(Foto: Renato Parada/divulgação)Na história recente do mercado editorial brasileiro, poucos
autores causaram tanto entusiasmo como o baiano Itamar Vieira Júnior. E isso
não foi só por parte dos leitores, que comentaram muito o seu romance Torto
Arado, de 2019, o primeiro de uma trilogia que ganha agora o segundo volume,
Salvar o Fogo. Certamente, a editora Todavia teve motivos de sobra para
celebrar o livro anterior, de 2019, afinal foram 700 mil cópias vendidas, o
maior número da história da empresa.
Agora, quatro anos depois, Itamar chega com o seu esperado
segundo romance, pela mesma editora. E o buxixo em torno do lançamento tem tudo
pra ser o mesmo do anterior: só na pré-venda, já foram vendidos 37 mil
exemplares e há um firme sinal de que vem um novo bestseller por aí. O romance
já está nas livrarias desde segunda-feira.
No livro, Moisés vive com a irmã Luzia em um povoado rural
conhecido como Tapera do Paraguaçu, no interior da Bahia. Tapera é uma
comunidade de um povo de origens afro-indígenas que vive à sombra do poder da
Igreja católica e dos humores de seus religiosos.
Moisés encontra afeto em Luzia, uma jovem estigmatizada por
seus supostos poderes sobrenaturais. Para ganhar a vida, Luzia se torna a
lavadeira do mosteiro e passa a experimentar uma vida de profundo sentido
religioso, o que a faz educar Moisés com extrema rigidez.
O lançamento, cercado de expectativa, terá até direito a uma
"book tour"do autor, que terá início em Salvador, nesta terça-feira,
no Teatro Jorge Amado, com ingressos esgotados. Depois, Itamar passa por mais
oito capitais. O CORREIO conversou com o escritor sobre o novo livro, a
expectativa em torno do lançamento e a adaptação de Torto Arado para o
audiovisual.
A religiosidade tem
forte presença em Salvar o Fogo. Qual a importância desse elemento no livro?
Nessa história, acho que, mais importante que a
religiosidade, tem importância a presença da igreja como uma instituição que
fez parte do processo histórico brasileiro. Então, é a história de uma comunidade
que vive ao redor de um convento. E essa igreja domina a vida da comunidade, é
proprietária da terra e está instalada lá desde o século XVII. Então, muita
coisa que a comunidade vive tem uma relação profunda com essa presença da
igreja.
Muita gente de Tapera
acredita que Luzia tem poderes sobrenaturais. Isso tem relação com o realismo
mágico?
Eu escrevo realismo e, claro, a partir da perspectiva de
personagens que têm histórias e visões de mundo muito distintas. E eu deixo as
interpretações para os leitores. Muitos acham que tem magia; outros acham que
aquilo faz parte dos credos, das paisagens de sua própria vida e de sua
família. Sou profundo admirador de Gabriel García Márquez e de outros autores
que têm a coragem de alargar o conceito de realismo e de trazer elementos que
são considerados fantasia.
Salvar o Fogo é o
segundo livro de uma trilogia. O que há de comum entre os três títulos? Os
personagens ou a história? E quando deve ser lançado o terceiro?
O próximo livro da trilogia está esboçado, tem história, mas
talvez não seja o meu próximo livro. Não me dei prazo para concluir, assim como
não me dei prazo para escrever Salvar o Fogo. As coisas vão acontecendo e eu
vou seguindo. Tem afinidade temática entre os três romances, mas as personagens
não chegam a se repetir de uma forma tradicional.
Esta não é uma continuidade da primeira história. Uma coisa
central nos três romances é a relação de homens e mulheres com a terra. Falar
sobre territorialidade: de que nós não podemos prescindir de uma terra para
pisar.
Torto Arado é um dos
livro mais comentados e vendidos nos últimos anos no país. Como fica a
expectativa para este segundo romance? Você se cobra?
Não, em nenhum momento. Tudo que aconteceu com Torto Arado
foi um percurso muito particular, que não foi planejado. Depois que tudo isso
acontece, talvez os leitores, os escritores e a editora criem uma expectativa
de que tudo se repita. Já sou um jovem senhor, de 43 anos, acho que tenho uma
parca, mas sólida compreensão da vida, então, não me iludo nem crio
expectativas. Quero fazer aquilo que gosto: escrever sem ser cobrado. Não posso
trair meu projeto de vida, meu projeto literário.
Torto Arado está
sendo adaptado para uma série na HBO. Você tem envolvimento com a adaptação?
Que outras adaptações aconteceram?
Eu não tenho acompanhado o que está acontecendo com a série,
não participo. Não quis participar porque demanda muito tempo, ocupa muito, mas
o meu "barato" é a liteatura. Tem esse projeto e tem uma adaptação
teatral que será feita por Aldri Anunciação [o memso de Namíbia, Não]. Tem
também uma adaptação para o teatro circulando na Europa e EUA, de Christiane
Jatahy, que é brasileira. Ela levou inclusive uma quilombola que sonhava ser
atriz, que agora é uma grande atriz que está circulando a Europa com esse
espetáculo, Depois do Silêncio. Tem também uma música do Rubel, cantada por
Luedji Luna. Tudo isso é inesperado.
Para você, o que tem
mais "peso" na sua escrita: a linguagem ou o enredo?
Eu sempre estou tentando encontrar o tom de contar a
história. Contar história, todos nós sabemos. A literatura é herdeira da
tradição oral, de quando se contavam histórias ao redor do fogo, perto da
família. A estrutura, eu vou conhecendo à medida que eu vou escrevendo. Sobre a
linguagem, é de fato importante encontrar o tom de contar aquela história, que
dê ritmo e seja harmônico, mas que provoque desconforto em quem lê a história.
Essas são as minhas preocupações mais proeminentes quando eu estou escrevendo.
Por isso, escrevo e reescrevo muitas vezes, até encontrar o tom adequado de
contar a história. Mas acho que é muito importante, porque essa é a diferença
de quem escreve: de que maneira contar essa história.
Não vamos contar uma história de forma aleatória, como
fazemos no cotidiano. Vamos contar histórias, mas de uma maneira mais
elaborada, imaginando uma engrenagem que pode capturar o leitor.
Você seria capaz de
dizer por que Torto Arado fez tanto sucesso?
Quando acho que estou entendendo a razão, acontecem coisas
novas. Primeiro, antes de tudo, achava que uma história dessa natureza, que
trata de uma comunidade rural e negra, num país que é cada vez mais urbano,
nunca atrairia leitores. Eu tinha essa expectativa, mas felizmente fui
surpreendido. E aí, quando os leitores começam a relatar o que sentiram ao ler,
percebo que há uma fome muito grande nossa, e aí me incluo, de compreender essa
país. E a ficção pode nos ajudar a compreender a história do país. Então, é
isso que percebo nos leitores. Mas a coisa extrapola, ganhou muitas traduções.
Já não consigo explicar: o que faz um leitor japonês, alemão ou colombiano se
interessar por essa história? Não tenho essa resposta. Talvez tenha interesse
em conhecer culturas e lugares diversos do meu. Não só pela curiosidade de
conhecer. Mas conhecendo esses lugares, essa culturas, estou tentando encontrar
a mim mesmo. Compreender a mim mesmo, a minha existência e as coisas à minha
volta. Mas não tenho uma resposta única pra falar sobre o êxito de Torto Arado.
Por que o livro é
dedicado a sua mãe?
A primeira parte da
trilogia foi dedicada ao meu pai. Ali, tinha personagens de diversos espectros
que acho que carregavam um pouco das qualidades e dos defeitos dele, então foi
dedicado a ele. Neste romance, assim como no primeiro, há uma presença muito
forte das personagens mulheres e muitas delas foram inspiradas em mulheres da
minha família.
Então, uma maneira de dedicar a todas, seria dedicar a essa figura
materna, que é minha mãe e eu estaria, por fim reverenciando, celebrando e
homenageando todas as ancestrais, que deram sua contribuição a essa história.
SERVIÇO
Salvar o Fogo
Autor: Itamar Vieira Júnior
Editora: Todavia
Preço: R$ 77 (impresso) | R$ 50 (e-book)
Páginas: 320
Fonte: Roberto MidleyjCorreio da Bahia - 28/04/2023