quarta-feira, 15 de abril de 2020

Coronavírus: Indígenas vão à Justiça contra missionários na Amazônia para impedir genocídio

Amazônia brasileira
foto:reprodução
Em meio à pandemia, indígenas tentam impedir que missionários fundamentalistas invadam e contaminem seus povos. Para isso, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava) ingressou com uma ação civil pública na Justiça Federal de Tabatinga, no Amazonas, um dos estados mais atingidos pelo coronavírus, pedindo que missionários sejam impedidos de entrar na terra indígena e que a Funai expulse outros missionários que estão atuando no seu interior, mesmo com todas as restrições diante da grave crise.
Povos indígenas, sobretudo os que vivem em isolamento voluntário, estão numa situação de maior vulnerabilidade diante da pandemia. O modo de vida coletivo traz o risco de a infecção se espalhar rapidamente nas aldeias. Tudo fica ainda pior em uma região distante de centros de atendimento — são 2 horas de voo até Manaus, onde o sistema já colapsou. Ainda assim, missionários evangélicos fundamentalistas insistem em permanecer na área e tentar o contato com povos isolados.
Sem autorização, os missionários da Missão Novas Tribos do Brasil ainda realizaram voos com helicóptero recentemente adquirido de doações nos Estados Unidos, colocando em risco de genocídio diversos povos que vivem no Vale do Javari — de acordo com denuncia publicada em O Globo.

A ação da Univaja segue uma denúncia pública da entidade feitas à imprensa e a sociedade brasileira em 23 de março deste ano na qual missionários fundamentalistas brasileiros e norte-americanos estavam se preparando para invadir o Vale do Javari numa expedição de contato com um povo isolado, os Korubo, com o único interesse de converte-los. Diante dessa situação urgente, a Funai, que tem pessoas ligadas aos missionários nomeadas por Bolsonaro, não agiu. Por isso, os indígenas pedem ainda que a Missão Novas Tribos do Brasil, de onde provém o atual chefe da Coordenação Geral para Índios Isolados e de Recente Contato, da Funai, Ricardo Lopes Dias, se abstenha de enviar novos missionários para a área.
Assinada pelo advogado indígena Eliesio da Silva Vargas Marubo, procurador da associação indígena, a ação é inédita. Ao menos enquanto perdurar as ações de contingência diante do risco de contágio do coronavírus, os indígenas pedem que seja retirado da terra indígena todos os invasores. Para o médico sanitarista Douglas Rodrigues, coordenador do Programa Xingu da Unifesp, e que já trabalhou no contato com povos isolados no Javari, a única ação de contingência segura para proteger os povos indígenas é expulsar invasores e proteger os territórios.
Recentemente, a Funai publicou uma portaria afirmando que não daria novas autorizações para ingresso nas terras indígenas — mas parece convenientemente ter “esquecido” dos missionários evangélicos ligado ao pastor Lopes Dias da CGIIRC.
Trata-se de uma ação histórica. A peça de autoria de Eliesio Marubo é contundente e traz para a Justiça Federal, diante da omissão da Funai e o governo federal, responsabilidade de impedir um genocídio anunciado.
A tutela jurídica, sob a responsabilidade do juiz de primeira instância de Tabatinga, Lincon Rossi da Silva Viguini, deve ser concedida para impedir um genocídio. Não restam dúvidas de que a tentativa de contato que querem levar a cabo os missionários expõe a população indígena a um risco de contaminação absurdo e cujos efeitos serão, efetivamente, devastadores.
Os réus são os missionários gringos Andrew Tonkin, da missão Frontier International, Josiah Mcintyre, que aparentemente integra a Missão Novas Tribos do Brasil, e Wilson Kannenberg, que é missionário-piloto da Asas do Socorro — uma missão religiosa, igualmente de origem norte-americana e também localizada em Anápolis (GO), especializada em prover a logística aérea para missionários na conversão de povos indígenas. Todas elas integram a Associação das Missões Transculturais do Brasil, entidade política dessas agências fundamentalistas. A base aérea para as ações no Javari é Cruzeiro do Sul — o que serve também para atingir territórios isolados no Peru.
Desde que o pastor Dias Lopes, da Novas Tribos, foi nomeado para a Funai, em janeiro de 2020, a situação piorou. A Unijava já havia denunciado as investidas de Tonkin e Kannenberg, que uma vez fugiram por hidroavião para escapar de fiscalização da PF e da Funai nos rios de acesso. Acontece que com o pastor Dias Lopes chefiando a área de índios isolados da Funai, segundo o documento, as fiscalizações ficaram paradas. E o risco aumentou com a pandemia do coronavírus.
Sem firulas, os indígenas escrevem: “E as populações indígenas não podem ficar à mercê de contrair a mortal contaminação em razão da loucura de quem acredita ter contato direto com o Criador!”
Frente a lunáticos que se acham em contato direto com o Criador, os indígenas buscam um contato direto com o Estado para agir em sua defesa. Essa ação inédita de uma associação indígena revela que o desequilíbrio de forças e de recursos pode ter o seu contraponto em estratégia e inteligência.
O Ministério Público Federal já entrou com ação para suspender a nomeação do pastor Ricardo Dias Lopes, que foi negada. Numa “autoentrevista” no site da Funai, ele diz que não irá mudar a política de não-contato com índios isolados. Mas é difícil acreditar. O próprio filho do presidente da Novas tribos foi flagrado fazendo lobby anunciando que a política de não-contato iria mudar com a nomeação do pastor Dias Lopes. Além disso, quando entrevistei o presidente da Missão Novas Tribos, Edward Luz, em um congresso de missionários em 2011, ele disse que jamais iria desistir de pregar o evangelho.
Disse Luz: “Se [o governo] proíbe pregar o evangelho, está proibindo a liberdade da adoração; proíbe o autor do evangelho, o senhor Jesus; e proibiu a Bíblia, proibiu o Deus criador. E nós partimos para um confronto”.

fonte: Carta Capital -15/04/2020 -13h32min.

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