Dispositivo recebeu três premiações internacionais de medicina; Veja como funciona
Basta um pingo de urina para o
dispositivo fazer uma contração na região pélvica da criança, fechando a uretra
do pequeno, impedindo que ela faça xixi na cama e evitando todos os transtornos
que são resultado desse problema. Parece até coisa de outro mundo, mas não é.
Na verdade, é daqui da Bahia. O médico urologista baiano Ubirajara Barroso, que
é professor da Ufba e da Escola Bahiana de Medicina, criou o Soluu™️, um aparelho capaz de evitar que crianças com incontinência
urinária façam xixi na cama enquanto dormem.
O aparelho é como uma roupa que é usada por debaixo da roupa íntima dos pequenos. Já existem outros dispositivos semelhantes que funcionam como alarme para, quando o sinal de umidade aparecer, avisarem aos pais via celular ou disparando um som de alerta. Esse, porém, tem duas funções aprimoradas como explica o médico Ubirajara, que desenvolve o aparelho com testagens feitas na Escola Bahiana de Medicina de Salvador.
Como o processo de controle do xixi na cama costuma ser de aprendizado, em que o corpo da criança passa a perceber a necessidade de ir ao banheiro antes de urinar onde dorme, Ubirajara ressalta ainda que o dispositivo é ainda mais eficaz para que esse entendimento seja mais precoce.
"Como a contração do assoalho pélvico acontece no momento da contração da bexiga, o aprendizado é antecipado. No alarme tradicional, a criança é acordada pelos pais só minutos depois que urina na cama. Nesse, é na hora porque há um sensor de umidade e uma parte colada no bumbum que dá o estímulo de contração automática, permitindo que a criança faça xixi só no banheiro", destaca o urologista.
A novidade é uma notícia e tanto para Maria Cabral, 40 anos, que faz uso de outras táticas que nem sempre são eficazes para impedir que o filho de sete anos não urine na cama.
"Diariamente levo ele às 22h
no banheiro pouco antes de dormir e acordo eles às 6h para ir novamente. Antes
disso, fazia muito mais xixi e agora é mais raro. Porém, de vez em quando,
acontece dele fazer mesmo quando eu adoto essa estratégia. Aprender a entender
o corpo é um processo lento para alguns", fala ela.
Michelle Nascimento, 27, já
tentou fazer o mesmo, mas ainda assim não viu tanta efetividade como Maria. Ela
conta que o filho de 5 anos de idade ainda acaba urinando rotineiramente na
cama.
"Toda semana, praticamente,
ele acaba urinando. Tento acordar no meio da noite para levar e impedir que
aconteça, mas nem sempre você acerta a hora porque às vezes acontece antes. É
chato pra gente que precisa sempre fazer o processo de limpeza e pra ele que já
se sente envergonhada", lamenta.
Sem neurose
Fazer xixi na cama é o nome
popular para enurese noturna. O problema afeta 10% das crianças entre 5 e 17
anos, mas não é considerado uma doença. O coordenador do Departamento de
Uropediatria da Sociedade Brasileira de Urologia, Tiago Rosito, explica que a
maioria das crianças param de fazer xixi na cama entre os 3 e 4 anos. No
entanto, 10% a 20% delas chegam aos 6 anos sem conseguir se segurar.
Isso acontece devido a
imaturidade de uma porção do cérebro, chamada de micção. No percentual de 10% a
20% das crianças acima de 6 anos, ele demora mais para amadurecer. “Não é doença
e pode acontecer até a adolescência. É um fator genético. Pais que fizeram xixi
na cama terão filhos que farão”, detalha Tiago Rosito.
A angústia em ver os filhos
fazendo xixi na cama, no entanto, não deve ser o parâmetro para iniciar um
tratamento na criança. O indicado é fazer depois que ela tiver 6 anos e, somado
a isto, esteja desconfortável com a situação. “Se ela tem 7 anos e está
tranquila, significa que aquela porção do cérebro ainda está amadurecendo.
Todos vão secar naturalmente um dia”, tranquiliza o coordenador de
uropediatria.
Segundo o urologista pediátrico
do Itaigara Memorial, Alfredo Querino, retirar a fralda da criança precocemente
e exigir que ela não faça xixi na cama aumenta as chances de um aprendizado
miccional inadequado. “Porque elas têm uma pressão dos pais, mas não tem o
amadurecimento fisiológico para ser continente e aí começam os problemas”,
enfatiza.
Sem xixi na cama
O tratamento para a enurese
noturna que afeta diretamente a autoestima e a qualidade de vida dos pequenos
dura em média quatro meses. Ele consiste na tentativa de tentar acelerar a
maturação da porção do cérebro responsável pelo controle do xixi noturno com
alguns truques. Conforme lista o coordenador de uropediatria, alguns deles são:
definir horários para fazer xixi ao longo do dia, não ingerir líquido após às
18h da noite.
“Ainda assim, é possível que as
crianças tenham o sono muito pesado e não sejam acordadas pela vontade de fazer
xixi. Daí é possível lançar mão de alarmes com técnicas de fisioterapia
urinária. É aí que entra a genialidade do Ubirajara: a junção de duas técnicas
que já existiam em um único aparelho”, destacou Tiago Rosito.
Em um tratamento de 90 dias com o
Soluu, feito com crianças entre 6 e 17 anos, de famílias voluntárias, 83,3%
demonstraram efetiva melhora no controle da enurese noturna. O dispositivo vai
ser submetido a avaliação da Anvisa ainda no segundo semestre deste ano. O
valor de mercado, porém, ainda não é estimado. “Quando a chave vira, 90% delas
não voltam a fazer xixi na cama”, afirmou Tiago.
Para Iarodi Bezerra,
psicoterapeuta que atua no atendimento de crianças, o avanço é importante
porque o xixi na cama afeta como as crianças se enxergam diante de outras em
seu meio social.
"É muito comum acreditarem
em si mesmas como mais imaturas, bobas para estarem em meio a outras,
isolando-se gradativamente por medo, também de descobrirem e sofrer exposições
humilhantes. O humor pode deprimir, além de potencializar um quadro de
ansiedade", explica Bezerra.
Fonte:* Wendel de Novais e Emilly
Oliveira*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo/ Correio da
Bahia – 16/06/2023
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