Foto:Caio Lírio/BN/reprodução
Em entrevista concedida ao site Bahia notícias publicada hoje(20) o presidente do Sindimed da Bahia Dr. Francisco Magalhães falou da atuação do Sindicato no Estado, da politica do Governo da União e do Estado para com a saúde, questões sobre avaliação das escolas de medicina no país, dentre outros assuntos e não deixou de criticar também o atual ministro da pasta Ricardo Barros. Vale a pena conferir na íntegra:
Com quase 82 anos de existência, o Sindicato dos Médicos do Estado da Bahia (Sindimed) conta atualmente com uma das melhores sedes de sindicato da Bahia e pode oferecer tranquilidade ao médico sindicalizado, na opinião do presidente Francisco Magalhães. No cargo desde a morte de José Caires Meira, em 2012, o obstetra contou ao Bahia Notícias quais foram as principais conquistas do Sindimed nos últimos anos. “O sindicato hoje tem uma estrutura que dá tranquilidade ao médico sindicalizado. Por exemplo, se precisar, um médico vai gastar uma média de R$ 20 mil com um advogado ético, mas basta ele ser sindicalizado que terá o melhor advogado ético talvez do Brasil”, celebrou.
Durante a entrevista, o presidente criticou a gestão da saúde na Bahia, principalmente com relação à terceirização das contratações. “O Estado constrói uma unidade muito bem montada, mas o elemento mais importante é os trabalhadores e um desses é o médico, então ele contrata esse médico terceirizando”, afirmou. “Isso os remete a uma situação de trabalho escravo, subumano, porque o médico trabalha, cumpre a jornada, mas só vai receber daqui a até cinco meses”. Magalhães aproveitou para questionar a formação do atual ministro da Saúde, Ricardo Barros, e seus posicionamentos. “Eu estou preocupado porque o novo ministro, o engenheiro Ricardo Barros – eu estou falando engenheiro porque ele não é médico – já entrou dizendo que devemos apequenar o SUS, que é a maior política de inclusão do mundo”, alfinetou. “Esse engenheiro parece que entrou para demolir o SUS”.
O senhor já é presidente do Sindimed há quase cinco anos. O que o senhor pode apontar como principais mudanças no sindicato neste período?
O Sindimed é um sindicato de 83 anos, mas só conseguimos ter uma sede própria recentemente, nos últimos oito anos. Nós adaptamos a sede a uma situação própria de um sindicato. Isso não foi um mérito exclusivamente meu, foi inclusive do colega que faleceu. Acho que essa é uma das melhores sedes de sindicato da Bahia. Ao mesmo tempo, o sindicato hoje tem uma estrutura que dá tranquilidade ao médico sindicalizado. Por exemplo, se precisar, um médico vai gastar uma média de R$ 20 mil com um advogado ético, mas basta ele ser sindicalizado que terá o melhor advogado ético talvez do Brasil. Nós temos também suporte criminalista, trabalhista, previdenciário, entre outros. Esse é um ganho muito grande para o médico que nós tivemos no aspecto estrutural. E o mais importante é que hoje o sindicato conseguiu mostrar para a sociedade que a realidade do médico é diferente. Quem está fora pensa que o médico ganha muito dinheiro, que não falta emprego para ele e coisas do tipo. A face verdadeira do problema é diferente, porque o médico é um profissional diferenciado, segundo a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]. Ele vive em uma atmosfera com uma série de complexidade. Se houver um acidente, quem responde primeiro é o médico. É por isso que o sindicato tem uma atuação que às vezes as pessoas acham muito agressiva, mas essa é a realidade que nós vivemos. Quando o paciente vai na unidade, não quer saber se falta um desfibrilador, uma dipirona, um monitor cardíaco... Ele quer resultado, e aquele indivíduo que está ali que tem que dar resultado. Eu acho que, nesse período de quase cinco anos, essa somatória é a mais positiva possível para o sindicato e para os médicos.
No início da sua gestão, o senhor afirmou que a principal luta do Sindimed seria resolver os problemas com a Secretaria da Saúde da Bahia (Sesab) e fazer com que o governo reconhecesse o valor do médico. Como o senhor avalia esses pontos agora?
Acho que houve um avanço muito grande. Nós saímos de uma situação em que o médico estava em um plano de cargo em que ele era subjugado. O médico se aposentava com um valor de R$ 2 mil a R$ 3 mil. Hoje esse mesmo médico já se aposenta na faixa de R$ 8 mil a R$ 9 mil. Nós temos um plano de cargo, carreira e vencimento específico. É o primeiro sindicato do Brasil que conseguiu isso. Outros estados têm até um valor maior, mas embutido em um plano geral. Nós temos um plano de cargo e estamos tentando pavimentar um caminho para melhorar esse plano. Ainda assim, essa relação com a Sesab vai ser sempre conflitante. Foi nos governos passados e continuará, porque é uma relação trabalhador e patrão. Nesse conflito, a gente tem que defender sempre o ponto de vista do trabalhador. O que a categoria determinar, o sindicato vai encaminhar, esteja certo ou errado.
Recentemente o senhor criticou a inauguração de novas unidades de saúde, já que havia falta de profissionais e insumos básicos para trabalho. Houve até uma denúncia do Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb), com relação às condições do Hospital Couto Maia. De que forma o Sindimed tem interferido para melhorar esse cenário?
O pior cenário que nós temos vivido é nesse aspecto, porque o Estado constrói uma unidade muito bem montada, mas o elemento mais importante é os trabalhadores e um desses é o médico, então ele contrata esse médico terceirizando. Deveria ser por concurso público, mas ele terceiriza. Quando ele coloca aquele profissional, é de uma forma que, ao meu ver, expõe a sociedade, que é como PJ [pessoa jurídica]. Isso os remete a uma situação de trabalho escravo, subumano, porque o médico trabalha, cumpre a jornada, mas só vai receber daqui a até cinco meses. Isso contraria uma lógica natural de qualquer ser humano. Aí o médico fica na mão do cartão de crédito, de agiota e até de cigano. Eu considero que o pior patrão é o patrão de médico. Depois ele diz para a população que o médico não quer. Não adianta fazer um hospital bonitinho e não dar valor ao principal elemento, que é o patrimônio maior da sociedade: o trabalhador, principalmente o médico. Vou dar um exemplo. Nós estamos com uma greve no Hospital da Criança, um hospital maravilhoso que tem seis anos de construído. Durante todo esse tempo, os trabalhadores foram terceirizados, estão na mão de empresas. Entra uma e sai outra, sempre a mesma situação. Nesse processo todo, algumas empresas deram calote. Se a empresa não tem suporte para pagar, deveria receber uma pena do Estado. Nós temos entrado na Justiça do Trabalho pedindo a desconstrução dessa relação toda e pedindo todo o passivo. Os patrões estão dizendo que vão me tirar do sindicato, mas só quem pode me tirar são os médicos. A minha missão é essa, eu sou uma pessoa de enfrentamento. Nós temos feito parcerias com o Ministério Público do Trabalho e precisamos que o Ministério Público Estadual também se envolva com essa situação.
Uma das principais reivindicações dos profissionais do serviço público atualmente é o reajuste da chamada Tabela SUS. Com a atual crise financeira, de que forma o senhor acredita que esse problema poderia ser administrado?
Eu estou preocupado porque o novo ministro, o engenheiro Ricardo Barros – eu estou falando engenheiro porque ele não é médico – já entrou dizendo que devemos apequenar o SUS, que é a maior política de inclusão do mundo. Não existe hoje no planeta algo parecido com o SUS. É um plano de saúde que atende 200 milhões de pessoas. Há quem diga que nunca usou o SUS, mas quando o filho nasce toma vacina em um posto público, quando tem um acidente é o Samu que atende e assim por diante. O SUS é o maior realizador de transplante na área pública no mundo. A tabela SUS precisa ser reajustada nos termos de se injetar mais dinheiro, mas o atual governo está dizendo que vai tirar dinheiro do SUS. Essa medida que o ministro da Fazenda tomou de só reajustar os repasses conforme a inflação é uma demonstração de que estão querendo, sim, acabar com o SUS. A Federação Nacional dos Médicos convocou há cerca de 15 anos uma discussão sobre a tabela SUS, mas os empresários da saúde não quiseram. O que nós temos vivido nesse aspecto é que primeiro é necessário discutir o que a própria Constituição estabelece, que 10% do PIB deve ir para saúde. Com essas medidas que o novo governo tomou, vai ficar ainda pior. Eu costumo dizer que engenheiros – sem nenhum preconceito com os engenheiros, mas já fazendo uma relação com o atual ministro – fazem pontes, viadutos e prédios, mas também vão demolir pontes, viadutos e prédios. Esse engenheiro parece que entrou para demolir o SUS, não tem outra característica.
Para além das questões dos médicos, o Sindimed está sempre denunciando o fechamento de leitos nos hospitais baianos. Quais são os principais fatores que o sindicato aponta como causas desse problema e quais as consequências para a população?
A consequência principal é que estamos vendo os corredores dos hospitais superlotados, as pessoas sendo tratadas como qualquer coisa, não como seres humanos. O fechamento de leitos é uma coisa que vem acontecendo. Nos últimos 30 anos, segundo uma pesquisa do Ministério Público, foram fechados entre 3 mil e 4 mil leitos na Bahia. Eu acho que é muito mais, porque, se você for avaliar quantos hospitais foram fechados e tiveram perfil alterado, vamos encontrar muito mais, tanto no SUS quanto no serviço privado. O serviço privado tem uma característica ainda mais perversa. O segmento da obstetrícia, por exemplo: hoje nenhum hospital privado quer fazer parto, então as mulheres têm que ir para o setor público. Isso é uma desumanidade, é uma coisa gravíssima. Acho que as autoridades deviam tomar uma atitude com relação a isso. As mulheres estão parindo com as piores condições possíveis e culpabilizando os médicos e obstetras. Inclusive, estão criminalizando a cesárea, que foi uma das maiores conquistas da humanidade. Por conta dessa falta de leito, têm ocorrido muitas cesáreas, aí vem o Ministério da Saúde e fala que a Bahia é recordista em cesáreas. No entanto, o Ministério da Saúde está no conforto, em uma sala refrigerada, tomando café. A Organização Mundial da Saúde (OMS) do mesmo jeito. Já o médico está em um ambiente que eu classificaria como um inferno, sendo pressionado a dar jeito naquela mulher, que poderia parir normal em determinadas circunstâncias. O jeito que ele pode dar é antecipar aquela situação, então acontece a cesárea. Esse é um dos reflexos da falta de leitos. Nós vamos para outro segmento, a psiquiatria. Leitos foram fechados no Brasil por causa da Lei Antimanicomial.
Claro que existiam casos desumanos, nós não concordamos com isso de forma nenhuma, mas ninguém quer ter um paciente que tenha um transtorno mental em sua casa, quebrando tudo, quando ele pode ser contido em um hospital, logicamente em condições normais e humanas. Agora estão falando em fechar o Mário Leal e o Juliano Moreira. Isso vai ser o pior dos mundos para aquelas famílias. Em qualquer país do mundo tem leito psiquiátrico. Onde começaram com isso de Lei Antimanicomial já voltaram ao que era anteriormente, porque eles viram que não dava jeito. Essa é uma estupidez, uma burrice. O fechamento de leito vem dentro de um contexto de criar o pior dos mundos para o cidadão. Nós vamos ficar submetidos à própria sorte. Acho que se precisa hoje redimensionar a quantidade de leitos para determinados seguimentos. Não aqueles que vão gerar mais lucro, mas dentro da necessidade do cidadão. O que vemos por aí é abrir leito do que dá lucro. Vou contar uma história que aconteceu com o Hospital Santa Izabel há mais de 20 anos. O hospital tinha uma maternidade e tomou dinheiro emprestado para arrumar. Veio o presidente da época, que era Sarney, inaugurou e, na segunda-feira tinha uma placa “não atendemos pacientes do SUS”. Depois de uns três meses, não atendia também plano de saúde. Só passou a atender ortopedia, bariátrica e outras que davam lucro. Cadê o cunho social? Nós temos uma necessidade hoje na Bahia de abertura de novos leitos obstétricos, leitos da área de oncologia... Nós precisamos redimensionar nossa necessidade de leitos.
Usando os dois exemplos que o senhor citou, de obstetrícia e psiquiatria, o senhor não acredita que essas lutas pelo parto normal e humanizado e pela Lei Antimanicomial não estão justamente pensando no bem do paciente?
Eu acredito até que as pessoas tenham boa intenção, mas não é por aí. Parto humanizado, nós sempre fizemos. Eu já fiz mais de 10 mil partos normais e todos foram dentro do critério de respeitar quem estava na minha frente. Parto humanizado significa você saber o que vai fazer com a paciente quando você a examina. Parto é uma coisa muito complexa; quando você pensa que ele vai ser o mais simples, acontece alguma coisa e muda tudo. A humanização do parto passa também por ter direito ao leito. A primeira maternidade do Brasil foi a Climério de Oliveira. Hoje você chega em uma sala onde devia ter seis mulheres, mas tem 22, com 22 acompanhantes. Todos eles querem que o médico resolva aquilo ali e podem até linchar ele. Às vezes o médico é obrigado a fazer a cesárea até para não morrer, porque já teve caso de agressão. Aquele indivíduo que está ali quer resolver o problema dele, não quer saber se o médico ou o lugar tem condições. Essa questão de humanização é usada de uma forma muito emblemática, mas quem vai resolver o problema do paciente é que sabe. O médico é a autoridade que sabe disso. Pode colocar doula, enfermeira obstétrica, mas, na hora que o bicho pegar, vai cair para o médico.
O Ministério Público não chama doula ou enfermeira obstétrica para discutir, chama o médico. Eu costumo dizer que não existe nenhum processo no Cremeb contra o médico que resolveu fazer uma cesárea para evitar o pior, mas existem diversos processos contra médicos que resolveram esperar o encaminhamento de um parto e depois deu um problema. Do mesmo jeito a Lei Antimanicomial. Eu queria que as pessoas pegassem um paciente agressivo, que ameaça a integridade de um cidadão porque ele está fora do seu normal e colocasse no colo. O paciente precisa ser contido. O melhor que a gente pode fazer pelo paciente pode não parecer o normal, como o eletrochoque. O paciente com plano de saúde tem direito, mas o paciente do SUS raramente tem direito, porque se colocou uma concepção de que aquilo é uma tortura. Isso é uma burrice. Em qualquer país do mundo se faz o eletrochoque, a depender da patologia dele. Eu não tenho medo de dizer que a luta dos colegas psiquiatras com relação a isso precisa ser estabelecida dentro de uma visão, mas não dá para mudar o contexto. Eu acho que, de todas as ciências, a medicina foi a que teve maior avanço. Ainda bem. E esses avanços têm sido conquistados em prol da humanidade. Eu citei o exemplo da cesárea, que é um avanço fantástico. Esse é o contexto que a gente precisa discutir, não o que alguém acha que é humano ou desumano.
Só para finalizar, eu gostaria de saber o que o senhor pensa dessa proposta de uma nova avaliação nacional para os estudantes de medicina.
Eu acho que escola que não presta precisa ser fechada, não pode punir o estudante. É a mesma coisa de você entrar em um estabelecimento comercial e comprar um produto. Se ele não prestar, você vai no Procon buscar seu direito. Você não pode ser punida porque o comerciante errou, quem vai ser punido é ele. A mesma coisa é o estudante que fez vestibular, passou e vai fazer o curso dele. Se o estabelecimento não deu a ele condições plenas para ser um bom profissional, quem tem que ser punido não é ele.
O Brasil é hoje o segundo país em número de escolas de medicina, só perde para a Índia. Estão abrindo escola de medicina como se abre botequim na esquina, qualquer um se habilita. Quando vai ver, é um picareta que está ali, e esse picareta vai formar médico. E queria dizer que o médico brasileiro é um dos melhores do mundo, e isso é reconhecido internacionalmente. Você pode chegar na Inglaterra, Estados Unidos, França, Canadá e encontrar médicos brasileiros que se formaram aqui, foram fazer residência e receberam um convite para trabalhar. Com essa abertura de novas escolas, isso pode ser deteriorado. Nós podemos ter os piores profissionais do mundo. Quando entra na faculdade, o estudante está pagando caro, e no final ele que vai ser punido. Já o empresário que montou a escola vai colocar o dinheiro no bolso e sair isento. Ele é que tem que pagar e, se for o caso, deve parar na cadeia. Nós defendemos que se avalia escola por escola. Não prestou, fecha. Tem escolas aparecendo por aí que são verdadeiros pardieiros, botecos que vão formar médicos de péssima qualidade que não vão servir à sociedade.
E o que poderia ser feito com os médicos que estão se formando nessas escolas agora?
Abrir residências. A residência médica apareceu há mais de 30 anos na seguinte situação: quando os médicos saíam da escola, sentiam a necessidade de melhorar a formação, então a Santa Casa de São Paulo procurou os médicos mais experientes. Eles não recebiam salário, mas ficavam lá ajudando. E eles moravam dentro do hospital, por isso se chama residência. Isso hoje inclusive é copiado em outros países do mundo. Só que a residência médica é um funil, são poucas vagas. O que poderia ser feito seria criar mais residências médicas de qualidade para que se aperfeiçoe o médico. O médico brasileiro é um dos melhores do mundo porque ele mesmo busca seu aperfeiçoamento e com o dinheiro dele. Se dependesse do patrão, ele não faria nada disso. Eu acho difícil que isso saia deles, já que eles não estão preocupados se o médico tem qualidade ou não. A prova é o Mais Médicos, que pegou qualquer um e colocou lá, independente de ser cubano ou não. Por isso que nós, do movimento médico, defendemos o Revalida, porque é ele que vai dizer se o médico tem condições ou não. Nós não somos contra o Mais Médicos, muito pelo contrário. Nós queremos que tenha médicos em todos os municípios, mas tem que ter condições de trabalho. Por isso nós defendemos a carreira de estado para todos os trabalhadores. Dentro da lógica atual, esses médicos precisam ser aperfeiçoados. Esse é um processo que defendemos, a chamada educação continuada.
fonte:entrevista concedida ao site BN/reprodução em 20/07/2016
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