segunda-feira, 21 de março de 2022

Sinalizações do BC para a Selic aumentam transparência e ruídos, dizem economistas

 

Sinalizações do BC para a Selic aumentam transparência e ruídos, dizem economistas
Foto: Reprodução / Banco Central

Ao anunciar a alta da taxa básica de juros (Selic) para 11,75% ao ano, na última quarta (16), o Copom (Comitê de Política Monetária) incluiu na discussão um "cenário alternativo" e foi taxativo quanto ao seu próximo movimento.
 

Para o mercado financeiro, as sinalizações do Banco Central trazem transparência, ao mesmo tempo que geram ruído na comunicação.
 

Mauricio Oreng, superintendente de pesquisa macroeconômica do Santander, avalia que o colegiado viu necessidade de um cenário "alternativo" na medida em que a hipótese usual para o preço do petróleo não seria adequada ao cenário de referência em meio ao conflito entre Ucrânia e Rússia e às novas pressões inflacionárias.
 

Em sua opinião, a postura do BC de jogar luz sobre os diferentes cenários de inflação tendo em vista as incertezas em função dos efeitos da guerra é positiva. "Acho interessante do ponto de vista da transparência do BC divulgar essas simulações", afirmou.
 

Já Alberto Ramos, diretor do grupo de pesquisas econômicas para América Latina do Goldman Sachs, diz acreditar que o excesso de informações pode ser prejudicial em determinados momentos e vê uma "tensão latente" no comunicado entre um viés "hawkish" (mais duro) no curto prazo e um viés "dovish" (mais brando) no longo prazo.
 

"O BC está fazendo um esforço grande de comunicar em várias dimensões e quis sinalizar muitas coisas ao mesmo tempo em um ambiente de muita incerteza. Nesse contexto, para mim, menos é mais", disse. "Às vezes, muita transparência adiciona mais ruído."
 

Algumas dúvidas podem se dissipar nesta terça (22), quando o BC divulgará a ata da última reunião do Copom, com detalhes da decisão sobre os rumos da taxa básica de juros e do ciclo do aperto monetário no horizonte relevante, hoje voltado sobretudo para 2023.
 

Oreng ressalta que essa é uma oportunidade para a autarquia recalibrar o tom de sua comunicação, influenciando as expectativas do mercado, a exemplo do que ocorreu após o encontro de fevereiro.
 

Na ocasião, diversos analistas tiveram a percepção inicial de que o BC não tinha transmitido uma mensagem tão contracionista em sua decisão. Mas essa interpretação foi reavaliada após a divulgação da "ata dos recados", com um tom mais duro sobre a questão fiscal.
 

No relatório desta semana, os especialistas aguardam mais informações sobre o esboço do "cenário alternativo", tido como mais provável pelo BC, ainda que apoiado sobre a trajetória do preço do petróleo, item marcado por volatilidade devido às tensões geopolíticas.
 

Ramos também diz que gostaria de entender o valor visto pelo comitê em emitir um sinal tão concreto para o ajuste da reunião seguinte, marcada para os dias 3 e 4 de maio. Em seu comunicado, o Copom sinalizou uma nova alta da Selic na mesma magnitude, ou seja, de 1 ponto percentual no próximo encontro.
 

A atitude não agradou ao mercado financeiro, que esperava que o colegiado deixasse seus próximos movimentos em aberto.
 

"O BC perde uma margem de manobra de graça e não ancora as expectativas já contando o que vai fazer na próxima", disse Jorge Dib, gestor macro-global da Frontier Capital. "Eu acho que ele ganharia mais sendo um pouco mais aberto, qualquer coisa diferente que faça agora vai contra a sinalização dele."
 

Ambos os cenários de inflação esboçados pelo Copom em seu comunicado supõem que a taxa terminal de juros será de 12,75% em 2022. O mercado, por sua vez, projeta um patamar mais elevado e vê grande probabilidade de que o número apontado pelo BC seja revisto.
 

Além da alta de 1 ponto percentual em maio, o Santander estima uma elevação de 0,5 ponto no encontro seguinte, em junho, totalizando 13,25% ao ano ao final do ciclo de aperto monetário. Patamar que deve ser mantido até o primeiro trimestre de 2023, na expectativa do banco. A Frontier Capital também trabalha com estimativa terminal de 13,25% ou 13,5%.
 

Na projeção do Goldman Sachs, a Selic chegará a 13% ou 13,25%, a depender da magnitude do aumento efetivado em junho, de 0,25% ou 0,5%, influenciado pelo comportamento da inflação dos preços das commodities agrícolas e da reação do Fed (Federal Reserve) na economia norte-americana.
 

O impacto da política do banco central dos Estados Unidos sobre o plano de voo da autarquia presidida por Roberto Campos Neto e da taxa terminal da Selic é outro tema que Ramos gostaria de ver na ata do Copom. No entanto, não acredita que terá sua resposta.
 

Tony Volpon, estrategista-chefe da WHG (Wealth High Governance) e ex-diretor do BC, observa que a postura da atual diretoria da autoridade monetária de antecipar seus passos para as reuniões seguintes não tem muita "utilidade" na parte final do ciclo de aperto monetário, quando são feitos apenas ajustes finos.
 

"Ficar fazendo previsões e algumas reuniões depois fazer algo diferente daquilo acaba também impactando a credibilidade da instituição", disse.
 

Essa também é a opinião do diretor do grupo de pesquisas econômicas para América Latina do Goldman Sachs,. Para Ramos, essa estratégia só é válida quando há garantias de que será cumprida. "Esse grau de precisão, mesmo em países com volatilidade macroeconômica menor que no Brasil, nem sempre tem muito valor. O que a gente tem visto no último ano é que essa sinalização do BC acaba sendo abandonada num curto espaço de tempo", afirmou.
 

Com um ano de altas consecutivas, o ciclo do aperto monetário encontra-se em estágio avançado no Brasil. Em março de 2021, a Selic estava em 2% ao ano, menor patamar histórico. Na última semana, foi a nona elevação da taxa básica de juros, com alta acumulada de 9,75 pontos percentuais. O aumento dos juros no país é o maior entre as principais economias ao redor do mundo.


FONTE: FOLHAPRESS - 21/03/2022

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