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O ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil Celso Amorim considerou, em entrevista à agência de notícias Lusa, que o país nunca teve uma posição diplomática tão irracional e desastrada como a adotada pelo atual presidente, Jair Bolsonaro.
"Não há registro de uma ação diplomática tão desastrada, tão irracional, que só cria inimigos, como a de agora [...] Nem no regime militar vi nada parecido, algo tão pouco racional como é a política externa do governo Bolsonaro.""Hoje é possível descrever a diplomacia brasileira, mas não é possível entender. Há uma total ignorância [dentro do governo] de como funcionam as relações internacionais. Fui diplomata, incluindo o período em que fui ministro, durante mais de 50 anos e neste tempo todo nunca vi coisa igual", afirmou Amorim.
Amorim ingressou no Itamaraty, o Ministério das Relações Exteriores, na década de 1960 e trabalhou em diversas representações do Brasil no exterior. Foi ministro das Relações Exteriores nas presidências de Itamar Franco (1993-94) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-10), e da Defesa na gestão de Dilma Rousseff (2011-14).
Analisando a política externa de Bolsonaro, que no início de novembro completou 300 dias à frente do governo brasileiro, o ex-ministro disse acreditar que a diplomacia do país tem sido prejudicada pelas posições ideológicas do chefe de Estado e do atual ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
Amorim citou declarações sobre a Argentina e a França para defender o seu ponto de vista: "O presidente Bolsonaro disse que não iria à Argentina [para a posse do novo presidente, Alberto Fernández] e o ministro das Relações Exteriores disse que as forças do mal estavam felizes com o resultado da eleição na Argentina."
"Já o presidente dos Estados Unidos, a quem Bolsonaro jura total fidelidade, cumprimentou o novo presidente argentino. Bolsonaro optou por um alinhamento automático com os Estados Unidos, mas, neste caso, vê-se que houve um certo pragmatismo deles [americanos], enquanto no Brasil houve uma reação ideológica sem limites", criticou.
O político de 77 anos argumenta que "Donald Trump provavelmente não gostou da eleição do Fernández, mas sabe que as relações são entre Estados": "Se a Argentina é importante para os EUA, imagina para o Brasil". Ambos os países integram o bloco de livre comércio Mercosul juntamente com o Paraguai e Uruguai. Além disso, a Argentina é um dos principais destinos das exportações das manufaturas do Brasil e seu terceiro parceiro comercial.
© AFP/B. Smialowski Desavenças sobre Amazônia e acordo Mercosul-UE azedaram relações entre Macron (esq.) e Bolsonaro
O chefe da diplomacia brasileira mencionou também as desavenças entre Bolsonaro e seu homólogo francês, Emmanuel Macron, que não teriam só prejudicado a imagem do país, como revelado a incoerência da atual política externa nacional.
"Não sou defensor do acordo do Mercosul com a União Europeia tal como foi feito, mas o governo festejou quando foi assinado, e pouco tempo depois tratou o presidente e o ministro das Relações Exteriores da França da maneira que tratou."
Amorim se referia às declarações de Bolsonaro sobre Macron, quando, devido ao aumento do número de incêndios na floresta amazônica, o chefe de Estado francês colocou em questão o acordo Mercosul-UE, concluído em 28 de junho após mais de 20 anos de negociações.
"Pareceu que o Brasil não queria o acordo [...] Ecoando as palavras do secretário de Comércio norte-americano [Wilbur Ross], que esteve no Brasil em julho, dias antes da visita do ministro dos Negócios Estrangeiros da França [Jean-Yves Le Drian], Bolsonaro declarou que havia armadilhas no acordo do Mercosul com a UE. Isso mostra que não há o mínimo de coerência ou um elemento racional na política externa."
Em meio ao tensionamento das relações diplomáticas franco-brasileiras, Bolsonaro recusou-se receber Le Drian em Brasília, alegando falta de tempo. Na hora em que a reunião deveria ocorrer, contudo, ele fez uma transmissão ao vivo no Facebook, para falar com seus apoiadores enquanto cortava o cabelo. Amorim vê o perigo de que tais episódios tornarem o Brasil um aliado inconveniente até mesmo para os EUA.
"Eu acho – isto ainda precisa se confirmar – que o Brasil tornou-se um aliado incômodo, porque estas atitudes não são boas para o próprio Trump. Ele já deu demonstrações disso ao não apoiar a candidatura do Brasil na OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], ao manter a proibição da importação das carnes [fabricadas no Brasil] e na resposta fria que deu ao encontrar-se com Bolsonaro nos corredores da Organização das Nações Unidas."
"Por mais ideologicamente à direita que esteja o governo Trump, ele não perdeu a noção do interesse americano – nós perdemos. Não há explicação para uma relação com a Argentina do tipo que está sendo feita, e não há explicação para o governo brasileiro festejar um acordo do Mercosul com a União Europeia e, ao mesmo tempo, tratar mal dirigentes europeus", concluiu o ex-ministro.
fonte: DW/AV/lusa/reprodução
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