sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Artigo:O Aproveitamento da Água da Chuva no Semiárido, Região Noroeste do Estado da Bahia

Por Darcy Castro*Darcy Castro
Como sabemos ou deveríamos saber, a água é um recurso natural indispensável para a vida no planeta. Para termos uma ideia dessa dimensão, a maior riqueza de fauna e flora está concentrada nas regiões tropicais onde a disponibilidade de agua é maior. A humanidade, aprendendo com a natureza, e como parte dela (deveria), também procurou habitar essas regiões por conta de oferecer condições para a sua sobrevivência, bem-estar e acumulação de recursos, dentre outras razões. Contudo, algumas regiões do mundo com problemas com a seca e habitadas pelo homem desde a sua antiguidade, a exemplo do Egito, já represavam a água da chuva, especialmente, na época das cheias do Rio Nilo, para fins de uso dela no período de seca. Eles faziam pequenas barragens a partir das quais usavam a água para pequenas atividades de pecuária, agricultura e consumo humano (CHASSOT, 2008).
Mais de 20 séculos após a realização da experiência sustentável com água no Egito, regiões áridas, a exemplo do semiárido brasileiro, ainda enfrentam dificuldades de convivência com a seca. Apesar disto, algumas experiências têm logrado êxito nessa região, a exemplo das pequenas barragens construídas no norte do estado de Minas gerais, seguida de atividades de reflorestamento de alguns corpos d’ água locais, incluindo as micro barragens. Nessa região, a comunidade conseguiu melhorar o clima (umidade, pluviosidade, temperatura…) e aumentar a produtividade nas atividades de agropecuárias e também a biodiversidade animal.
Neste sentido, as pequenas barragens ou pequenas escavações no solo, em formato geralmente semicircular podem funcionar como reservatórios naturais, abertos nas áreas mais baixas da região para onde fluem as enxurradas. Ao cair a chuva, essas estruturas se enchem com enxurradas, evitando que a água escorra rapidamente e provoque erosões, armazenando água durante curto período de tempo e promovendo uma infiltração lenta (ARAÚJO & RIBEIRO, 2015). Após a chuva, a água retida penetra no solo, abastece o lençol freático, proporciona umidade ao solo e também do ar, principalmente se acompanhada de reflorestamento, bem como pode contribuir para a renovação de nascentes (EMBRAPA, 2007). Além do uso direto da água nessas áreas para consumo humano e animal, essas áreas podem ser ainda utilizadas para a plantação de verduras, legumes e frutas, além de contribuir para o aumento da renda das famílias e na alimentação humana e animal.
Para a nossa região (Noroeste da Bahia), Território de Identidade de Irecê- TII, especialmente no município de Central, com relevo acidentado, é comum a presença de reservatórios naturais como lagoas, “caldeirões”, “canoões” [… ] ou mesmo artificiais (tanques, cacimbas…) que, uma vez manejados, podem segurar a água por mais tempo. É comum também serem acompanhadas de nascentes ou “minadouros” de água (remanescentes) que, por sua vez, são protegidos por “manchas” de vegetação arborescente de Caatinga, Cerrado ou remanescentes de mata atlântica que servem de refúgio para muitas espécies da nossa fauna ameaçada de extinção, a exemplo do michila ou tamanduá bandeira (Myrmecophaga tridactyla), do cachorro do mato (Cerdocyon thous) e jacu (Penelope ochrogaster) (CASTRO, 2013). Nas últimas décadas, o manejo e a preservação desses ambientes foram deixadas em último plano, em decorrência da seca na sua relação em microescala com a ampliação das áreas para plantios, pastagens, ou pelo abandono dos moradores das suas propriedades rurais, da oferta de água pela Empresa Baiana de Águas e Saneamento Ambiental (EMBASA), entre outras causas.
Dorst (1995) relata que há mais de meio século foi anunciada a necessidade de (re) aproximação do ser humano da natureza, como condição de equilíbrio com esse meio a partir de uma nova racionalidade em que dentro da família poder-se-á encontrar uma terceira via ou forma alternativa para convivência com a natureza e para o desenvolvimento sustentável do planeta. Hoje, parece iminente, na prática, esse retorno, ao menos para algumas famílias que têm se deslocado de forma inversa: da cidade para o campo. No caso do nosso município, território ou região, o retorno de pessoas para o campo, na perspectiva ora mencionada, implica na necessidade de mudança de hábito e desenvolvimento de atitude, sendo que isto deve começar pelo uso da água, recurso sem o qual nenhuma atividade relacionada a vida pode ser exercida […]. Esta mudança vale também para as pessoas que permanecem na zona rural e dela fazem o uso de recursos do meio ambiente. Neste sentido, a abertura de pequenas barragens nas propriedades rurais, bem como a construção, preservação e/ou revitalização de reservatórios naturais e artificiais seria um potencial mecanismo para uma melhor convivência com o semiárido pelas razões ora expostas.
Bem sabemos que ações como essas podem não ser bem vistas atualmente, pois renegar a cultura pode ser mais fácil do que resgatá-la, ou preservar o que dela ainda existe em detrimento de uso indiscriminado dos recursos do meio e do consumismo supérfluo, imediatista e incessante, a ponto de contribuir escassez total do nosso recurso mais precioso para a vida que é agua, com importância para permanência da fauna, da flora e o ser humano na região […].
Vale ressaltar que os prejuízos com as águas das enxurradas são incalculáveis a cada chuva, a cada estação de chuva na região, tanto na zona rural, como na cidade na qual a água que desce pelas calhas das casas ou estabelecimentos poderia ser melhor armazenada e aproveitada, a exemplo do uso dela no jardim ou para construção civil, entre outros fins. Além disto pode facilitar a criação de ambientes (lixo, mato…) propícios para proliferação de animais vetores de doenças (mosquitos, ratos…). Na zona rural, a enxurrada destrói as culturas agrícolas (plantações), amplia a degradação do solo e dificulta a recuperação da sua cobertura vegetal (a desertificação), e, por conseguinte, reduz a sua produtividade para o plantio.
Para Chassot (2015), as pessoas não fazem o que se fazia antes, mas criticam quem pensa e/ou faz algo do passado (manejo e abertura de reservatório), simplesmente por acharem que estarão na contramão da história e do desenvolvimento da humanidade. Vale ressalvar que a cultura pode não ser totalmente resgatada, mas pode ser (res) significada ou melhorada com auxílio do conhecimento e de tecnologia desenvolvidas no presente relacionadas com atividade outrora realizada pela comunidade, a exemplo do uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), informações educativas sobre o uso da água, entre outras ações.
Essas ações precisam ser repensadas pela escola, pelas organizações sociais de base, pelas famílias, já que tem sido difícil esperar a mudança nesse cenário mediante ações realizadas de cima baixo (Poder Público) que, quando realizadas, são geralmente de alto custo e não atendem as demandas da comunidade em tempo hábil e/ou a contento, É preciso que se desenvolva iniciativas de baixo para cima e de menor custo, pois cada família pode construir micro barragens na sua propriedade, até mesmo com trabalhos manuais, bem como revitalizar seus reservatórios naturais e artificiais, afim de criar condições para um melhor uso da água, de preferência com acompanhamento técnico e/ou apoio de pessoas que já iniciaram experiências nessa área (ações).
Na Universidade do Estado da Bahia-UNEB, Campus XXIV, Xique-Xique-BA, o curso de Pós-graduação em Educação Ambiental, Biodiversidade e Cultura Regional-EABCR, além dos Cursos de Biologia (PARFOR), Engenharia de Pesca e Engenharia Sanitária e Ambiental, tem se preocupado e discutido sobre a questão da convivência do sertanejo com a seca, especialmente no que diz respeito ao aproveitamento da água. Esse curso tem como uma das metas principais desenvolver trabalhos com as escola e comunidade, no sentido de oferecer condições para estimular o uso sustentável da água, entre outros recursos ambientais. Esse exemplo pode ser iniciado na própria universidade onde a perda da água que cai pelas calhas é muito grande, ao mesmo tempo que necessita desse recurso para manutenção da sua área verde interna e externa. Para isto, precisa ser potencializada a criação de um reservatório ou sistema de canalização da água diretamente para a referida área (proposta dos alunos da segunda turma de pós-graduação).
Para fins de se alcançar maior êxito com tais iniciativas é necessário também que apareçam pessoas comprometidas com a causa, que forme e/ou incentive o ressurgimento de novas lideranças, como resultado da organização da sociedade civil (organização não governamentais, associações…), que sejam cidadãos e cidadãs capazes de desenvolver e multiplicar atitudes e ideias voltadas para a convivência com a seca na região.
Vale lembrar finalmente sobre a importância de se criar condições para melhor aproveitamento da água no período de chuva, pois acredita-se que só nesse mês de janeiro já choveu mais do que ano de 2015 (cerca de 500 mm na região). Tem-se notícias de que os reservatórios naturais e artificiais, até então em funcionamento na região, não deram conta de armazenar o volume de água proveniente da chuva.
As formas de aproveitamento da água da chuva aqui relatados podem vir a ser uma eficiente alternativa de buscar no passado, o conhecimento prático das pessoas para fins de auxiliar na resolução e/ou amenização dos problemas decorrentes da seca na região.  Isto pode motivar as gerações atuais e futuras para o uso sustentável dos recursos naturais (especialmente a água), a partir do aperfeiçoamento da cultura da comunidade ou da criação de novos mecanismos voltados para o enfrentamento e convivência com a seca no semiárido.

*Prof. Darcy Castro ,natural de Central, é Doutor em Ciências pela Universidade Federal da Bahia –UFBA. Professor Adjunto  na UNEB, Campus XXIV-Xique-Xique-BA.
Fonte:Centralnotícia/reprodução

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