quarta-feira, 29 de julho de 2009

Pelo Brasil: Cotas vão ser julgadas pelo STF


Vem por aí uma definição judicial sobre a questão das cotas para afrodescendentes nas universidades. O DEM, que há algum tempo vem combatendo esta ação afirmativa, resolveu apelar para o Supremo Tribunal Federal (STF). O partido cobra que o tribunal declare as cotas inconstitucionais e, consequentemente, as elimine de todas as universidades brasileiras.
Até agora cada universidade segue o seu princípio de autonomia e pode adotá-las ou não. Ótimo que o STF tome posição sobre o assunto. O problema é que os seus ministros decidam sobre algo sem levar em consideração a complexidade que ele carrega.
A questão da desigualdade sócioeconômica tem raízes nas consequências de uma economia centrada na mão-de-obra escrava que operou no Brasil por mais de 300 anos. Mas, mesmo com dados e dados de instituições como o Dieese provando isso, a discussão na sociedade brasileira não consegue sair da dicotomia racismo X não racismo.
É público e notório que o brasileiro tem sérias dificuldades para discutir um assunto como as implicações de cor da pele. Esta dificuldade é fruto de um discurso, disseminado pelo Estado brasileiro, principalmente a partir da década de 30, de que formávamos uma “democracia racial” por conta da herança de três povos.
A teoria nem sempre se aplica à prática. Para começar é difícil conceber que o pensamento de que existia um povo superior- o europeu- e outro inferior- o africano- que vigorou por 300 anos no Brasil apagou todas as suas consequências em apenas 121 anos (a escravidão foi abolida em 1888).
Além disso, a Lei que acabou com a escravidão tinha apenas dois artigos. O primeiro decretava o fim do uso de mão-de-obra escrava e o segundo revogava as disposições em contrário. E o que foi feito com os que até então estavam submetidos à escravidão? Receberam uma indenização por anos trabalhados? Não. Saíram de mãos vazias.
Imaginem o que foi que aconteceu com estas pessoas. Foram morar onde? Passaram a comer como? Tinham condições de disputar postos de trabalho? Natural que eles e seus descendentes vivam em situações de desigualdade em relação a quem sempre foi tratado como cidadão desde que o Brasil é Brasil. E esta herança não acaba de um dia para o outro. O Estado brasileiro nem ao menos instituiu um debate sobre isso.
Durante décadas, pesquisadores da área de ciências sociais se dedicaram sobre estas questões. A pobreza teria ou não teria cor? Um destes estudiosos, Florestan Fernandes, cunhou uma frase que resume bem o que é o pensamento mais geral no País sobre isso: “o brasileiro tem preconceito de ter preconceito”.
Com o advento do Movimento Negro Unificado (MNU) em 1978, a questão da discriminação racial e suas implicações ganharam maior visibilidade. Na última década, as ações afirmativas começaram a conquistar contornos para aplicação, principalmente na área de educação, via a criação de cotas nas universidades.
O problema é que há muito mito sobre as cotas, com gente dizendo ter opinião formada sobre elas, quando na verdade nem conhece a forma de sua aplicação. As cotas tem prazo de validade para acabar. O objetivo é equiparar os números do acesso à universidade com o índice de pretos e pardos nos locais onde elas são aplicadas.
Os estudantes cotistas não tomam a vaga de não-negros até porque concorrem entre eles mesmos. Também não entram na universidade com privilégios, pois se submetem ao vestibular e tem que alcançar o mesmo índice de corte, ou seja, a nota mínima.
É certo que a ação poderia ser evitada se tívessemos oportunidades educacionais iguais para todos, mas não é o que acontece. Invocar a Constituição Federal para dizer que as cotas a desrespeitam é um argumento que beira o pueril, afinal a própria lei reconhece que o princípio da igualdade encobre, às vezes, a desigualdade.
Outro argumento de que os cotistas teriam notas menores nos cursos não se sustenta. Os dados da própria Ufba, que já adotou as cotas, mostram que eles tem notas às vezes até maiores do que as do não cotistas. Claro que como todo o sistema as cotas universitárias tem falhas, equívocos e precisam de aperfeiçoamento. Agora é de fazer pensar qual é a motivação do DEM para combater tanto as cotas ou as políticas de defesa dos quilombos. O que será que move o partido para tanto vigor em relação a estes assuntos?
Vamos aguardar para ver, mas com base no nível das explicações dos ministros do STF para eliminar a exigência do diploma para o exercício do jornalismo dá para ficar com o pé atrás sobre o que vem por aí. Opniões divergentes são próprias da democracia, mas decidir sobre o que não se conhece direito é temerário para este princípio conquistado a duras penas no País.

fonte:atarde

Foto:Fernando Vivas/Ag.atarde

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