Julia-Lotufo© MPRJ/Reprodução Julia-Lotufo

Embora alegue inocência, a documentação reunida pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Rio de Janeiro

obtida por VEJA, mostra o contrário: Julia gerenciava a fortuna criminosa, baseada em complexos esquemas de 

lavagem de dinheiroagiotagemcobrança de aluguéis irregulares e outras atividades obscuras, escamoteadas

 em codinomes. Por meio de uma foto armazenada no celular da parceira no amor e nos negócios escusos de 

Adriano, os investigadores conseguiram visualizar uma planilha que dimensiona um pedaço da fortuna 

milionária e ilegal do ex-capitão da Polícia Militar, expulso dos quadros da corporação em 2014 por

 envolvimento com bicheiros. Apenas no mês de maio de 2019, quando Adriano estava foragido, Julia registrava

 as entradas de dinheiro nos bolsos cheios do miliciano: 1 845 111,43 de reais, provenientes das mais variadas 

fontes possíveis, tais como aluguéis irregulares de Rio das Pedras, 

juros cobrados por atrasos em pagamentos na mesma comunidade, agiotagem, extorsões, arrecadações de 

dívidas variadas, consórcio de carros, e por aí vai.

Algumas anotações cifradas, no entanto, chamam a atenção. Não se descreve o que seria o “Apoio”, no valor 

de 80 000 reais, tampouco “Compromisso”, de 14 000 reais, e muito menos “Particular”, que corresponde 

a uma generosa cifra de 132 500 reais no cofre criminoso do paramilitar. Mas a trinca de somas suspeitas traz 

indícios de que as contas do miliciano eram fartamente irrigadas por diferentes patrocinadores ocultos de 

suas atividades ilegítimas no Rio.

 

Caçador silencioso de vítimas encomendadas por políticos e contraventores, o ex-sniper do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) da PM do Rio era conhecido pela sua extrema discrição. Todos os seus negócios do crime eram gerenciados por

 laranjas de Rio das Pedras e comparsas da corporação, muitos deles policiais da ativa. Há poucos registros em 

celulares sobre Adriano porque, conforme as investigações que tornaram Julia foragida mostram, ele usava uma 

tecnologia chamada de celular ponta a ponta, ou seja, quando dois aparelhos são previamente programados

 para receber e fazer chamadas somente entre ambos. Era uma das exigências do chefe do Escritório do Crime, em

 cuja posse foram achados 13 telefones diferentes quando foi morto no ano passado. O inteiro teor da perícia 

desses equipamentos ainda não foi demonstrado pelo MP do Rio.

Parte do esquema milionário criminoso de Adriano era feito por meio de duas empresas: a Cred Tech Negócios 

Financeiros, uma factoring criada para fazer empréstimos a juros extorsivos (que chegavam a incidir 22% a mais 

sobre o valor cedido), e a Lucho Comércio de Bebidas, cuja intenção era lavar dinheiro de seu império da 

bandidagem. Em conversas interceptadas pelas investigações, pessoas próximas a Julia admitem que a segunda 

empresa pertencia a ela e ao companheiro.

Ambas as empresas tiveram o soldado da PM Rodrigo Bittencourt em seu quadro societário. Ex-marido de Julia 

e pai da filha dos dois, ele é apontado como um dos laranjas e um dos principais gerentes das movimentações 

criminosas de Adriano. Preso em março, seus rendimentos mensais da PM giravam em torno de 4 000 reais, e 

eram incompatíveis com as somas de milhares de reais que movimentava por mês. Relatório do Conselho de 

Atividades Financeiras (COAF) aponta que, entre agosto de 2018 e maio de 2019, ele operou por volta de 1,4 milhão de reais em sua conta pessoal.

A Cred Tech, também uma empresa de fachada de Adriano, chegou a ter suas contas irrigadas com 1,9 milhão 

de reais no mesmo período analisado. A movimentação da firma foi considerada incompatível com o valor 

de 50 000 reais, que foi oficialmente declarado. O negócio chegava a confiscar bens para saldar os empréstimos 

extorsivos, como carros. Em uma busca e apreensão realizada pelos investigadores em fevereiro de 2020, foram 

encontrados 124 600 reais em dinheiro vivo com Daniel Haddad, primo de Rodrigo Bittencourt, também preso

 por envolvimento no laranjal de Adriano. Já a Lucho Comércio de Bebidas seria usada para limpar o dinheiro 

obtido por intermédio das atividades ilegais da outra empresa.

Depois da morte do líder do Escritório do Crime, a disputa pela sua herança espúria foi ávida e intensa. Julia 

não se dava muito bem com a família de Adriano, que administrava parte dos bens, como as cabeças de gado que 

eram mantidas no Haras Modelo, apreendido pelo MP do Rio no final de março. Alguns dos seus comparsas, 

inclusive, chegaram a se demonstrar exaustos em participar das brigas de família. Uma negociação envolvendo

 uma considerável quantia de gado depois do chefe do Escritório do Crime morrer chegou a render 550 000 reais

 ao grupo criminoso. Outros bens, como carros, foram vendidos. Um dia depois que escutas vieram à tona, no último dia 20 de março, um dos aliados do bandido foi assassinado a tiros de fuzil na porta de casa, conforme VEJA revelou. Mais de um 

ano após sua morte, o espólio criminoso de Adriano parece seguir sob disputa.

fonte: Veja.com 06/05/2021 /reprodução