foto:reprodução
O ex-deputado Emiliano José relembra os quatro anos que passou na prisão, no início dos anos 1970. Torturado, ele diz: “Sou parte dessa tragédia”
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) afirmou na semana passada "que não houve ditadura no Brasil", referindo-se ao período entre 1964 e 1985, quando as Forças Armadas governaram o país, sem eleições diretas para presidente da República. Para ele, ocorreu uma transição pacífica de poder no final dos anos de 1980. Ele disse que, neste período, houve problemas.
Com a proximidade do aniversário de 55 anos do dia 31 de março de 1964, quando um levante militar retirou o então presidente João Goulart do poder, Bolsonaro determinou que quartéis e guarnições militares celebrem a data.
O ex-deputado federal Emiliano José, atualmente responsável pela Superintendência de Direitos Humanos da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Governo da Bahia, refuta a tese e destaca que a ditadura "foi um momento importante da nossa história no sentido trágico da nossa história". "O Golpe de 64 é um dos momentos da tragédia brasileira, porque significou o início de uma longa jornada de 21 anos de violência, de terror, de arbítrio, de sangue, de desaparecimento de pessoas, de prisões, de tortura e de tudo o que se possa imaginar de uma ditadura sangrenta", avalia à Tribuna.
"Nós não temos o que comemorar em relação à ditadura iniciada a rigor na madrugada de 2 de abril. Porque as pessoas começam a dar datas aqui e acolá, mas o golpe foi consagrado na madrugada do dia 2 de abril, no Congresso Nacional. E o novo presidente do golpe, Ranieri Mazzilli, sob as bênçãos do Supremo Tribunal Federal. É importante lembrar isso. E inicia-se ali uma longa trajetória de violências de toda a natureza, supressão da lei, da Constituição, supressão de todos os direitos do povo brasileiro", continua.
"É um equívoco profundo, proposital, calculado, do presidente da República pretender que as Forças Armadas celebrem o golpe militar de 1964. Na verdade, se as Forças Armadas tivessem atenção da Constituição, deveriam pedir perdão à nação brasileira pelo papel que desempenharam naqueles 21 anos. Era melhor e era mais digno para as Forças Armadas do país pedir perdão pelo volume de mortes, de torturas, de prisões e de desaparecidos. E não comemorar", completa.
Prisão e torturas
"Eu sou uma vítima direta da ditadura. Passei quatro anos na prisão, aqui na Bahia, e fui vítima de três processos. Fui violentamente torturado aqui no quartel do Barbalho. Fui violentamente torturado com Pau de Arara, choques elétricos, afogamentos... Fui preso em 23 de novembro de 1970 e saí no final de 1974. Sou parte dessa tragédia, como um dos combatentes e que, por combatê-la pela palavra da ação política, fui preso junto como outros milhares de outros companheiros", relembra Emiliano.
O baiano ressalta que a ditadura foi o que foi como no resto do país: uma tensão. "O deflagrar do golpe aqui foi com violências de toda natureza, com um olhar muito especial da repressão ao movimento sindical, aos sindicatos dos petroleiros de modo especial e violência contra todos aqueles que tinham participação política. A Bahia não foi exceção em relação ao resto do país. Houve uma leva de prisões em 1964 e depois a intensificação da repressão em 1969 e 70". "Centenas de pessoas foram presas. Muitas delas condenadas.
Uma parte dos nossos, e eu próprio, ficava presa na Penitenciária Lemos Brito, a outra no Forte de Santo Antônio, que era uma antiga casa de detenção. Ali ficavam os prisioneiros vinculados ao 'partidão', o Partido Comunista Brasileiro. Foi o comum da ditadura. Não nos iludamos: a ditadura na Bahia foi tão violenta quanto outras no país", finaliza.
Em 2015, o secretário de Administração Penitenciária e Ressocialização, Nestor Duarte, anunciou que a “Galeria F” da Lemos Brito seria transformada em espaço de memória da ditadura.
fonte:Tribuna da Bahia/reprodução 02/04/19 -10:44min.
0 comentários:
Postar um comentário