fazendo muito mais do que o governo quer, do que deveria ser feito pelo cargo e pela constituição?
Acho que existem formas de atuação de procurador-geral da República. Acho que ele (Aras) escolheu um caminho que é um caminho mais de observador, ou seja, na parte criminal, ele não costuma ter uma atuação mais proativa, no sentido de iniciativa, normalmente ele espera representações de terceiros. Mas compreendo o exercício do cargo de procurador-geral da republica como uma forma mais ativa especialmente na defesa do estado democrático de direito.
O fato de termos um procurador-geral da Republica alinhado ao governo esvazia o Ministério Público?
Precisamos entender que cada membro do Ministério Público é autônomo, independente dentro da sua atribuição, e essas atribuições estão estabelecidas em lei e em atos internos. O que o Ministério Público fez, por exemplo, na questão da pandemia, tem que ser observado no conjunto das ações de todos os colegas do Ministério Público Federal, muitas vezes com os Ministérios Públicos estaduais e com defensorias públicas. Então, o Ministério Público continua atuando e cada um responde pela sua esfera de atribuição.
A senhora é a favor de impor uma quarentena para que um procurador-geral da República possa ser indicado ao Supremo Tribunal Federal?
Quando falamos da PEC da lista para procurador-geral da República, há um debate paralelo de que deve haver só um mandato com um prazo maior, de três anos ou quatro, sem direito a recondução. Ao mesmo tempo vem uma outra discussão: se deveria existir uma quarentena para o exercício de outras funções. A quarentena não é uma coisa estranha porque veja a própria Constituição: prevê a quarentena para membros do Ministério Público e para membros da magistratura quando há exoneração para atuação como advogado. Então, dependendo de onde você se exonera e onde você se aposenta, você não pode atuar.
Fonte: CORREIO BRAZILIENSE - 28/04/2021 10h:10min.
0 comentários:
Postar um comentário