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Para o economista vencedor do Prêmio Nobel de 2008 Paul Krugman, o sistema de pagamentos instantâneos Pix, lançado pelo Banco Central do Brasil em 2020 e agora sob ataques de Donald Trump, representa não apenas uma inovação tecnológica, mas uma mudança de paradigma sobre o papel do Estado no setor financeiro. Em um artigo publicado nesta terça (22) no Substack intitulado "Será que o Brasil inventou o futuro do dinheiro?", o economista compara os sistemas econômicos brasileiro com o estadunidense.
Há algumas semanas atrás, Krugman tinha acusado Trump de usar política comercial para atacar democracias soberanas, e alertou para um "passo terrível na decadência" dos EUA. “No geral, isso é maligno e megalomaníaco”, escreveu o economista. “Se ainda tivéssemos uma democracia funcional, essa jogada contra o Brasil já seria, por si só, motivo de impeachment. Claro, teria que esperar na fila, atrás de todas as outras razões."
Ele cita no novo artigo que na última semana, o Congresso americano aprovou dois projetos de lei que, segundo Krugman, revelam o medo da direita americana de qualquer forma de intervenção estatal nas finanças. Um deles impulsiona as chamadas stablecoins — criptomoedas atreladas a moedas — e outro impede até que o Federal Reserve estude a criação de uma moeda digital do banco central dos Estados Unidos (CBDC). “Por que os republicanos estão tão aterrorizados com a ideia de um CBDC que estão literalmente ordenando que o Fed pare de pensar nisso?”, questiona Krugman.
O Pix, nas palavras do economista, é o que os entusiastas das criptomoedas sempre prometeram e nunca entregaram: um sistema seguro, acessível, de baixíssimo custo e amplamente utilizado. Hoje, mais de 93% da população adulta brasileira utiliza a ferramenta, segundo dados citados pelo The Economist. O sistema permite transferências instantâneas, com liquidação em cerca de três segundos, contra dois dias úteis para cartões de débito e quase um mês para crédito.
Além da velocidade, o Pix se destaca pelos custos: transações entre pessoas físicas são gratuitas, e o custo para comerciantes gira em torno de 0,3% do valor da transação, muito abaixo dos 1,13% dos cartões de débito e 2,34% do crédito.
“Não posso deixar de notar que a Pix está realmente alcançando o que os impulsionadores de criptomoedas alegaram, falsamente, ser capaz de entregar através do blockchain: baixos custos de transação e inclusão financeira”, escreve Krugman.
Nos EUA, apenas 2% da população usou criptomoedas para pagamentos em 2024. Para Krugman, a hostilidade dos republicanos ao CBDC tem menos a ver com preocupações sobre privacidade e mais com a ameaça ao poder das instituições financeiras privadas. Nos Estados Unidos, apenas os bancos têm acesso a contas diretas no Federal Reserve. Um CBDC permitiria que pessoas comuns também tivessem esse direito, descentralizando o acesso ao sistema financeiro. “O governo Trump sugere que a mera existência da Pix no Brasil constitui concorrência desleal para as empresas de cartões de crédito e débito dos EUA.”
Ele vai mais além e cita os desdobramentos políticos no Brasil com relação aos Estados Unidos, inclusive ocasionados pelo antipatriotismo dos Bolsonaros que tentam escapar da Justiça brasileira após as investigações de tentativa de golpe, citando o Brasil como um exemplo de democracia:
"A maioria das pessoas provavelmente não pensa no Brasil como líder em inovação financeira. Mas a economia política do Brasil é claramente muito diferente da nossa, por exemplo, eles realmente colocam ex-presidentes que tentam derrubar as eleições em julgamento", acrescenta.
Paul ainda ironiza a política americana: “Os republicanos dizem que estão preocupados com a vigilância do governo. Mas essas são as mesmas pessoas que entregaram dados do Medicaid ao ICE para facilitar prisões". O outro citado por ele entrave é ideológico: nos EUA, a crença de que o Estado é sempre ineficiente domina o discurso da extrema direita.
“Os republicanos nunca admitirão que um sistema operado pelo governo pode ser melhor que os do setor privado”, resume Krugman. Com ironia, ele conclui que, embora outras nações possam, e devam aprender com o sucesso do Pix, os Estados Unidos continuarão presos entre “interesses adquiridos e fantasias cripto”. Para o economista, é possível manter contas bancárias privadas, "mas fornecer um sistema eficiente e de gestão pública para fazer pagamentos fora dessas contas. "Sabemos disso porque o Brasil já fez isso", acrescentou.
Fonte: Revista Fórum - 22/07/2025

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