segunda-feira, 12 de junho de 2023

SC: Mulher resgatada na casa de desembargador aprende Libras para contar a própria história

Quarto em que a mulher vivia na casa do desembargador em SC

Quarto em que a mulher vivia na casa do desembargador em SC Quarto em que a mulher vivia na casa do desembargador em SC (Foto: Reprodução/Fantástico)

Uma reportagem exibida pela edição deste domingo (11) do Fantástico, da TV Globo, revelou detalhes do caso da mulher com deficiência auditiva resgatada na última terça-feira (6) da casa do desembargador catarinense Jorge Luiz de Borba, suspeito de ter submetido ela a trabalho doméstico análogo à escravidão por 37 anos. Agora, a mulher está em um abrigo e passou a ter lições da Língua Brasileira de Sinais (Libras) para relatar a própria versão.

O caso chegou às autoridades a partir de uma denúncia anônima em novembro do ano passado, conforme detalhou o Fantástico. A partir disso, trabalhadores que serviram à família do desembargador em diferentes períodos prestaram depoimentos que deram maior peso à suspeita inicial.

— Houve diligências preliminares do Ministério Público do Trabalho (MPT), que confirmaram o teor da denúncia, com trabalhadores que estiveram no domicílio em tempos diferentes, cujo os relatos iam ao encontro um do outro — disse Humberto Camasmie, auditor-fiscal do Trabalho, ao Fantástico.

O programa teve acesso ao conteúdo do que disseram essas testemunhas. Uma delas, uma cuidadora, disse que a mulher resgatada fazia refeições com os funcionários, apenas depois dos patrões, e dormia em um quartinho da casa. Disse ainda que os cachorros da casa eram melhor tratados e que a mulher era uma "escravinha" da família. Outra testemunha classificou ela como uma "mucama".

Segundo disse o desembargador após o resgate, a mulher chegou à família aos 12 anos, por meio da sogra, uma psicóloga que conheceu a trabalhadora quando ela tinha oito anos, em uma creche. O magistrado disse que a mulher teria perdido a audição após ter sido espancada pelo pai na infância e que teria tentado ensinar Libras a ela.

Ainda ao Fantástico, o auditor-fiscal do Trabalho disse que o flagrante das condições da trabalhadora pode ter sido comprometido pelo vazamento precoce da operação, que contou com a Polícia Federal, o Ministério Público Federal (MPF) e agentes do Ministério do Trabalho.

— No momento em que a ação fiscal foi deflagrada, a notícia já havia sido veiculada poucos minutos antes. Isso pode fazer com que o empregador eventualmente altere a realidade que a equipe encontraria ali. Isso acabou dificultando um pouco a confirmação — afirmou Camasmie, que acrescentou ter chamado atenção o fato de a mulher viver em um quarto fora da casa.

Três trabalhadoras atualmente à disposição da família do desembargador negaram que a mulher resgatada fosse submetida a trabalho análogo à escravidão. Uma antiga funcionária apareceu, no entanto, após o resgate relatando o contrário, que a denúncia seria verídica.

Camasmie ainda disse ao Fantástico que a investigação é comprometida pela falta do depoimento da própria trabalhadora, que nunca aprendeu a falar Libras. Ela passou a ter lições agora, com expectativa das autoridades de que possa se comunicar em até quatro meses. Até aqui, a mulher já aprendeu a sinalizar o próprio nome e indicar as cores.

O Fantástico chegou a perguntar a ela, com a ajuda da intérprete que dá lições à mulher, se tinha conhecimento dos próprios direitos. A trabalhadora não respondeu.

Entenda o caso e o que diz o desembargador

mulher foi resgatada durante uma operação de busca e apreensão da Polícia Federal (PF) na casa do desembargador, em Florianópolis, no último dia 6 de junho, mobilizada por uma denúncia.

A operação da PF também contou com a participação do Ministério Público Federal (MPF) e de agentes do Ministério do Trabalho. A trabalhadora tem deficiência auditiva e era mantida pelo desembargador e a esposa, segundo a investigação, sob "trabalho forçado, jornadas exaustivas e condições degradantes", sem remuneração, conforme divulgou o MPF após o resgate vir a público.

Ainda na ocasião, o MPF divulgou que a mulher também seria vítima de maus-tratos por conta das condições materiais em que vivia e "em virtude da negativa dos investigados em prestar-lhe assistência à saúde". A Promotoria afirmou que a mulher nunca teve instrução formal e não possui convívio social.

No mesmo dia, o desembargador negou que tenha cometido crimes e manifestou inconformismo em comunicado à imprensa. Ele disse ainda ter acolhido ela como uma familiar há mais de 30 anos, tratando o caso suspeito de trabalho análogo à escravidão como, na verdade, "um ato de amor".

Já no dia em que o Fantástico exibiria a entrevista com a trabalhadora, o desembargador divulgou novo comunicado, desta vez assinado em conjunto com toda a família, em que dizia que irá entrar com um pedido judicial para o reconhecimento da filiação afetiva dela, com concessão de todos os direitos hereditários.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) não se posicionou sobre o caso.


Fonte: Luana Amorim/NSC Total/reprodução 12/06/2023 09h:37

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