Moradores dos complexos da Penha e do Alemão e de outras favelas do Rio de Janeiro realizaram um protesto na tarde desta sexta-feira (31), após a morte de 121 pessoas na operação policial da última terça-feira (29). O céu cinzento e a chuva fina pareciam acompanhar o clima de luto que tomava conta do trajeto. “O dia está triste pela morte desses jovens. Deus com certeza está também”, disse uma mulher.
“Hoje foi a primeira vez que eu consegui chorar”, relatou o fotógrafo Rafael Henrique Brito, em entrevista ao ICL Notícias. Ele esteve na favela desde o primeiro momento após a chacina, registrando as primeiras imagens dos corpos enfileirados na Praça São Lucas, e também participou do protesto nesta sexta. “Senti o cheiro da morte”, disse, sobre testemunhar as cenas dos corpos resgatados da mata. “Hoje consegui processar, dar conta do tamanho do que está acontecendo”, relatou.
“Enquanto ativista e fotógrafo, o meu sentimento passa pela revolta e ao mesmo tempo pelo desânimo, por saber que boa parte da sociedade aplaude essa barbárie e utiliza esses corpos como palanque político. Dói muito enxergar nos olhos das mães, mulheres que estavam no protesto, tanta dor. Por saber que esses corpos são desumanizados. Que são as pessoas da favela novamente humilhadas”, relatou Rafael, que atualmente trabalha na equipe da ONG Rio de Paz.

O foco do trabalho do Rafael é documentar a realidade de violação dos direitos humanos nas favelas. “Sou um fotógrafo negro, e nos caixões que registro vejo rostos com minha cor, meu cabelo, os traços da minha família. Sem registro, a história se apaga. Lutar pela vida, pela dignidade e pela justiça é o que me move. Em dias como hoje, eu ainda me impressiono com o quanto as pessoas conseguem tirar força pra lutar”, observou.
O ato teve início no Campo do Ordem, um campo de futebol na Vila Cruzeiro, e seguiu pelas ruas do Complexo da Penha. O campo de futebol fica a poucos metros da praça, onde, na quarta-feira (30), os mais de 60 corpos encontrados na Serra da Misericórdia foram expostos.

Durante o percurso, moradores estenderam faixas com frases como “Fora Cláudio Castro. Chega de matança nas favelas”, em referência ao governador do estado, Cláudio Castro, do PL. Também havia cartazes com dizeres “Morador não é criminoso” e “Mais de 120 vidas perdidas não é sucesso”.
Entre os participantes do protesto, estavam mães de jovens mortos em outras ações policiais, além de representantes de movimentos sociais e trabalhistas, que denunciaram a violência e pediram justiça pelos mortos.

Em entrevista ao ICL Notícias, Zen Ferreira, de 53 anos, nascido e criado no Complexo da Penha, desabafou. Ele foi um dos moradores que ajudou a retirar os corpos da mata e também esteve no protesto.
“Subi com um grupo de moradores na madrugada, eram 2h40 da manhã. Passamos a noite descendo com os corpos, ajudando a recolher as vítimas. As cenas eram de filme de terror — corpos com facadas, tiros na cabeça, uma cabeça pendurada num galho. Nunca vi nada parecido. Foi um genocídio, uma carnificina, uma tortura”, disse Zen, lamentando que, “mais uma vez, o Complexo da Penha vira destaque pro mundo com uma tragédia que eu nunca queria ver”.
“Ninguém mostra as crianças que a gente leva pra dançar, os projetos de arte, os prêmios que conquistamos. Eu sou produtor artístico do Projeto Vidançar e jornalista comunitário, e estou completamente arrebentado com tudo isso. Quem mais sofre somos nós, os moradores. É fácil pra sociedade julgar. A polícia tem que trabalhar, sim — mas não dessa forma. Tá todo mundo muito abalado, gente chorando o dia todo”, disse ele.

Ao ICL Notícias, a historiadora Camila Pizzolotto também relatou um pouco do que viu e sentiu durante o protesto. “Vi muita tristeza nas pessoas ao longo da caminhada. Gente com aparência machucada, abatida. Esse território vive cercado por uma polícia extremamente violenta, mas mesmo assim alguns moradores foram até as janelas para aplaudir a manifestação. E ao mesmo tempo parecia haver uma sensação de tensão no rosto dos moradores”, disse Camila.
Segundo ela, o protesto desta sexta-feira (31) marca apenas o início das mobilizações. “Havia muita gente jovem, o movimento negro presente, todos tentando transformar a dor em força. Eu, pessoalmente, senti muita tristeza e muita raiva. Principalmente ao ver que parece que o restante da cidade segue normal, enquanto o subúrbio e a periferia vivem esse luto, esse silêncio”, relatou.

Batizado de “Chega de Massacre”, o ato pediu o fim da violência contra a população negra e periférica. Manifestantes vestiam branco como símbolo da paz.
Além de moradores e ativistas, estiveram presentes os deputados federais Pastor Henrique Vieira, Glauber Braga e Tarcísio Motta, e a vereadora Mônica Benício, viúva de Marielle Franco, do PSOL.
O protesto foi organizado por movimentos sociais e coletivos ligados à pauta antirracista, como Coalizão Negra por Direitos, Mulheres Negras Decidem, Instituto Papo Reto e Voz das Comunidades. Outras manifestações foram registradas em diversas capitais brasileiras, como São Paulo e Brasília.
Veja outras imagens do protesto no RJ
Manifestantes gritam “Sem hipocrisia. Essa polícia mata pobre todo dia”.
Manifestantes gritam: “Fora Cláudio Castro, assassino”.





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