sexta-feira, 16 de junho de 2023

Saúde: Sem xixi na cama: médico baiano cria aparelho que impede crianças de urinarem no sono

Foto:(Divulgação)

Dispositivo recebeu três premiações internacionais de medicina; Veja como funciona


Basta um pingo de urina para o dispositivo fazer uma contração na região pélvica da criança, fechando a uretra do pequeno, impedindo que ela faça xixi na cama e evitando todos os transtornos que são resultado desse problema. Parece até coisa de outro mundo, mas não é. Na verdade, é daqui da Bahia. O médico urologista baiano Ubirajara Barroso, que é professor da Ufba e da Escola Bahiana de Medicina, criou o Soluu™, um aparelho capaz de evitar que crianças com incontinência urinária façam xixi na cama enquanto dormem.

O aparelho é como uma roupa que é usada por debaixo da roupa íntima dos pequenos. Já existem outros dispositivos semelhantes que funcionam como alarme para, quando o sinal de umidade aparecer, avisarem aos pais via celular ou disparando um som de alerta. Esse, porém, tem duas funções aprimoradas como explica o médico Ubirajara, que desenvolve o aparelho com testagens feitas na Escola Bahiana de Medicina de Salvador.

 "Os outros são mais tardios, alarmam quando há mais xixi e até a cama já começou a ser molhada. O Soluu detecta o xixi nos primeiros pingos e, quando ele apita, automaticamente existe uma contração da musculatura da uretra por meio de estímulo para o assoalho pélvico. Ou seja, contrai o músculo fazendo com que a criança não perca urina na cama", afirma o médico urologista.

Como o processo de controle do xixi na cama costuma ser de aprendizado, em que o corpo da criança passa a perceber a necessidade de ir ao banheiro antes de urinar onde dorme, Ubirajara ressalta ainda que o dispositivo é ainda mais eficaz para que esse entendimento seja mais precoce.

"Como a contração do assoalho pélvico acontece no momento da contração da bexiga, o aprendizado é antecipado. No alarme tradicional, a criança é acordada pelos pais só minutos depois que urina na cama. Nesse, é na hora porque há um sensor de umidade e uma parte colada no bumbum que dá o estímulo de contração automática, permitindo que a criança faça xixi só no banheiro", destaca o urologista.

A novidade é uma notícia e tanto para Maria Cabral, 40 anos, que faz uso de outras táticas que nem sempre são eficazes para impedir que o filho de sete anos não urine na cama.

"Diariamente levo ele às 22h no banheiro pouco antes de dormir e acordo eles às 6h para ir novamente. Antes disso, fazia muito mais xixi e agora é mais raro. Porém, de vez em quando, acontece dele fazer mesmo quando eu adoto essa estratégia. Aprender a entender o corpo é um processo lento para alguns", fala ela.

Michelle Nascimento, 27, já tentou fazer o mesmo, mas ainda assim não viu tanta efetividade como Maria. Ela conta que o filho de 5 anos de idade ainda acaba urinando rotineiramente na cama.

"Toda semana, praticamente, ele acaba urinando. Tento acordar no meio da noite para levar e impedir que aconteça, mas nem sempre você acerta a hora porque às vezes acontece antes. É chato pra gente que precisa sempre fazer o processo de limpeza e pra ele que já se sente envergonhada", lamenta.

Sem neurose

Fazer xixi na cama é o nome popular para enurese noturna. O problema afeta 10% das crianças entre 5 e 17 anos, mas não é considerado uma doença. O coordenador do Departamento de Uropediatria da Sociedade Brasileira de Urologia, Tiago Rosito, explica que a maioria das crianças param de fazer xixi na cama entre os 3 e 4 anos. No entanto, 10% a 20% delas chegam aos 6 anos sem conseguir se segurar.

Isso acontece devido a imaturidade de uma porção do cérebro, chamada de micção. No percentual de 10% a 20% das crianças acima de 6 anos, ele demora mais para amadurecer. “Não é doença e pode acontecer até a adolescência. É um fator genético. Pais que fizeram xixi na cama terão filhos que farão”, detalha Tiago Rosito.

A angústia em ver os filhos fazendo xixi na cama, no entanto, não deve ser o parâmetro para iniciar um tratamento na criança. O indicado é fazer depois que ela tiver 6 anos e, somado a isto, esteja desconfortável com a situação. “Se ela tem 7 anos e está tranquila, significa que aquela porção do cérebro ainda está amadurecendo. Todos vão secar naturalmente um dia”, tranquiliza o coordenador de uropediatria.

Segundo o urologista pediátrico do Itaigara Memorial, Alfredo Querino, retirar a fralda da criança precocemente e exigir que ela não faça xixi na cama aumenta as chances de um aprendizado miccional inadequado. “Porque elas têm uma pressão dos pais, mas não tem o amadurecimento fisiológico para ser continente e aí começam os problemas”, enfatiza.

Sem xixi na cama

O tratamento para a enurese noturna que afeta diretamente a autoestima e a qualidade de vida dos pequenos dura em média quatro meses. Ele consiste na tentativa de tentar acelerar a maturação da porção do cérebro responsável pelo controle do xixi noturno com alguns truques. Conforme lista o coordenador de uropediatria, alguns deles são: definir horários para fazer xixi ao longo do dia, não ingerir líquido após às 18h da noite.

“Ainda assim, é possível que as crianças tenham o sono muito pesado e não sejam acordadas pela vontade de fazer xixi. Daí é possível lançar mão de alarmes com técnicas de fisioterapia urinária. É aí que entra a genialidade do Ubirajara: a junção de duas técnicas que já existiam em um único aparelho”, destacou Tiago Rosito.

Em um tratamento de 90 dias com o Soluu, feito com crianças entre 6 e 17 anos, de famílias voluntárias, 83,3% demonstraram efetiva melhora no controle da enurese noturna. O dispositivo vai ser submetido a avaliação da Anvisa ainda no segundo semestre deste ano. O valor de mercado, porém, ainda não é estimado. “Quando a chave vira, 90% delas não voltam a fazer xixi na cama”, afirmou Tiago.

Para Iarodi Bezerra, psicoterapeuta que atua no atendimento de crianças, o avanço é importante porque o xixi na cama afeta como as crianças se enxergam diante de outras em seu meio social.

"É muito comum acreditarem em si mesmas como mais imaturas, bobas para estarem em meio a outras, isolando-se gradativamente por medo, também de descobrirem e sofrer exposições humilhantes. O humor pode deprimir, além de potencializar um quadro de ansiedade", explica Bezerra.

Fonte:* Wendel de Novais e Emilly Oliveira*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo/ Correio da Bahia – 16/06/2023

 


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