Reprodução/Google Street View
São Paulo — Investigação preliminar da Polícia Militar de São Paulo apura um suposto episódio de racismo no 32º Batalhão Metropolitano da corporação, em Suzano, na região metropolitana. Uma soldado negra de 31 anos diz ter sofrido “constrangimento ilegal” ao ser obrigada por um tenente a ficar no alojamento da unidade durante uma inspeção externa no batalhão, enquanto os demais policiais faziam um churrasco de confraternização, no último dia 16 de julho.
Segundo o próprio tenente, Jandson Lemos Pereira, o motivo da ordem para que a soldado permanecesse no alojamento foi o penteado que ela usava. Na ocasião, Karolina Andres Penteado Brandão estava com tranças afro, o que é permitido pelo Comando Geral da PM, de acordo com resolução publicada em 6 de junho.
Em áudio anexado à investigação e obtido pelo Metrópoles, é possível ouvir o tenente Jandson discutindo com a soldado. Ele diz que não caberia a ela fazer questionamentos e que se a ordem fosse para “plantar bananeira”, ela seria obrigada a cumprir.
“Eu faço, eu mando. Se for legal, você obedece. Se for ilegal, você vai verificar se é uma ordem incorreta e obedece mesmo assim. E eu vou arcar com a ilegalidade do meu ato. Se eu falar assim: ‘Planta de bananeira’, você vai plantar de bananeira e depois vai questionar meu ato pelos meios legais. Não é falar ‘não vou fazer’”, afirma o tenente Jandson.
Na gravação, é possível ouvir Karolina dizendo que foi desrespeitada e que foi “escondida” no alojamento por mais de 1h30, sendo impedida de almoçar e tomar seus medicamentos. “O senhor não me tratou com respeito. […] Eu atentei e cumpri a ordem de ir para o alojamento quando o senhor resolveu me esconder no alojamento”, diz ela.
Ouça:
Segundo informações que constam na apuração preliminar, a gravação foi feita pela própria soldado durante uma conversa com o tenente, que durou cerca de 30 minutos. Karolina teria cedido o áudio a seus superiores, e o material também foi usado em uma investigação contra ela própria. A soldado não foi localizada pela reportagem.
Em termo acusatório, Jandson Lemos Pereira afirma que Karolina cometeu “transgressão de natureza grave” ao “debater com o oficial, não deixando que ele terminasse suas alegações, recusando-se a ouvi-lo e o interrompendo diversas vezes”.
“Preconceito estrutural”
Na representação que fez contra seu superior, em 19 de julho, a soldado Karolina diz que, no início do expediente daquele dia, às 8h, passou por revista, como de praxe, e nenhum apontamento foi feito em relação ao seu penteado.
Tempo depois, às 9h30, o próprio tenente Jandson teria chamado a soldado para questioná-la a respeito do cabelo e, na sequência, a autorizado a voltar para suas funções.
Por volta das 10h10, o tenente teria voltado, alertando sobre a chegada dos oficiais da banca de qualidade, que fariam a inspeção no batalhão, e pedido que ela fosse para o alojamento.
Na representação, Karolina diz acreditar que o “preconceito estrutural” tenha sido o motivo por trás da ordem para que ela ficasse no alojamento “escondida”.
“É tão clara esta motivação, com todo o respeito, que em dado momento da conversa o sr. Oficial diz que se determinasse que eu PLANTASSE BANANEIRA — o que remete ao preconceito estrutural que permeia parte da sociedade brasileira — eu deveria obedecer”, afirma Karolina na representação.
“Fui vítima de grave constrangimento ilegal, nos termos do artigo 222 do Código Penal Militar, pois fui obrigada a tolerar algo que a lei não manda, por meio de ordem expressa de um superior hierárquico, o que obviamente reduz minha capacidade de resistir, mesmo porque a ordem se deu sem qualquer explicação”, acrescenta a soldado.
Outro lado
Ao Metrópoles, Jandson Lemos Pereira disse que só poderia se manifestar por meio do setor de comunicação social da PM. Questionada, a Secretaria da Segurança Pública não respondeu.
A reportagem também procurou a soldado Karolina Andres Penteado Brandão, mas não conseguiu contato.
Fonte: Renan Porto/Metrópoles - 22/08/2024
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