domingo, 4 de agosto de 2019

Lava Jato: Sérgio Moro omitiu palestra bem remunerada em prestação de contas como juiz

[Sérgio Moro omitiu palestra remunerada em prestação de contas como juiz federal]
foto:reprodução

O ministro da Justiça, Sergio Moro, omitiu uma palestra remunerada que deu em setembro de 2016 ao prestar contas de suas atividades quando era o juiz responsável pelas ações da Operação Lava Jato em Curitiba. 
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, responsável pela revisão dos processos da primeira instância do Paraná, informou à Folha que Moro declarou ter participado de 16 eventos externos em 2016, incluindo 9 palestras, 3 homenagens e 2 audiências no Congresso Nacional.
Mas a relação de eventos não inclui uma palestra mencionada numa mensagem que ele enviou ao procurador Deltan Dallagnol pelo aplicativo Telegram em 2017, que faz parte do pacote obtido pelo site The Intercept Brasil.
No dia 22 de de maio de 2017, Moro disse a Deltan que um executivo do grupo de comunicação Sinos queria seu contato para fazer um convite.
"Ano passado dei uma palestra lá para eles, bem organizada e bem paga", escreveu o juiz. "Passa sim!", respondeu Deltan, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.
Uma resolução aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça em junho de 2016 tornou obrigatório para juízes de todas as instâncias o registro de informações sobre palestras e outros eventos que podem ser classificados como "atividades docentes" pelas normas aplicadas à magistratura.
De acordo com a resolução, os juízes têm 30 dias para informar sua participação nos eventos e devem registrar data, assunto, local e entidade responsável pela organização. As normas do CNJ não obrigam os juízes a declarar se foram remunerados.
Em resposta a questionamentos da Folha, Moro afirmou que a omissão da palestra em suas prestações de contas pode ter ocorrido por "puro lapso" e disse que parte do cachê recebido foi doada a uma entidade beneficente.
Dono de uma emissora de rádio e vários jornais na região do Vale do Sinos, o grupo Sinos lotou um teatro de Novo Hamburgo (RS) para receber Moro no dia 21 de setembro de 2016. Os 2.000 ingressos colocados à venda se esgotaram em 48 horas. 
O assunto da palestra era o combate à corrupção. Moro foi aplaudido de pé ao entrar no palco e novamente no fim do evento, de acordo com vídeos publicados nas redes sociais na época por pessoas que assistiram à palestra. 
Houve tempo para perguntas da plateia, e um dos espectadores quis saber quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seria preso. O público riu e bateu palmas. Depois que a plateia silenciou, Moro disse, sorrindo: “Bem, para essa questão realmente não tenho nem como começar a responder".  
Uma pessoa que participou da organização do evento afirmou à Folha que Moro ganhou pela palestra um cachê entre R$ 10 mil e R$ 15 mil. De acordo com o TRF-4, Moro recebeu como juiz R$ 28,4 mil em setembro de 2016, já descontados os impostos. 
Segundo a assessoria de imprensa do tribunal, Moro não declarou nenhuma remuneração pelas palestras que informou ao TRF-4 em 2016. "Estão todas sem constar valor recebido, entendendo-se como gratuitas", disse a assessoria, em resposta à Folha. 
Em 2017 e 2018, até abandonar a magistratura para ser ministro do governo Jair Bolsonaro (PSL), Moro declarou participação em 25 eventos, conforme os registros disponíveis no site do TRF-4. Em nenhum caso ele informou ter recebido remuneração.
Um levantamento realizado pela Agência Pública em julho do ano passado encontrou notícias sobre 12 cursos e palestras que Moro havia dado sem informar ao tribunal. Ele registrou 5 desses eventos depois, mas ignorou os outros 7.
Ao responder questionamentos do jornal Valor Econômico na época em que o levantamento foi publicado, a assessoria de imprensa de Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba afirmou que "as palestras ministradas pelo juiz não são remuneradas".
As mensagens obtidas pelo Intercept mostram que Deltan indicou a Moro oportunidades para cursos e palestras remunerados em duas ocasiões, em 2017. Nos dois casos o juiz disse que não tinha espaço na sua agenda, mas acabou aceitando um dos convites.
Meses depois de receber a dica de Moro, Deltan fez uma palestra no mesmo teatro que lotara para o juiz. O procurador esteve em Novo Hamburgo no dia 15 de março de 2018. Cerca de 600 ingressos foram vendidos desta vez.
Em mensagem à sua mulher nesse dia, Deltan disse ter cobrado R$ 10 mil pela palestra, reduzindo seu cachê a um terço do valor que chegou a cobrar em outros eventos, de R$ 30 mil.
"Rádio ganha em imagem etc, preferi fazer essa concessão, até porque nosso objetivo não é financeiro", disse o procurador. Ele descreveu com entusiasmo a reação do público à palestra: "Ficaram vidrados, aplaudiram no meio e de pé ao fim. Engajados".
Como a Folha e o Intercept revelaram em julho, Deltan chegou a cogitar a criação de uma empresa de palestras para lucrar com a fama alcançada na Lava Jato e faturou quase R$ 400 mil com eventos desse tipo no ano passado.
Ele recebeu R$ 426 mil como procurador em 2018, incluindo auxílio-moradia e outros penduricalhos, e descontados impostos.
O Conselho Nacional do Ministério Público permite que procuradores façam palestras e sejam remunerados por isso. Como no caso dos juízes, as normas tratam essas atividades como de natureza docente. Não há, no entanto, nenhuma exigência para que os procuradores informem sua participação nos eventos.
As mensagens obtidas pelo Intercept, que começaram a ser divulgadas em junho pelo site e por outros órgãos de imprensa, como a Folha, expuseram a proximidade entre Moro e os procuradores da Lava Jato e colocaram em dúvida sua imparcialidade como juiz no julgamento dos processos da operação.
O pacote de mensagens inclui diálogos privados e em grupos formados por integrantes da força-tarefa da Lava Jato de Curitiba no aplicativo Telegram, desde 2015. ​Moro e os procuradores dizem não reconhecer a autenticidade do material, mas não apontaram nenhum indício de que tenha sido adulterado.
OUTRO LADO

O Ministério da Justiça e Segurança Pública afirmou que a omissão da palestra do ministro Sergio Moro na prestação de contas de suas atividades como juiz em 2016 pode ter sido um descuido e informou que a maior parte do cachê recebido foi doada a uma entidade beneficente.

Segundo o ministério, o sistema eletrônico criado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) para registro das atividades dos magistrados só começou a funcionar em 2017.
“Para o período anterior, se não houve registro, foi por puro lapso”, afirmou a pasta, por meio de nota. 
“Não havia qualquer conflito de interesse, e a palestra sobre enfrentamento da corrupção e a responsabilidade do setor privado foi na época bastante divulgada na imprensa”, acrescentou. “Nada havendo a esconder.”
Questionado sobre o valor do cachê recebido, o ministério disse que se trata de uma “questão privada”, mas afirmou que a maior parte foi doada para uma entidade beneficente dias antes da palestra. 
Sua assessoria enviou à Folha comprovante de um depósito de R$ 10 mil feito pelo grupo Sinos na conta do Pequeno Cotolengo do Paraná, entidade que atende pessoas com deficiência, no dia 16 de setembro de 2016.
“Não foi divulgado à época que o então juiz era o responsável pela doação, pois buscava-se evitar autopromoção com caridade”, afirmou o ministério. “A família do então juiz tem um histórico de dedicação à causa das pessoas com deficiência.”
O ministério disse também que palestras são atividades legítimas para juízes e que as de Moro eram em geral gratuitas. 
“Quando cobradas, os valores não eram elevados e envolviam necessariamente doações a entidades beneficentes efetuadas pela empresa contratante”, acrescentou. 
A força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba disse que as palestras do procurador Deltan Dallagnol têm como propósito “promover cidadania, integridade e ampliar o debate sobre o combate à corrupção aos mais diversos públicos”.
A maior parte das palestras do procurador é gratuita, afirmou a força-tarefa. “Quando remuneradas, parte significativa dos valores é doada ou reservada para fins beneficentes e sociais”, acrescentou. 
O Ministério da Justiça e Segurança Pública e a força-tarefa de Curitiba reafirmaram que não reconhecem a autenticidade das mensagens examinadas pela Folha e pelo Intercept, e que elas foram obtidas de forma criminosa.
 fonte:Folhapress - 04/08/19 -08h:31min.

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