Não é sobre abrir portas; é sobre empurrá-las. Assim a senadora Simone Tebet (MDB) reflete a respeito do seu pioneirismo na política. Primeira prefeita de sua cidade natal, Três Lagoas (MS), não parou mais de derrubar muros. Mas não se sente só na empreitada: “Não sinto que é uma presença solitária. Ainda somos poucas, mas a luta coletiva não nos faz sozinhas”.
Sabe, no entanto, que a luta é árdua. “Isso exige sacrifícios, o que compromete, não raras vezes, a vida pessoal. Ficamos suscetíveis às críticas, à difusão de fake news e a muitas outras formas de violência política. Sofremos, sim, assédio de todos os tipos, especialmente o psicológico”, conta, nesta entrevista ao Correio.
Essa realidade não é mais branda na CPI da Covid, na qual tem tido participações destacadas. “A CPI tem sido um celeiro de atitudes grosseiras para com a bancada feminina. A melhor forma de combater é fazer o que estamos fazendo. Mostrar que somos capazes, que nossa atuação faz diferença e é importante para o país. Tentaram, mas não conseguiram calar a nossa voz”, diz.
A senadora acredita que a “CPI já tem fortes indícios e muitos elementos probatórios da prática de crimes, incluindo a corrupção passiva e ativa”. “Temos documentos, troca de mensagens, quebras de sigilos. Na volta do recesso, a CPI terá de colocar nome, sobrenome e CPF dos responsáveis. Quem foram os corruptores, os cooptados, os atravessadores, os servidores, os agentes políticos”, avalia.
Sobre uma possível candidatura à presidência, Simone Tebet diz que não é hora de pensar em 2022, mas que a possibilidade de uma terceira via, fora dos extremos, é bem-vinda.
Entrevista / Simone Tebet
A primeira a presidir a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a primeira vice-governadora do Mato Grosso do Sul, a primeira líder de bancada do PMDB… Como encarou a presença solitária, como mulher, nos diversos postos que assumiu quebrando tabus?
O que diria a uma jovem adolescente que sonha em ingressar na política?
As mudanças na legislação eleitoral aprovadas pelo Senado vão mesmo garantir espaço maior das mulheres na política?
Há anos temos lutado por isso. Fazendo uma retrospectiva, percebemos que estamos num crescente nas conquistas. A “bancada do batom”, na Assembleia Nacional Constituinte em 1987-1988, foi fundamental para inserir na Carta Magna direitos essenciais para as mulheres brasileiras. Depois, conseguimos estabelecer a cota de 30% de candidaturas, brigamos na Justiça por mais recursos e tempo de rádio e TV nas eleições e, agora, esta semana, aprovamos uma PEC e um PL importantíssimos, neste mesmo sentido. É um passo a mais para termos mulheres nos Legislativos. Queremos 30% de vagas — e não mais somente candidaturas — de mulheres nos Legislativos federal, estadual e municipal. Será um grande avanço. Hoje, somos 15% no Congresso e cerca de 10% nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Como a realidade atual é de prevalência dos homens no Congresso, precisamos ir, aos poucos, conquistando nosso espaço. Por isso, o texto propõe a ampliação das vagas de forma gradual, começando com 18% já nas próximas eleições, subindo para 20%, 22% e 30%, até 2040.
As mulheres precisam trabalhar mais do que os homens para obter o mesmo reconhecimento. A senhora enfrentou discriminação e preconceito ao longo da sua carreira?
Qual a forma adequada de lidar com os preconceitos sexistas no dia a dia dentro e fora do parlamento? A discriminação de gênero ainda é demolidora na política?
A senhora é filha de uma lenda política. A política brasileira decaiu?
Seu nome aparece bem nas listas de pré-candidatos à presidência em 2022. Essas citações a encorajam? A presidência é um sonho? O MDB se uniria em torno da sua candidatura?
Por que é ainda tão baixo o número de mulheres em cargos significativos de órgãos públicos e empresas? Preconceito? Machismo?
Prefiro olhar pelo lado positivo. As mulheres estão conquistando espaços como CEOs de grandes empresas. Há pesquisas que indicam maior lucratividade nos negócios geridos por mulheres. Então, acredito que é questão de tempo. Hoje em dia, a maioria dos bancos universitários são ocupados por mulheres. Haverá mais equilíbrio na ocupação de postos-chave no futuro, seja nas grandes corporações, nas ciências ou na política. O machismo é cultural e estrutural, mas está sendo quebrado, ainda que mais devagar que o devido.
Qual a materialidade de corrupção no caso da Covaxin?
Temos fortes indícios e muitos elementos probatórios da prática de crimes. Isso mesmo: no plural, incluindo a corrupção passiva e ativa. Temos documentos, troca de mensagens, quebras de sigilos. Na volta do recesso, a CPI terá de colocar nome, sobrenome e CPF dos responsáveis. Quem foram os corruptores, os cooptados, os atravessadores, os servidores, os agentes políticos.
Está convencida de que houve prevaricação do presidente Bolsonaro? Que provas a CPI já elencou para comprovar o crime do presidente?
Qual o papel e a importância das mulheres nos trabalhos da CPI?
Estamos estudando os documentos públicos e sempre temos conseguido pontuar aspectos importantes que têm contribuído enormemente para as investigações. Todos lembram que, após horas de interpelação, o deputado Luis Miranda revelou o nome do líder do governo, deputado Ricardo Barros, durante os meus questionamentos. Eu também questionei a veracidade dos invoices da Precisa Medicamentos, demonstrando erros primários nos documentos. Temos exemplos de contribuições essenciais das senadoras Eliziane, Leila, Zenaide, Soraya, enfim, a bancada feminina está unida para que sempre estejamos presentes na CPI. Apesar de não terem nos dado direito a uma cadeira, temos nos feito ouvir e estamos procurando fazer a diferença.
Sua atuação firme e implacável na CPI a fez virar alvo do exército bolsonarista nas redes sociais. Isso a amedronta?
Isso tudo é fruto da divisão que se acelerou, nos últimos tempos. Caminho ao largo desses extremos. Já passei por vários momentos difíceis nas redes. O que não admito é mentira. Fake news. Já fui vítima de injustiças. Acho interessante e fico muito grata a todos os que me defendem, porque conhecem, e reconhecem, as minhas ações. Isso é muito bom. Apesar dos ataques, tenho percebido uma mudança de humor nas minhas redes. Muitas manifestações de apoio, e isso me dá força para seguir em frente, sabendo que estou no caminho certo
Como o Senado contribui para minimizar os efeitos da pandemia?
Desde o ano passado, nos unimos para aprovar, de forma célere, projetos no sentido de minimizar os efeitos da pandemia. Foram inúmeros projetos ligados à liberação de recursos para saúde, auxílio emergencial, socorro aos estados e municípios, apoio aos pequenos e microempresários, alterações no direito privado essenciais para ajudar os brasileiros a atravessar esse momento tão complexo da nossa história.
Como a pandemia pode reforçar os valores humanistas da sociedade?
Vimos inúmeros exemplos de solidariedade. Nessas horas difíceis, nos damos conta do quanto o ser humano tem a capacidade de ajudar o próximo. É hora de darmos as mãos aos irmãos que estão em situação de maior vulnerabilidade.
É possível ter um olhar poético diante deste momento difícil? Como faz para aliviar a tensão?
Sim, a poesia também flui nesses momentos de dor. É uma forma de deixar a emoção vir à tona. Para aliviar a tensão, gosto de caminhar, ouvir boa música, assistir a filmes e ler. Leio, e releio, de ensaios à literatura e à poesia. Manoel de Barros, Mário Quintana e Fernando Pessoa estão entre os meus preferidos.
O que mudou na sua rotina neste ano de pandemia?
Muita coisa. Acho que, como todos os brasileiros que passaram a atuar em home office, trabalhei até mais. Ganhei maior familiaridade com todas essas ferramentas de reunião virtual. Aliás, o que seria de nós sem essa tecnologia? Esse ano e meio que passou foi muito diferente de tudo o que já vivemos. Entretanto, embora possa ter produzido muito, sinto falta do contato pessoal. É próprio da política a conversa olho no olho. Nas duas últimas semanas, fizemos esforço concentrado, e a volta ao presencial foi muito boa para todos nós.
Que ensinamento este momento nos deixa?
É um momento de muita resiliência, solidariedade, saudade. Difícil. Muitas pessoas perderam entes queridos e amigos, muitos ficaram sem emprego, muitos passam fome. É uma crise sem precedentes. Atingiu a economia, mas, especialmente, o emocional de todos nós. Claro que, depois de tudo isso, a vida ganhou novo significado. Espero que possamos sair melhor. Aprender com as dificuldades e superar estes enormes desafios que ainda temos pela frente.
Como vê a perda de tantos brasileiros na pandemia? Os governos deveriam ter sido mais céleres nas decisões? Que exemplo no mundo poderia ser usado no Brasil?
É muito triste. Sinto a dor dessas famílias enlutadas que, em muitos casos, perderam seus entes queridos prematuramente. O mais revoltante é que muitas vidas poderiam ser poupadas, se as pessoas tivessem sido vacinadas a tempo, e se a ciência tivesse também tivesse se poupado do negacionismo que imperou entre nós, neste momento tão difícil. Nesse quesito, o mundo está repleto de bons exemplos. A recíproca não é verdadeira. Aqui, o que mais se viu foram os maus exemplos.
A importância da união em torno de um projeto suprapartidário para mitigar os efeitos da pandemia nos próximos anos é possível?
Eu sou uma pessoa que valoriza o diálogo. Temos de nos sentar à mesa para absorver as melhores ideias de cada um e construir programas consistentes e políticas públicas eficazes. Entendo que o caminho seja mesmo esse. De forma republicana, uma união suprapartidária seria importante para encontrar as melhores saídas para o pós-pandemia. Não é hora de extremismos. Não é hora de muros que nos dividam, muito menos de cercas que nos segreguem.
Fonte: ANA MARIA CAMPOS/CORREIO BRAZILIENSE/REPRODUÇÃO 19/07/2021
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