quinta-feira, 25 de maio de 2017

'Ele escreveu que gritou muito, mas ninguém escutava', diz mãe de espanhol que se perdeu na Chapada

Em um ano e meio, a uma distância de 7,5 mil quilômetros, a espanhola Isabel Tormo, 60 anos, experimentou uma sensação desumana para uma mãe. Ela sentiu o filho morrer, aos poucos, dia após dia, mas nunca definitivamente. Nesse período, alimentou ao mesmo tempo esperança, culpa, raiva e uma profunda tristeza. Até que, enfim, está perto de encontrar a paz.    
Até abril deste ano, Isabel não tinha qualquer informação concreta de como, porque ou em que circunstâncias Hugo Ferrara, de 27 anos, desapareceu na Chapada Diamantina. Isso desde 20 de dezembro de 2015. Em meados de abril deste ano, uma bolsa térmica com os pertences do rapaz foi encontrada. Dois dias depois, restos mortais humanos também foram localizados. Tudo leva a crer que são de Hugo.
Entre os pertences, um diário. Na verdade, um livro e pedaços de caderno que foram utilizados por ele para explicar o que houve. “Ele escreveu para que soubessem o que tinha acontecido”, acredita Isabel, que, ao lado de Paola ferrara, 25, irmã de Hugo, está na Bahia para ter a confirmação da morte do rapaz. Ambas esperam o resultado de um exame de DNA. “A gente quer descansar para que ele também descanse”, resume a mãe.
Nos escritos, ao qual tiveram acesso apenas em parte através de fotos enviadas pela polícia, a família encontrou algumas respostas. A maioria delas bem duras. Hugo relata que sofreu um acidente em uma cachoeira e, por isso, teve problemas de locomoção. Viveu o desespero de estar sozinho, ferido, no meio da mata, sem conseguir pedir ajuda. “Ele escreveu que gritou, gritou muito, mas ninguém o escutava”.
Isabel Tormo e Paola Ferrara, mãe e irmã do espanhol Hugo, estão na Bahia tentando confirmar a morte
(Foto: Marina Silva/CORREIO)
Hugo dividiu os escritos em dias. Numerou cada um deles, tendo como referência inicial o acidente. Na última vez que escreveu, o “dia 6”, provavelmente era Natal. Hugo narra que caiu em uma pequena cachoeira. Fraturou um dos joelhos e o pulso.
“Tentou caminhar, mas só conseguiu fazer 40 metros em uma hora. Depois tinha uma cachoeira grande. Sabia que não conseguiria mais caminhar e tentou subir de onde caiu improvisando uma corda”, diz, com base no que leu, a irmã, que nos cedeu a imagem de uma das páginas, onde há um pequeno trecho, quase indecifrável. Hugo narra que chegou em um lugar mais cômodo e plano, de onde gritou e ouviu o barulho de aeronaves. “Os helicópteros estavam longe”, diz a mãe.

Trilhas

No registro do posto guia, Hugo marcou que faria duas trilhas. A da Cachoeira do 21 e a Cachoeira da Fumaça, só que por baixo. A família acredita que ele tentou fazer a trilha do 21, mas, por conta do acidente, optou descer pelo leito de um rio que não era a trilha. 

“Era uma espécie de cânion de um rio, perto da Fumaça por cima”, observa a irmã. Reproduzindo o diário, a mãe destaca que as circunstâncias eram difíceis. “Ele procurou ir pela beira do rio. Então cada vez estava mais longe da trilha e das aeronaves, que naquela época apagavam incêndios. Como estava quente, a opção dele foi ir pelo rio”. Ferido e perdido, porém, Hugo não resistiu.
Aí veio o período de chuvas. Provavelmente, com a força das águas, a bolsa térmica e o corpo desceram pelo cânion para uma área próxima à Fumaça por baixo. “Os escritos estavam molhados. As folhas se soltam. Não era exatamente um diário. Era um livro de leitura. Ele escreveu até o sexto dia do acidente”, revelou Isabel, ainda ansiosa para ver os originais.
Em anotação quase ilegível, Hugo disse ter gritado e atirado pedras
(Foto: Reprodução)
Natal

Hugo desapareceu pouco antes do Natal. Tanto que a família estranhou o fato de ele não ter dado notícia. “Minha mãe sentiu uma saudade estranha. Ele não fez contato algum no Natal. Pensamos: tá bom, tá bom. Está em viagem, está no Brasil. Relaxamos. Depois foi no final do ano, que também foi estranho. Daí pensamos que não era normal”. Na busca por informações, através dos amigos, a família foi seguindo os passos de Hugo.

A última vez que encontrou com alguém conhecido foi em Brasília. Provavelmente em uma das escalas até chegar à Chapada dos Veadeiros. Depois, manteve contato com amigos para falar dos planos na Chapada Diamantina. Foi quando Hugo disse que pretendia percorrer os 70 quilômetros de trilhas entre o Vale do Capão e Lençóis. Mas não havia a certeza de que ele havia desaparecido por lá.
Essa dúvida, acreditam a mãe e a irmã, desestimulou as autoridades locais a tomar providências com mais agilidade. O contato com as polícias Civil e Federal era feito por email. “A gente tão longe... Tínhamos muita ‘saudade’ de ter informação. Mandávamos muitos emails e as respostas eram sempre para tranquilizar: ‘Fiquem tranquilos que nós estamos procurando’. Ficar tranquilo como?”. A Polícia Federal brasileira informou sobre seu desaparecimento em 14 de fevereiro de 2016. A família chegou a oferecer uma recompensa de R$ 15 mil para quem o encontrasse vivo ou morto. 
Entre o final de dezembro e o início de fevereiro, o que as autoridades acreditavam, destacou Isabel, era de que Hugo não estava desaparecido. “Diziam que ele estava viajando, curtindo. Eles não acreditavam nos nossos motivos de estar preocupados. Diziam que ele era jovem, mochileiro”. Até que mãe e irmã vieram ao Brasil pela primeira vez. Como os principais indícios apontavam para a Chapada, elas percorreram o máximo de localidades que conseguiram. 
Busca pessoal
Em um ponto guia no Vale do Capão, a primeira informação contundente. “Encontramos um registro da passagem dele. Tínhamos a hipótese de que ele tinha ido para o Vale do Capão, mas fomos nós que tivemos que ir lá e ver o registro. Foi tão fácil. As buscas só começaram quando encontramos o registro dele. Antes disso ninguém nos falou de registro, ninguém sabia que ele tinha ido para o Vale do Capão”, lamentou a irmã. 
Quando a mochila foi encontrada, quase um ano e meio depois do desaparecimento, veio o choque. “Depois de um ano e meio vocês desenvolve a hipótese de que seu irmão está morto. Aí surge a mochila e é como se você revivesse tudo. A mochila fez aflorar tudo. Era a hora da verdade. Ainda existia esperança. Mesmo depois da mochila, ainda tinha uma pequena esperança”, diz a irmã. Com os restos mortais encontrados, a esperança está quase morta. Uma morte lenta, como se deu a de Hugo, tanto no coração de Isabel quanto na mata da Chapada Diamantina.

fonte: Correio da Bahia/reprodução

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