quinta-feira, 3 de abril de 2025

Baixa dos Sapateiros: da fama à decadência, região clama por socorro em Salvador

             Antigo Cine Pax, completamente abandonado. Foto: Dinaldo dos Santos | Aratu On

Famoso centro comercial de Salvador, a Baixa dos Sapateiros, região compreendida entre o Aquidabã e a Barroquinha, amarga tempos de decadência, mas teve um período áureo e marcante para a

sociedade soteropolitana. Entre a década de 1970 e meados dos anos de 1990, o grande comércio a céu aberto atraía um número significativo de pessoas, principalmente, aquelas de classe média e média-baixa.


A região extremamente popular era a alternativa, ante à pomposa Rua Chile, que naquele tempo recebia uma clientela mais bem favorecida do ponto de vista econômico.


Popularidade, porém, jamais foi sinônimo de trivialidade. A magia e o encantamento da movimentação
do local começaram a dar fama ao cenário, já em 1938, quando Ary Barroso, compôs 'Na Baixa do Sapateiro', canção que ganhou o mundo na interpretação de Carmen Miranda.


Versos da canção

Versos da canção




Baixa dos Sapateiros: origem do nome


O historiador baiano Roberto Pessoa explicou à nossa reportagem que, entre os séculos XVI e XVIII,

havia um dique ao longo da região, mas pouco a pouco, com a expansão da cidade, ele foi sendo aterrado e se tornou uma vala.


Segundo o professor, pelo córrego passava o Rio das Tripas, assim chamado, devido à junção com a

água escoada de um matadouro que ficava na Barroquinha. "Porém, mais tarde, ele foi sendo
canalizado e, no governo de José Joaquim Seabra [iniciado em 1912], esse rio foi totalmente coberto e,
então surgiu. uma rua artificial", acrescentou.


Em homenagem ao governador, a rua passou a se chamar J.J. Seabra. Mas de onde veio a Baixa dos
Sapateiros?


Com a pavimentação do local, de acordo com Pessoa, começaram a surgir, no entorno, várias casas de
couro. O material estava em ascensão na época, graças ao crescimento da pecuária, no interior do estado.


"Muito couro era levado para aquela região, onde surgiram muitas sapatarias e casas de confecções; de
sapatos; e bolsas. Como o local fica entre as colinas do Pelourinho, da Saúde e da Palma, então o povo
passou a chamar de Baixa dos Sapateiros.


A Baixa dos Sapateiros e o desenvolvimento sociocultural


Em tempos de alta estação para o mercado varejista, por muito tempo, a Baixa dos Sapateiros foi um
centro comercial de destaque. Roberto Pessoa ressaltou que o lugar figurava como um importante polo
desenvolvedor dos setores socioeconômico e cultural.


O historiador pontuou que o comércio local se expandia, seguindo os avanços da cidade e,
consequentemente, fazia crescer o número de investidores. Em paralelo às mudanças, a Baixa dos
Sapateiros conquistava um público cada vez maior, por conta da variedade de produtos oferecidos.


Nesse contexto, lembrou o professor, surgiram também salas de espetáculo, teatros e cinemas, como o
Jandaia, Olímpia, Tupi e, mais tarde, o Pax.


"Quem não podia desfilar na Rua Chile, que era um lugar mais chique, desfilava ali na Baixa dos Sapateiros,
onde, além da opção de compras, tinha entretenimento e fácil acesso aos bairros", mencionou.



Segundo Pessoa, entre a década de 1970 e meados dos anos 80, o metro quadrado da Baixa dos
Sapateiros era bastante caro e disputado. "Quem queria se estabelecer comercialmente, pagava, ali, um
preço como o de um shopping center, hoje".


Baixa dos Sapateiros: a decadência


Infelizmente, o mais popular centro de compras da capital baiana não resistiu ao avanço em larga escala
de uma ampla concorrência que surgiu, naturalmente, com o crescimento de Salvador. Roberto Pessoa atribuiu a situação, principalmente, à chegada dos centros comerciais privados.


"Quando o Shopping Iguatemi surgiu, na década de 70, deu uma quebrada", explicou. "Além disso, com
a cidade se expandindo, muita gente migrou dos bairros mais centrais para o litoral e, pouco a pouco, o
movimento da Baixa dos Sapateiros foi caindo até chegar a situação de abandono atual", lamentou.


+ Imóvel desaba na Baixa dos Sapateiros e interdita vias do bairro


Se essa decadência marca com tristeza a história do local, o que imaginar de como afeta as
pessoas que têm uma vida inteira relacionada com a existência da Baixa dos Sapateiros?


O comerciante, jornalista e agitador cultural, Clarindo Silva, de 83 anos, é um desses personagens. O
proprietário da famosa Cantina da Lua, estabelecido, há 50 anos, no Pelourinho, tem uma ligação muito forte com a Baixa dos Sapateiros, dado à proximidade entre os locais, na região do Centro Histórico.


Clarindo, inclusive, é um militante na causa em prol da revitalização do centro antigo. No último dia 12 de março, ele liderou uma manifestação em frente à Igreja de São Francisco, clamando por melhorias. O ato também marcou um mês da trágica morte de uma turista de Ribeirão Preto, vítima do desabamento de parte do teto do templo católico.


Clarindo Silva proprietário da Cantina da Lua. Foto: Divulgação

Clarindo Silva proprietário da Cantina da Lua. Foto: Divulgação




Sobre a situação da Baixa dos Sapateiros, Clarindo entende que o comércio desenvolvido em alguns bairros, além do advento dos shopping centers , exerceram grande influência no esvaziamento da J.J. Seabra. Porém, percebe um grande desinteresse das autoridades públicas no sentido de retomar a importância do local.


O comerciante fez uma relação direta entre o esvaziamento e o crescimento da insegurança. Ele salientou que tudo isso vai refletir em um ambiente propício à marginalidade. "Eu conheço pessoas ali que tinham duas, três lojas, hoje só tem uma, porque precisaram fechar as outras", disse.



Clarindo, sem citar nomes, criticou os governantes, mas reforçou que o problema não está, apenas, nas mãos dos políticos: "A sociedade baiana também precisa se apropriar daquilo ali", frisou.


"Eu fico profundamente preocupado e angustiado quando passo na [Rua] 28 de setembro e vejo a primeira Escola de Belas Artes desse estado cheio de árvores e a casa onde nasceu Carlos Marighella, cheia de embaúba", relatou.


Os espaços abandonados, reforçou Clarindo, precisam ser ocupados e, para isso, ele garante que alternativas não faltam, desde que o interesse seja uma realidade. "Já imaginou o Cine Jandaia ser transformado na Casa do Samba?", questionou. "Estamos na Cidade da Música e não temos", disse.


Prédio do Cine Jandaia e algumas lojas estão em ruínas. Foto: Dinaldo dos Santos | Aratu On

Prédio do Cine Jandaia e algumas lojas estão em ruínas. Foto: Dinaldo dos Santos | Aratu On




Baixa do Sapateiros: qual a posição do governo do estado?


Questionado pelo Aratu On sobre a situação da Baixa dos Sapateiros, o governo do estado informou que, através da Companhia de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Salvador (Conder), vem implantando o projeto Pelas Ruas do Centro Antigo, que inclui o Centro Histórico de Salvador.


O projeto, conforme a Conder,  já promoveu a requalificação de 281 ruas, sempre com o desafio de manter as características históricas das vias, mas também acrescentando equipamentos e soluções de acessibilidade. O valor total investido é de R$ 108,4 milhões. 


Neste momento, segundo a Conder, outras sete ruas na região estão passando por intervenção e mais 68 ainda serão contempladas pelo projeto. A Baixa dos Sapateiros, em especial, foi totalmente requalificada. A Conder informou que a obra teve investimento de R$ 17,5 milhões e incluiu a requalificação de vias e calçadas. Os serviços foram executados entre 2014 e 2017.


Ainda de acordo com a Conder, as seguintes praças e largos foram reformados na intervenção: Largo do Aquidabã, Largo das Flores; Largo de São Miguel; Ladeira do Cine Pax; Praça dos Veteranos; Largo da Barroquinha; e Praça Ary Barroso. 


Terminal da Barroquinha. Foto Dinaldo dos Santos | Aratu On

Terminal da Barroquinha. Foto Dinaldo dos Santos | Aratu On




Ainda na Baixa dos Sapateiros, ressaltou a Conder, foram realizadas obras e serviços de engenharia para Reforma do Quartel do Corpo de Bombeiros, na Praça dos Veteranos. O serviço concluído em 2014 recebeu um investimento de R$ 6,5 milhões.


A Conder informou também que está captando recursos junto ao Ministério da Cultura para requalificar outros 23 casarões históricos no Pelourinho. O projeto visa revitalizar esses espaços, preservando sua riqueza cultural e histórica, e transformando-os em unidades habitacionais de interesse social.


Os 23 casarões serão restaurados, mantendo suas fachadas originais, e adaptados para abrigar entre quatro e oito unidades habitacionais cada. O modelo seguido será o do Residencial Vila Nova Esperança, cuja recuperação do casarão ofereceu 6 unidades habitacionais de interesse social, com investimento de R$ 1,7 milhão. 


FONTE: Por Dinaldo dos Santos/aRATUON - 03/04/2025 às 10h:30

Related Posts:

0 comentários:

Postar um comentário