Busato é o advogado que, como mostrou o jornal O Globo esta semana, recebeu de Wassef pagamentos que somam R$ 276 mil. Ele admite o pagamento, mas nega que tenha sido por defender Bolsonaro.

A conversa foi gravada em junho de 2017. Nela, Wassef fala a interlocutor que havia sido “autorizado pelo próprio Bolsonaro a botar um dos feras respeitados da advocacia” nos casos que tiravam o sono do presidenciável.

Tratavam-se de duas ações abertas contra o ex-militar de extrema direita pela deputada Maria do Rosário, do PT gaúcho, no STF. Ela foi à justiça após Bolsonaro afirmar, na Câmara, que ela “não merecia ser estuprada” por ser, segundo ele, muito feia.

Uma condenação criminal no Supremo poderia abrir margem a pedidos de impugnação da candidatura de Bolsonaro em 2018. Wassef também chama ministros do Supremo de “bandidos”.

“Isso não pode ser julgado de jeito nenhum antes das eleições. Isso é jogo de cartas marcadas. É uma coisa que me envergonha, os bandidos que se infiltraram no STF”, afirma Wassef na gravação. O Intercept excluiu da conversa as respostas do interlocutor para preservar a fonte.

A estratégia deu certo: as ações criminais pararam e foram finalmente suspensas após a posse de Bolsonaro, em 2019. Como presidente, ele não pode ser julgado por crimes anteriores ao mandato.

O “anjo” da família Bolsonaro já revelava, à época, intimidade com Bolsonaro, a quem conheceu em 2014. A seu interlocutores, dizia ser “parceiro e advogado em off há alguns anos” do então deputado federal e presidenciável Jair. “Em off” é um termo do jargão jornalístico usado para se referir a fontes de informações que não podem aparecer.

Desde que Fabrício Queiroz foi encontrado e preso em junho passado numa casa de Wassef em Atibaia que o entorno presidencial tenta apagar rastros da ligação entre o advogado e Jair. Um dia após a primeira prisão do ex-assessor de Jair e Flávio Bolsonaro, a advogada Karina Kufa enviou à imprensa nota dizendo que “todas as ações do senhor Jair Messias Bolsonaro, sejam elas cíveis, criminais ou eleitorais, em curso no poder Judiciário, exceto aquelas de competência da Advocacia Geral da União, estão sob a responsabilidade deste escritório”.

Só que não é verdade. Conversei na quinta-feira, 27, com Arnaldo Busato, o advogado indicado em 2017 por Fred Wassef. Ele me disse que segue a representar Bolsonaro nos processos, agora parados, movidos contra o presidente pela deputada Maria do Rosário.

Também procurei a advogada Dênia Magalhães, de Brasília, que aparecia em documentos públicos como defensora de Jair Bolsonaro até Busato assumir o caso. Ela confirmou que aceitou representar o então deputado a pedido da hoje deputada federal Bia Kicis, do PSL, de quem é amiga, e que depois recebeu pedido de Wassef para passar o caso às mãos de Busato.

Telefonei a Frederick Wassef explicando o conteúdo da gravação e pedindo uma entrevista. Assim que soube do que se tratava, ele desligou e não mais atendeu às chamadas. Também enviei pedidos de esclarecimentos por WhatsApp. Wassef leu as mensagens, mas não as respondeu. O espaço está aberto para ouvi-lo.

Também enviei perguntas sobre o caso à Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto. Eles responderam que não iriam comentar.

Petições escritas a mão

Arnaldo Faivro Busato Filho trabalha num prédio de escritórios sem luxo, mas estrategicamente localizado a poucas quadras do Tribunal de Justiça do Paraná, em Curitiba, onde tramita boa parte dos casos em que atua.

Filho de um carismático e popular político da Arena, o partido da ditadura militar, ele é o oposto disso. Mais de um colega o definiu a mim como advogado brilhante, mas discreto ao ponto de ser misterioso. Busato não usa computador; prefere escrever à mão suas petições. Nem a operação Lava Jato, que levou fama e fortuna a criminalistas na maioria até então relegados a casos provincianos no Paraná, o tirou da habitual discrição.

Busato me confirmou que entrou na defesa de Bolsonaro no STF a pedido de Wassef. “Mas não houve negociação, em termos financeiros”, garantiu, com a voz grave e tranquila de quem se habituou a atuar em júris. “Fui apresentado a Bolsonaro pelo Frederick Wassef. Foi em 2017. E as ações representavam efetiva ameaça à candidatura dele. Ele [Bolsonaro] estava muito preocupado com aquilo”. Os advogados se conhecem desde o início dos anos 1990.

“Não cobrei nada [de Bolsonaro]. Comecei a atuar, ficamos de conversar na sequência sobre honorários, mas nunca havia tempo, o deputado se envolveu na campanha, eu me envolvi com trabalhos aqui no Paraná. Mas sigo representando o presidente no Supremo. E nem tenho a preocupação de apresentar uma conta. Foi uma atuação relativamente tranquila”, disse.

Busato garantiu que os pagamentos que recebeu de Wassef, identificados pelo Coaf, tratam de outro serviço. “Estão inteiramente desvinculados do caso com o presidente. Foi um caso relativamente simples, em meados de 2018, de uma investigação ambiental contra a JBS em Açailândia, no Maranhão, que poderia resultar em processo criminal. Ele foi contratado e me subcontratou em parceria para tentar o trancamento do inquérito, que foi obtido com êxito”, afirmou.

A ajuda no caso dos processos do Supremo não foi a primeira que Fred Wassef lhe pediu, me falou Busato. Quando assumiu oficialmente a defesa de Flávio Bolsonaro – o filho 01 do presidente enrolado em suspeitas de desvio do dinheiro público usado para pagar salários de servidores de gabinete, caso que tem como pivô Fabrício Queiroz –, Wassef foi atrás dos conselhos do amigo que atua no Paraná.

“Ele recorre a mim esporadicamente quando ele vê as coisas meio complicadas do lado dele ou de pessoas próximas a ele. Sabe que sou um advogado sério, honesto, modesto, mas que me empenho no exercício da minha profissão”, se vangloriou Busato. “Ultimamente até estamos meio afastados. Ele tinha pego a defesa do Flávio, me consultou, mas ele se afastou inteiramente da minha orientação, cometeu uma série de erros no caso. E deu no que deu”.

Por decisão da família presidencial, Wassef foi afastado da defesa do 01 Flávio poucos dias após Queiroz ser preso na casa dele em Atibaia.

FONTE: SITE DA INTERCEPT BRASIL - 29/08/2020