sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Educação: Para coordenador do Banco Mundial, universidade pública deve cobrar mensalidade


As universidades públicas brasileiras deveriam cobrar mensalidades proporcionalmente à renda de seus alunos para garantir a igualdade de acesso ao ensino superior.
Quem diz isso é Francisco Marmolejo, coordenador de ensino superior do Banco Mundial e professor da Universidade do Arizona, EUA.

Para o especialista, o sistema de ensino superior brasileiro faz com que estudantes que tiveram acesso ao ensino médio de qualidade (pago) consigam acessar boas universidades gratuitas.
Já quem não teve dinheiro para estudar em instituições privadas no ensino médio acaba tendo de pagar pelo ensino superior. "Isso não faz sentido", analisa.
Nascido no México, vivendo nos Estados Unidos desde 1994, ele é o primeiro latino-americano a liderar ensino superior no Banco Mundial.
Hoje, a área representa 15% dos esforços da instituição e conta com 80 projetos.
De passagem por São Paulo, onde deu um seminário para professores na Cátedra Unesco Memorial da América Latina,Marmolejo falou com a Folha com exclusividade. Acompanhe.

Qual é sua percepção sobre o ensino superior no Brasil?

O Brasil tem chamado cada vez mais atenção no contexto mundial e, recentemente, tornou-se rota de estudantes de universidades por causa do Ciência Sem Fronteiras [programa do governo federal que visa enviar 100 mil estudantes até 2014 para universidades estrangeiras]. O ensino superior no Brasil é suficientemente grande para chamar atenção mundial. E o país está vivendo uma importante ascensão econômica. É um bom momento para o país.

O Ciência Sem Fronteiras é suficiente para internacionalizar o nosso ensino superior?

O programa é uma boa política de internacionalização. Mas é preciso ver o que fazer com os estudantes que foram enviados para universidades estrangeiras. Ou seja, é preciso trabalhar para que quem está sendo enviado voltem para o país e contribua para a disseminação do que aprendeu no exterior. Ainda não sabemos se isso vai acontecer. Além disso, o montante de pessoas que tem acesso ao benefício é muito pequeno. É um país de 200 milhões de pessoas e apenas 100 mil terão as bolsas fora do país pelo programa. Obviamente não dá para mandar todo o país estudar fora, não há recursos para isso. Mas mandar essa quantidade não representa internacionalizar.
É preciso ver ainda quem está sendo selecionado para estudar fora. A preocupação é que seja apenas uma parte da população que representa uma elite que está nas universidades públicas e gratuitas.

O senhor é contra o ensino superior gratuito?

O Banco Mundial tem uma posição muito clara sobre isso. O banco se pronuncia pela necessidade de expandir o acesso ao ensino superior de maneiras inclusivas.
Acredito que deveria haver uma contribuição proporcional para quem estuda no ensino superior público. Assim, quem não tem recursos continuaria contando com o ensino superior gratuito.
Não há uma formula mágica, mas há muitas fórmulas que podem ser usadas para ampliar o acesso igualitário ao ensino superior.
Não podemos pensar que o problema do acesso ao ensino superior está no setor público. É preciso expandir o ensino superior privado e fazer um sistema de divisão de custos, senão a expansão será inviável. A sociedade tem outras demandas que são igualmente legítimas para o dinheiro público.

O que significa internacionalizar o ensino superior?

Para internacionalizar é preciso que os currículos dos cursos universitários sejam internacionais. É preciso falar inglês. O brasileiro chega à universidade sem falar inglês porque ele não aprende na escola como deveria. O programa Ciência Sem Fronteiras foi um elemento diruptor em um ambiente de crescimento inerte. Isso é bastante importante, mas é preciso internacionalizar de verdade. Hoje quem vem ao Brasil tem de saber falar português.

O que o senhor acha do debate de cotas no ensino superior?

Esse é um debate importante para o Brasil. Cotas têm de ser vistas como uma solução temporária para resolver situações deficitárias. Hoje em dia é preciso aumentar o acessos de desfavorecidos a diversos setores, o que inclui ensino superior. É preciso ver quais são os fatores que estão impedindo que a sociedade possa competir igualmente ao acesso superior. É preciso ter metas voltadas para a educação básica que permitam toda a população competir igualmente. Se isso não acontecer, as cotas não resolverão nada.

O Banco Mundial sempre foi mais focado em projetos de educação básica. A educação superior está ganhando mais espaço na instituição?

Sim, a participação de projetos de ensino superior está crescendo e já representa 15% do total financeiro empenhado pelo banco. Isso tem acontecido tanto por uma demanda dos países quanto do próprio banco.
Os países têm percebido que para resolver problemas relacionados, por exemplo, à miséria é preciso investir também em ensino superior. Isso é uma grande mudança.
Sabemos que podemos terminar com a pobreza mundial do mundo 2030 se seguirmos duas estratégias. A primeira é combater diretamente a pobreza extrema.
A segunda, que é uma solução de longo prazo, é criar condições para compartilhar a riqueza, de fazer parte da sociedade global do conhecimento. Isso inclui ter pessoas no ensino superior.
Do ponto de vista do banco, o presidente do Banco Mundial [o sul coreano Jim Yong Kim] tem um interesse especial por ensino superior porque ele já foi reitor de uma instituição importante de ensino superior dos EUA [Dartmouth College]. Ele pediu uma revisão geral do que temos feito na área. Estamos fazendo isso agora.

O Banco Mundial tem 80 projeto na área de ensino superior. O que são esses projetos?

Há projetos de financiamento e de assistência técnica para uma série de países.
Há iniciativas em países como o México, em que há um programa de financiamento direto para bolsas que garantem acesso ao ensino superior a estudantes com poucos recursos. Há também outros projetos, como na África, em que se objetiva criar centros de excelência no continente africano em áreas específicas.
Na Armênia, há um projeto voltado para a capacitação para a indústria farmacêutica, que é importante no país. Com o Brasil, há uma agenda de trabalho em conjunto, mas não há projetos específicos.

Qual é o maior desafio do ensino superior do Brasil?

O desafio, que não é exclusivo do Brasil, é a inclusão de mais jovens à educação superior. Isso significa incluir mais gente, de maneira mais igualitária e que estejam estudando de maneira mais efetiva.
Isso integra um debate sobre financiamento à educação, ou seja, quem deve pagar pelo ensino superior. Também tem a ver com uma necessidade de ajuste dos currículos acadêmicos, que têm de ser mais globalizados --o que inclui falar inglês.
Hoje o ensino superior do Brasil é muito focado nas universidades. É preciso ter outras opções. Nos Estados Unidos, por exemplo, 50% de quem sai do ensino médio vai para os colégios comunitários [Community Colleges, que têm duração de dois anos em média e atendem demandas locais]. Alguns param de estudar aí, outros seguem para a universidade. É um sistema intermediário. O Brasil não tem um sistema parecido com isso. É uma ineficiência, uma oportunidade perdida. 

Fonte: SABINE RIGHETTI/FOLHAONLINE/REPRODUÇÃO

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