A 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina suspendeu nesta quinta-feira (16/11) o ato da Câmara Municipal de São Miguel do Oeste que cassou o mandato da vereadora Maria Tereza Zanella Capra após ela criticar gesto nazista feito por bolsonaristas em manifestação.
A decisão também determina que a vereadora retorne ao cargo, com o pagamento dos vencimentos atrasados, até que o mérito do caso seja analisado. Venceu a divergência aberta pelo desembargador Vilson Fontana, que foi acompanhado por Artur Jenichen Filho. A relatora, Denise de Souza Luiz Francoski, ficou vencida.
Capra teve o mandato cassado em 4 de fevereiro, por quebra de decoro parlamentar, após repudiar um gesto feito por bolsonaristas em frente ao 14º Regimento de Cavalaria Mecanizado, base do Exército em São Miguel do Oeste.
Na ocasião, os bolsonaristas fizeram um gesto com o braço direito e a mão estendida para frente, enquanto cantavam o hino nacional. Capra foi cassada sob o argumento de usar as redes sociais para “propagar notícias falsas e atribuir aos cidadãos de Santa Catarina e ao Município de São Miguel do Oeste o crime de fazer saudação nazista e ser berço de célula nazista”.
Em março, ela acionou a Justiça para pedir a restituição do mandato. A petição foi assinada pelos advogados Fábio Tofic Simantob, Sérgio Francisco Graziano, Ranieri Resende, Mauro de Azevedo Menezes e Thúlio Guilherme Nogueira, além do jurista Lenio Streck, colunista da revista eletrônica Consultor Jurídico.
“O tribunal de Santa Catarina dá uma decisão paradigmática. Temos de dar um basta nessa coisa de as Câmaras de Vereadores, por terem maioria, acharem que podem cassar quem quiserem. Isso é antidemocrático. Foi uma patacoada esse julgamento da Câmara de São Miguel do Oeste. A vereadora deveria ser cumprimentada e homenageada por ter feito a denuncia dos gestos nazistas. A Câmara age como um grupo de pessoas que moram juntas e a maioria decide jogar um morador pela janela. Argumento: não gostam dele e eles são maioria”, disse Lenio Streck à ConJur.
“Fez bem o Tribunal. Vamos colocar ordem na democracia. Ressalte-se o trabalho de equipe, toda pro bono, liderada por Sergio Graziano, causídico de Santa Catarina. Trabalhamos juntos. A democracia, pelo menos até aqui, neste momento, venceu! Espero que a decisão se mantenha e ilumine tantas outras obscuridades existentes nas Câmaras de Vereadores do Brasil afora”, prosseguiu.
Uma das denúncias que levou à cassação do mandato também mencionava uma condenação de Maria Tereza pela suposta prática de crime licitatório durante sua gestão como secretária municipal de Cultura. O caso ainda não transitou em julgado.
Inicialmente, a vereadora pediu à Comissão de Inquérito Parlamentar que fosse descrita, de forma objetiva, a conduta imputada, para compreender adequadamente a acusação. Segundo sua defesa, as representações eram genéricas e citavam apenas condutas incompatíveis com o exercício de sua função.
O pleito foi negado, e a defesa foi imediatamente intimada para apresentar, em cinco dias, suas razões finais e se manifestar sobre os documentos juntados aos autos pela comissão. A decisão também informou o fim da fase probatória, com a indicação de que a petista teria permanecido inerte. Mais tarde, uma nova decisão contrariou a anterior e a intimou para oitiva.
Maria Tereza então pediu a declaração de impedimento do presidente da Câmara Municipal, Vanirto José Conrad (PDT) — que recebeu as denúncias —, e de dois membros da comissão de inquérito: Ravier Centenaro (PSD) e Carlos Roberto Agostini (MDB), este último designado presidente.
A parlamentar indicou que os três colegas participaram do ato bolsonarista criticado por ela, e portanto eram vítimas autodeclaradas das manifestações supostamente ofensivas.
Além disso, em seus discursos na apresentação de moção de repúdio contra a vereadora, todos eles anteciparam seu interesse em cassá-la. No caso de Conrad, Maria Tereza também contou que foi testemunha de acusação em uma ação penal eleitoral na qual ele era réu.
Mesmo assim, o impedimento sequer foi apreciado pela comissão. Ela foi cassada sem que os vereadores considerassem aplicar qualquer outra sanção.
À Justiça, a defesa da petista disse que, conforme precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos, as regras do devido processo valem para quaisquer procedimentos que resultem em cassação de mandato popular.
Eles citaram a imunidade parlamentar por opiniões, palavras e votos no exercício do mandato. Maria Tereza se pronunciou na sua função de política, pois gravou o vídeo por demanda de seus eleitores, indignados com o gesto feito na ocasião.
De qualquer forma, a petista não direcionou as críticas a nenhuma pessoa específica e não pediu a instauração de procedimento criminal para apurar a prática de crime de ódio contra ninguém.
Quanto à condenação por crime licitatório, os advogados disseram que a denúncia se baseou em uma “falsa correlação” entre o exercício do mandato vigente e a inelegibilidade. A Lei da Ficha Limpa não diz que os condenados são considerados indecorosos, mas sim inelegíveis. Ou seja, a condenação teria efeitos somente com relação a uma candidatura futura.
Além disso, a ação penal está em fase recursal nas cortes superiores, com “alta probabilidade” de reversão. “Pode-se dizer que a absolvição da vereadora é a única solução juridicamente possível”, disseram os advogados.
De acordo com a defesa, o procedimento ético-disciplinar “foi utilizado como instrumento de perseguição política movido pela ala opositora” à vereadora, que era a única representante do PT na Câmara Municipal.
Conforme a petição inicial, tal ala “não aceita a divergência de opinião político-partidária e o exercício da liberdade de expressão e de livre manifestação da requerente”. Os juristas lembram que os vereadores responsáveis pelo processo participaram dos atos antidemocráticos ocorridos na cidade, que questionavam o resultado das eleições presidenciais e pediam a intervenção das Forças Armadas.
Processo 5021836-95.2023.8.24.0000
Fonte: CONJUR- 17/11/2023 10h:52
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