© Luis ROBAYO Amigos e parentes de dois homens, vítimas de um massacre de seis pessoas, atribuído a um grupo armado, participam de seu funeral na área rural de El Tambo, Popayán, Colômbia, 25 de agosto de 2020
O acordo de paz com as Farc fez a violência recuar na Colômbia. Mas os recentes massacres trouxeram à tona o que os especialistas veem como um novo ciclo de violência, com uma explosão de grupos que se anteciparam ao Estado na reconquista de regiões abandonadas pela antiga guerrilha.
Destroçado por quase seis décadas de luta armada interna, o país, que acreditava ter virado sua pior página com o desarmamento dos paramilitares (2006) e dos rebeldes marxistas (2017) despertou para uma nova realidade: a volta das chacinas ou homicídios de três ou mais pessoas em um único evento.
Desde 11 de agosto pelo menos 36 pessoas morreram nas mãos de esquadrões que invadiram residências ou festas ou que levaram suas vítimas para depois abandonar seus corpos. São ataques em regiões remotas, que têm jovens civis entre suas vítimas.
Só este ano, a ONU documentou 33 chacinas contra 36 em 2019; 29 em 2018 e 11 em 2017.
"Estes (novos) massacres não respondem a uma lógica (ou) plano de um ator que esteja buscando ganhar terreno em nível nacional, estas respondem a dinâmicas muito mais locais", afirma Kyle Johnson, pesquisador da fundação Conflict Responses, à AFP.
O especialista é enfático em que a violência na Colômbia é "um tema cíclico".
Outros analistas concordam com ele, advertindo para uma nova fase atravessada pelo narcotráfico, com uma violência mais fragmentada, promessas de paz descumpridas e questionamentos à estratégia de segurança.
Confira alguns elementos-chave do novo fenômeno, que também ceifou as vidas de centenas de ex-guerrilheiros e líderes sociais.
1) Narcotráfico
O governo do presidente Iván Duque vê a mão do narcotráfico na volta da violência. E propõe uma solução: o retorno das fumigações aéreas dos narcocultivos para tirar combustível dos grupos armados.
Suspensas desde 2015, estas aspersões são questionadas por camponeses que tiram seu sustento das plantações e ambientalistas que alegam múltiplos danos.
A Colômbia interrompeu estes voos por recomendação internacional, que advertia que o glifosato é um herbicida potencialmente cancerígeno e houve, então, uma expansão recorde de plantios.
Depois de cinco décadas de luta, o país continua sendo o principal produtor e fornecedor mundial da cocaína consumida nos Estados Unidos e na Europa.
Mas este "não é o único motor da violência" na Colômbia, adverte Maria Alejandra Vélez, do Centro de Estudos de Segurança e Drogas da Universidade dos Andes. Somam-se a extorsão e o garimpo ilegal de ouro, cujos ganhos "superam os do narcotráfico", segundo a justiça.
Além disso, "não necessariamente o aumento de homicídios coincide com o aumento de cultivos de coca", diz a acadêmica.
Entre 2010 e 2017 caíram os homicídios no país, enquanto cresciam os plantios nas fronteiras com o Equador e a Venezuela.
2) Novos atores
No começo deste século, as Farc e os paramilitares eram exércitos poderosos. Em sua luta, sobretudo os grupos de ultradireita, usaram os massacres para forçar os deslocamentos maciços e avançar sobre o adversário, enquanto gozavam de obediência social.
Os massacres caíram dramaticamente com a desmobilização dos dois bandos.
Mas depois disso surgiram novos grupos, menores, sem pretensões de suplantar o Estado, mas tirando proveito de sua reconquista tardia dos territórios.
Sua ideia se concentra no controle dos narcocultivos e das rotas do tráfico e em alguns casos optando mais por aterrorizar do que conquistar as comunidades, segundo analistas.
Hoje, operam o Exército de Libertação Nacional (ELN), última guerrilha reconhecida no país, o Clã do Golfo, remanescente dos paramilitares, e dissidências das Farc.
Entre os três, somam 7.600 membros que atuam em 240 dos 1.100 municípios colombianos, segundo a Fundação Paz e Reconciliação.
Camilo González, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz, acredita que "em algumas (...) zonas novos grupos estão entrando", sem um comando unificado.
Estes últimos "são grupos degradados (...), instrumentos de máfias que estão aproveitando a situação da pandemia" do novo coronavírus para aumentar a pressão sobre a população, acrescenta.
3) E o Estado?
A Colômbia tem quase 400.000 policiais e militares. A força pública conseguiu fazer recuarem as Farc, com ajuda dos Estados Unidos, antes de assinar a paz.
Mas hoje, quando enfrenta uma investida de várias frentes, carece de estratégia contra "a violência nas áreas rurais", afirma Carlos Velásquez, coronel reformado e especialista da Universidade de La Sabana.
Enquanto a polícia se concentra na área urbana, o exército age como uma "força letal e móvel", que realiza operações pontuais. "Precisamos de uma guarda rural que seja uma força permanente de controle e conquiste a confiança das pessoas", acrescenta.
Também, nesta crise de segurança, os especialistas apontam a descumprimentos ou atrasos nos acordos de paz de 2016, que deviam impulsionar o desenvolvimento rural, a substituição voluntária dos narcocultivos e o combate aos sucessores dos paramilitares.
FONTE: AFP - 25/08/2020/dl-vel/rsr/mvv
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