O cineasta baiano Sérgio Machado tem assumidamente uma
atração por histórias de amor bastante tortuosas. Foi assim em Cidade Baixa,
com a dupla de atores baianos Wagner Moura e Lázaro Ramos, e será assim até
numa animação que ele está preparando em que dois ratinhos disputam o amor de
uma mesma ratinha.
E não é diferente em O Rio do Desejo, que estreia nesta quinta-feira (23) nos cinemas. O filme reúne um quarteto de atores numa química poucas vezes vista no cinema nacional recente: Sophie Charlotte, Daniel Oliveira, Rômulo Braga e Gabriel Leone.
No filme, inspirado no conto O Adeus do Comandante - de Milton Hatoum -, Dalberto (Daniel Oliveira) é um policial que é chamado até a casa de Anaíra, uma mulher que fere um homem depois de ser insistentemente assediada por ele. Logo, os dois se apaixonam e Dalberto chama a jovem para morar com ele, na casa que divide com os dois irmãos, Dalmo (Rômulo Braga) e Armando (Gabriel Leone).
O espectador pode até ficar em dúvida se esta é uma
característica espontânea ou provocada pela personagem, mas o fato é que Anaíra
é muito sedutora. Dalmo e Armando, claro, não escapam dessa sedução. Desde a
primeira refeição que os quatro personagens fazem juntos, a tensão está
instalada. E qualquer um é capaz de perceber que a história, que começa como um
bonito conto de fadas - o policial que salvou a mocinha e se apaixona por ela
-, vai caminhar para uma tragédia.
E, por favor, não acuse este jornalista de estar cometendo
spoiler: como dito acima, o cheiro de tragédia fica claro logo no início do
filme para qualquer um que tenha sensibilidade e o mínimo de familiaridade com
a linguagem cinematográfica. Mas Sérgio Machado faz isso com sutileza, sem
apelar para o óbvio. A tensão, embora muito clara desde o início, vai crescendo
aos poucos. Sérgio dirige com a mesma sutileza que Anaíra usa para seduzir os
três irmãos.
Luz para o mundo masculino
O diretor, em entrevista coletiva online, falou sobre a
personagem de Sophie: "Os personagens femininos que trago são sempre
brilhantes, sempre têm uma luz. Anaíra traz luz para o mundo masculino, que é
mais escuro e menos interessante. Traz luz no sentido de liberdade".
Sérgio observa que, por mais de uma vez, Anaíra abre a janela da casa para que
o sol a ilumine. "Mas aqueles caras [os irmãos] não entendem. Preferem
ficar brigando", diz o cineasta.
Sophie complementa: "Anaíra é uma menina pulsante,
linda. Só a arte pode permitir isso [que se vê no filme] e se desfazer de um
viés moralista, se desfazer desse tipo de questionamento". Rômulo Braga diz
que se baseou em histórias de amor que viveu para construir seu personagem:
"O corpo do ator é caixinha de experiências e de empréstimos a essas
experiências para o personagem. Não tem como 'inventar' um sentimento, mas como
botar uma lente de aumento em um lugar específico. Tem como eu criar e
fantasiar em cima de uma experiência vivida".
A produção passou três meses em Itacoatiara, na Região
Metropolitana de Manaus, onde a temperatura média mínima é de 25ºC e a máxima,
de 32ºC. Milton Hatoum, que é amazonense, diz que atores e atrizes
"mergulharam" no calor da região. "Quando eu morava em Manaus,
eu dizia para os meus amigos paulistas e gaúchos que chegavam lá: não lute com
o calor, abrace-o; deixe o calor entrar em você. Você deve suar e receber o calor
como uma dádiva da natureza", disse o escritor, brincando.
Hatoum, que é também um dos roteiristas, elogia a maneira
como a Amazônia foi retratada no filme: "Não é uma Amazônia exótica, para
inglês ver. Não tem o apelo da 'Amazônia: pulmão do mundo', que é um mito. É
uma Amazônia real, que foi transcendente, que o filme, como toda arte, tornou
transcendental. E os atores e atrizes perceberam isso profundamente".
Em cartaz no Metha Glauber Rocha e Cinema do Museu
Fonte:Roberto Midlej/ Correio da Bahia - 23/03/2023
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