De acordo com as revelações trazidas à tona pelos depoimentos dos ex-chefes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Junior, fica claro que o ex-presidente Jair Bolsonaro não apenas tentou ignorar a derrota nas urnas para Luiz Inácio Lula da Silva, como insistiu na busca de algo que pudesse mantê-lo no poder.
Para isso, contava com um grupo de pessoas que o endossavam na pretensão de romper a normalidade institucional, dentro e fora do Palácio do Planalto. Porém, em seus cálculos não estava a recusa de duas forças armadas em embarcarem em uma aventura antidemocrática. Saiba quem são os personagens da trama golpista:
JAIR BOLSONARO
O ex-presidente apostou na tese de que as urnas eletrônicas não eram seguras e que poderiam alterar o resultado das eleições, o que justificaria, no entender dele, a intervenção no processo eleitoral que culminou na eleição de Lula em 2022. Alimentou, ainda, a guerra de acusações ao Supremo Tribunal Federal (STF), em especial, ao ministro Alexandre de Moraes, apontado nos depoimentos como o primeiro magistrado a ser preso em caso de um golpe. Ele reuniu chefes militares e assessores próximos para convencê-los a apoiar um decreto que o levaria a intervir na Justiça Eleitoral, e cancelar a eleição de 2022. Também reuniu embaixadores para apresentar a tese da fragilidade das urnas, com o objetivo de angariar apoio internacional à intervenção golpista. O ex-presidente pleno conhecimento das minutas de golpe encontradas pela Polícia Federal (PF), que foram apresentadas por ele aos comandantes militares.
O núcleo palaciano
MAURO CID
Ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, é tratado como peça-chave para elucidação dos fatos. Negociou com a Justiça um acordo de delação premiada, que está permitindo à PF fechar o cerco aos articuladores do golpe de Estado. As informações que prestou estão sendo corroboradas pelos depoimentos de alguns chefes militares ouvidos até agora. É tratado como arquivo vivo dos atos do ex-presidente.
ANDERSON TORRES
Ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF, foi apontado em depoimentos à PF como um dos mentores jurídicos da minuta de golpe apreendida na casa dele, em Brasília. Ficou preso por quatro meses e continua negando participação na trama conspiratória. Diz que sequer participou da reunião em que a minuta do golpe foi lida.
FILIPE MARTINS
Ex-assessor para assuntos internacionais de Bolsonaro, está preso preventivamente desde 8 de fevereiro. Foi ele quem levou e leu a minuta do golpe em uma reunião do presidente com chefes militares.
WALTER BRAGA NETTO
Ex-ministro da Defesa e ex-chefe da Casa Civil de Bolsonaro, o general da reserva coordenou ataques digitais aos colegas que se recusaram a participar das articulações palacianas para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva. Em mensagens apreendidas pela PF, Braga Netto chamou o general Freire Gomes, chefe do Exército, de “cagão” e o brigadeiro Baptista Junior, comandante da Aeronática, de “traidor da pátria”.
AUGUSTO HELENO
O ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) tentou, a poucos dias do fim do mandato de Bolsonaro, convencer o comandante da Aeronáutica a aderir à conspiração. Mas, ao receber um não como resposta, “ficou atônito”, segundo depoimento do brigadeiro Baptista Junior.
O núcleo militar
PAULO SÉRGIO NOGUEIRA
Ex-ministro da Defesa de Bolsonaro, o general da reserva foi apontado como um dos principais articuladores do golpe, responsável, inclusive, pela elaboração de uma proposta de decreto presidencial mais ampla, que previa a instalação de estado de defesa no STF. O então comandante da Aeronáutica, em depoimento à PF, afirmou que foi pressionado pelo então ministro para aderir à conspiração — mas ouviu como resposta que “a Força Aérea não admitiria tal hipótese de golpe de Estado”.
ALMIRANTE ALMIR GARNIER
Ex-comandante da Marinha, foi o único dos três chefes das Forças Armadas a aderir à quartelada tramada no Palácio do Planalto. Defendeu o uso de instrumentos constitucionais, como o estado de sítio e as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), para dar um verniz de legalidade ao golpe. Segundo depoimentos dos comandantes do Exército e da Aeronáutica, ele se prontificou, inclusive, a mobilizar tropas para assegurar a intervenção do Poder Executivo no Judiciário.
GENERAL FREIRE GOMES
Ex-comandante do Exército, prestou um dos depoimentos mais ricos em informações à PF, em que se posicionou contra a quartelada e negou apoio das tropas a qualquer iniciativa de subversão da ordem constitucional. Àos federais, confirmou que participou de duas reuniões com Bolsonaro para discutir a minuta do decreto golpista que o então presidente pretendia assinar — para intervir na Justiça e prender o ministro Alexandre de Moraes, do STF. Segundo depoimento do brigadeiro Baptista Júnior, Freire Gomes disse que prenderia Bolsonaro caso insistisse em deflagrar um golpe de Estado.
BRIGADEIRO BAPTISTA JUNIOR
Ex-comandante da Aeronáutica, corroborou boa parte da delação premiada de Mauro Cid em relação à participação de Bolsonaro na trama golpista. Revelou que Freire Gomes ameaçou prender o presidente se o golpe fosse deflagrado, e que o Exército não participaria da conspiração. Por isso, passou a ser atacado nas redes sociais por milícias digitais ligadas ao bolsonarismo. Em depoimento, disse que foi procurado pela deputada Carla Zambelli (PL_SP) para que “não deixasse Bolsonaro na mão”. A ela, respondeu: “Deputada, entendi o que a senhora está falando e não admito que a senhora proponha qualquer ilegalidade”.
O braço armado
MARINHA
O almirante Almir Garnier afiançou a Bolsonaro o apoio das tropas da Armada ao golpe de Estado.
COMANDO DE OPERAÇÕES ESPECIAIS DO EXÉRCITO
Aos poucos, vai ficando claro que o destacamento — sediado em Goiânia — seria utilizado para concretizar a quartelada, uma vez que é uma tropa altamente especializada e bem equipada. Alguns dos personagens envolvidos na trama golpista são diretamente ligados aos "kids pretos", como Freire Gomes, Paulo Sérgio Nogueira, Walter Braga Netto e Mauro Cid. Bolsonaro, por sinal, procurou se cercar de vários integrantes do COPEsp enquanto esteve no Palácio do Planalto.
LAÉRCIO VERGÍLIO
O coronel reformado do Exército negou participação na conspiração golpista, mas disse, em depoimento à PF, que o Comando de Operações Especiais teria a missão de prender o ministro Alexandre de Moraes, caso o golpe fosse deflagrado. Ele mantinha contato direto com outros militares da reserva que insuflavam a quartelada, como o major Ailton Gonçalves Moraes de Barros — que foi expulso do Exército.
O núcleo no Partido Liberal
VALDEMAR COSTA NETO
Presidente do partido de Bolsonaro, negou qualquer envolvimento na articulação para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva. Em depoimento à PF, minimizou a importância da minuta golpista e disse que foi ao Palácio da Alvorada por várias vezes após a derrota de Bolsonaro para “tentar animar o presidente, que estava muito abatido”. Admitiu, porém, que foi pressionado pelo ex-presidente para questionar a segurança das urnas eletrônicas. Mas assegurou que ele sempre confiou no equipamento de votação.
CARLA ZAMBELLI
A deputada federal resolveu, aparentemente por conta própria — uma vez que Bolsonaro atribuiria a ela a derrota nas urnas por causa do episódio em que perseguiu, armada, um apoiador de Lula, 24 horas antes do segundo turno das eleições —, procurar o então comandante da Aeronáutica, Baptista Junior, e pediu-lhe para “não deixar Bolsonaro na mão”. Recebeu como resposta uma admoestação.
Os personagens laterais
EDUARDO PAZUELLO
Ex-ministro da Saúde e atual deputado federal pelo PL fluminense, foi citado por mais de uma testemunha como uma das pessoas próximas de Bolsonaro a incentivar o presidente a usar as Forças Armadas para impedir a posse de Lula.
ASTRONAUTA MARCOS PONTES
O senador comandava o Ministério da Ciência e Tecnologia. Foi dele, segundo depoimento de Costa Neto, a sugestão para que o PL contratasse o Instituto Voto Legal para fazer uma auditoria nas urnas eletrônicas. O objetivo, segundo depoimentos, era levantar subsídios para questionar o resultado das eleições de 2022. O instituto nada mais fez do que apresentar uma série de ilações.
O impacto dos depoimentos
- QUEM GANHA
FREIRE GOMES (Confirmou muito do que dissera Mauro Cid e preservou a reputação do Exército ao, inclusive, ameaçar Bolsonaro com prisão)
BATISTA JUNIOR (Seguiu Freire Gomes e deixou claro que se o Exército tivesse cedido a Bolsonaro, o golpe se concretizaria)
MAURO CID (que teve sua delação corroborada pelos comandantes e, possivelmente, usufruirá das prerrogativas)
FORÇAS ARMADAS (Sobretudo as cúpulas do Exército e da Aeronáutica, que explicitaram que não embarcariam em uma aventura para o rompimento institucional)
URNA ELETRÔNICA (Ficou evidente que nada havia que desabonasse não apenas o sistema de votação, como o resultado das eleições de 2022)
- QUEM PERDE
JAIR BOLSONARO (Sua situação agravou-se)
PAULO SÉRGIO NOGUEIRA (Também ficou evidenciado que teria aderido ao projeto golpista)
AUGUSTO HELENO (Insuflou a quartelada e era um dos seus empedernidos defensores)
ALMIR GARNIER (Foi na direção contrária das outras duas Forças e concordou com a ruptura institucional proposta por Bolsonaro)
ANDERSON TORRES (Como então ministro da Justiça, era o incumbido de dar verniz de legalidade ao golpe)
FELIPE MARTINS (Apresentou a minuta golpista)
EDUARDO PAZUELLO (Surge na trama como insuflador do golpe)
- NA CORDA BAMBA
VALDEMAR COSTA NETO (Disse que não concordava com as determinações de Bolsonaro, mas não deixou de cumpri-las)
CARLA ZAMBELLI (Atuou como emissária do golpe junto a Freire Gomes e Baptista Junior ou agiu por conta própria?)
ASTRONAUTA MARCOS PONTES (Fez a ponte com o instituto contratado pelo PL para montar a farsa da fragilidade das urnas)
LAÉRCIO VERGÍLIO (Confirmou que os "kids pretos" estavam preparados para agir em caso de golpe)
Fonte: O ESTADO DE MINAS - 16/03/2024
0 comentários:
Postar um comentário