quarta-feira, 24 de abril de 2019

MT: Senadora cassada conhecida como 'Moro de saias' diz que foi ingênua e se compara a Bolsonaro: 'Fiz uma trapalhada'

Na época em que ela era juíza da Vara Contra o Crime Organizado de Cuiabá
© Arquivo Pessoal Na época em que ela era juíza da Vara Contra o Crime Organizado de Cuiabá/reprodução
Conhecida pelo discurso anticorrupção, a senadora Selma Arruda (PSL-MT) foi responsável por condenar, quando era juíza estadual, figurões da política mato-grossense e ganhou o apelido de "Moro de saias". Colega de partido do presidente Jair Bolsonaro, ela foi a mais votada na disputa ao Senado Federal em Mato Grosso no ano passado.
Mas, pouco mais de dois meses após assumir a cadeira, Selma foi cassada pelo TRE-MT (Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso) justamente por crimes que criticou no passado, entre eles o caixa dois. 
Em 2016, quando se discutia no país a possibilidade de anistia ao financiamento irregular de recursos de campanha, ela classificou essa hipótese de "tentativa de golpe".
No dia 10 de abril, os juízes-membros do tribunal eleitoral decidiram, por 7 votos a 0, que Selma deve perder o mandato e se tornar inelegível pelas práticas de caixa dois e abuso de poder econômico. Ela foi acusada de ter gasto de R$ 1,2 milhão em valores não declarados à Justiça Eleitoral para se eleger ao Senado. 
Segundo a investigação do Ministério Público Eleitoral (MPE), a chapa da senadora utilizou R$ 855 mil na pré-campanha e R$ 375 mil em serviços como publicidade, pesquisas eleitorais e consultoria jurídica. Os recursos não foram informados na prestação de contas da chapa da senadora, omissão que o TRE-MT considerou ilegal. Ainda cabe recurso ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
A senadora nega que tenha cometido irregularidades e justifica que os valores apontados como não declarados foram usados antes do início da campanha. "A lei não obriga a prestar contas da pré-campanha. Tenho a consciência tranquila. Não foram atrás do que meus adversários gastaram no mesmo período. Ninguém prestou contas do que fez antes da campanha", argumenta.
Para a senadora, a cassação de sua chapa foi irresponsável. "Parecia que estavam cassando um síndico de condomínio. Eles não consideraram a supremacia da vontade popular, que é um princípio do direito eleitoral", diz à BBC News Brasil, em entrevista concedida na sala de seu apartamento, em um prédio de classe média alta, em Cuiabá (MT). Ali, no cômodo de cores neutras, Selma guarda fotos da família em porta-retratos e uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, da qual é devota.

A juíza aposentada dá a entender também que a cassação seja uma forma de retaliação a sua atuação enquanto juíza. "A sensação que tenho é que estou pagando exatamente por ter mexido com quem nunca tinha sido mexido antes no Estado. Quando a gente mexe com determinados personagens, acaba atingindo pessoas que nem imagina. E uma hora esses personagens dão um jeito de retornar e se vingar", diz.
Entre as pessoas que foram condenadas por ela estão políticos como o ex-governador de Mato Grosso, Silval Barbosa, e o ex-presidente da Assembleia Legislativa do Estado, José Geraldo Riva - conhecido como "maior ficha suja do Brasil", por responder a mais de cem processos.
Após a cassação, não houve contato entre a senadora do PSL e Bolsonaro. Ela se lembra, porém, do comentário dele ao saber que a parlamentar era alvo de uma ação na Justiça Eleitoral. "Ele disse que fui ingênua e deu uma risadinha. Quer dizer, é óbvio que ele entendeu que eu não tive vontade de fazer sacanagem. Eu fiz mesmo foi uma trapalhada, mais parecida com ele que qualquer coisa", diz.
No dia seguinte à cassação, viajou para Cuiabá para buscar refúgio na família. "Uma decisão dessas é um baque. Já chorei, quase desidratei de tanto chorar", revela. Apesar do momento que classifica como difícil, ela acredita que logo irá se restabelecer. "Já perdi uma filha e acho que pra quem já passou por isso, qualquer outra dor é mais fácil de ser superada", diz. A filha dela morreu em decorrência de um câncer de pele, há cinco anos.
Desde que chegou a Cuiabá, após a cassação, Selma não quis sair nas ruas, para evitar constrangimentos. "É terrível sentir vergonha de uma coisa que não fez. Então, tenho evitado me expor."

De juíza a senadora

Selma, de 56 anos, nasceu em Camaquã (RS), cidade com cerca de 65 mil habitantes. Ela afirma ter descoberto a vocação para o Direito na adolescência, ao ser aconselhada por um professor, que elogiou sua desenvoltura durante um debate em uma aula de história. Em 1996, já casada e mãe de três filhos, foi aprovada em um concurso no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, Estado em que morava havia mais de uma década.
Ela atuou em diversas comarcas no interior de Mato Grosso. Foi responsável por prender traficantes e policiais corruptos em pequenas cidades. A partir de então, conta, passou a receber ameaças. Para se proteger, costumava passar o dia armada.
Em 2015, passou a comandar uma das principais áreas da Justiça de Cuiabá: a Vara Especializada Contra o Crime Organizado. Foi a partir de então que Selma ganhou notoriedade. Por segurança, começou a receber escolta - ela perdeu o benefício pouco depois de se aposentar.
Na época em que ela era juíza da Vara Contra o Crime Organizado de Cuiabá
© Arquivo Pessoal Na época em que ela era juíza da Vara Contra o Crime Organizado de Cuiabá

Na magistratura, foi alvo de acusações, como a vez em que respondeu por ter colocado o marido, o policial aposentado da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Norberto Arruda, como agente da segurança voluntário da Sexta Vara de Várzea Grande, onde ela atuava na época, em 2008. O caso foi levado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que considerou a atuação como irregular, por assemelhar-se a nepotismo, ainda que fosse uma função voluntária. O marido teve de deixar o cargo.
"Selma Arruda foi uma excelente juíza. Mostrou que tem como fazer diferença no Poder Judiciário", diz à BBC News Brasil Sílvio Fávero (PSL), deputado estadual em Mato Grosso. "(Ela) Prendeu alguns tubarões. Foi uma das juízas mais respeitadas em Mato Grosso. Foi uma magistrada íntegra em sua posição. Sempre foi muito séria e respeitada. Por isso, foi a mais votada para o Senado no Estado, porque a população queria mudança."
No fim de março do ano passado, a parlamentar deixou a carreira no Judiciário, após conseguir permissão para se aposentar, e no mesmo período decidiu entrar para a política. "Estava cansada de ficar sentada na minha sala reclamando que as leis são mal feitas e que as pessoas saem impunes quando cometem crimes", diz.
Dias depois, no início de abril, se filiou ao Partido Social Liberal. A sigla foi escolhida, diz, pela admiração por Bolsonaro. "Acredito que ele é o antipolítico, assim como eu. Atrapalhado, faz as coisas, se dá mal, mas não é aquele que a gente não quer mais. Era o diferente. Até hoje não me arrependo", afirma.
Durante a campanha, a parlamentar utilizou o mote de combate à corrupção. Ela se autointitulou "Senadora do Bolsonaro", conseguiu colar sua imagem ao candidato presidencial, que teve 60,04% dos votos em Mato Grosso no primeiro turno, e venceu nas urnas como "Juíza Selma Arruda". Recebeu 678.542 votos (24,65% dos votos válidos) e tomou posse em 1º de fevereiro.
Suas posições despertam polêmicas, principalmente entre mulheres. Já se manifestou contra o sistema de reserva de vagas para candidatas femininas: "Detesto essa questão de cotas. Não posso nem ouvir". Também critica a tipificação do assassinato contra mulheres: "Feminicídio é matar qualquer mulher? Não. É você matar uma mulher em razão de ser mulher. Não entendi. Por que se você mata por ciúmes, porque pegou a mulher te traindo, você não está matando porque ela é mulher, está matando ela porque ela te traiu! Mas a lei diz que é feminicídio. Como assim?!".
No Senado, ela já se habituou a ouvir críticas ou "conselhos" de outras senadoras. "A mulherada lá no Senado quer me matar, e falam: 'se você não vai votar a favor, pelo menos não use o microfone e fique quieta'", diz, rindo.

Os atos na pré-campanha

Selma Arruda se envolveu no imbróglio judicial que culminou na cassação de seu mandato pouco antes do pleito. No fim de setembro passado, o marqueteiro Júnior Brasa, dono da agência de publicidade Genius Produções Cinematográficas, moveu uma ação de cobrança contra a senadora.
Ele pedia R$ 1,1 milhão, valor que inclui restos a pagar e multa contratual, por serviços que prestou para ela entre abril e agosto passado.
Fonte:BBCNews/reprodução

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