terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Educação: A Guerra dos Jalecos


       foto:reprodução



Nos corredores da Faria Lima, o ativo mais quente do setor de Educação não está ligado à EAD nem à tecnologia. É um ativo analógico, caro, com barreiras de entrada e uma demanda que resiste a crises: a vaga em uma faculdade de Medicina.

Enquanto o ensino superior de massa atravessa doenças antigas, como inadimplência e evasão, a Medicina se consolidou como o “produto premium” por excelência. Com mensalidades que chegam a R$ 15 mil, evasão quase inexistente (ocupação em torno de 85%, contra cerca de 68% em outras graduações) e um mercado que, dizem projeções, poderá se aproximar de 1,2 milhão de médicos até 2030, o curso virou uma máquina previsível de geração de caixa.

O resultado é uma corrida bilionária entre grandes grupos. AfyaYduqs e Ânima travam uma disputa feroz de fusões e aquisições para dominar um mercado que, até pouco tempo, era fragmentado. Eis a história de como a formação da elite médica brasileira se tornou o jogo mais lucrativo da educação.

A barreira de R$ 1,2 milhão


O valor da Medicina para essas empresas vai além das mensalidades altíssimas, está também na dificuldade de replicar esse modelo. Criar um curso de Medicina exige hospitais-escola, laboratórios sofisticados e professores clínicos de alto calibre. Além disso, é preciso o aval conjunto do Ministério da Educação e do Ministério da Saúde. A regulação é rigorosa, o lobby é intenso e o processo é lento e caro.

Há também um lado curioso: vagas via liminar judicial. Segundo relatos de mercado, cada nova vaga obtida por essa via era, em média, avaliada em até R$ 1,2 milhão, valor que já chegou a ser ainda maior. Para os grupos grandes, essa regulação desigual funciona quase como um “fosso”, que protege seu domínio e eleva o custo de entrada.

O play da “puro sangue” (Afya)


Afya Educação Médica é talvez o nome que mais representa pureza de proposta por ser uma empresa dedicada exclusivamente à Medicina. Com valor de mercado estimado em torno de R$ 9 bilhões, é a preferida dos investidores. Os resultados de 2024 reforçam a tese: receita de R$ 3,3 bilhões, lucro líquido de R$ 648,9 milhões (alta de 60%), geração de caixa robusta e conversão de 102,2%.

A estratégia é agressiva. A Afya opera 33 faculdades de medicina em 19 estados, somando 3.593 vagas aprovadas, segundo seu relatório. Desde o IPO, investiu mais de R$ 3,6 bilhões em aquisições, comprando faculdades menores e integrando-as à sua plataforma.

Alguns negócios ilustram bem o valor das vagas. Em 2022, pagou R$ 825 milhões por 340 vagas do Grupo Tiradentes, cerca de R$ 2,4 milhões por vaga. Em 2024, adquiriu a Unidom (300 vagas) por R$ 660 milhões, perto de R$ 2,2 milhões por vaga, e a FUNIC (60 vagas) por R$ 100 milhões, aproximadamente R$ 1,6 milhão por vaga. A Afya prometeu ao mercado pelo menos 200 novas vagas por ano via M&A e, até agora, parece estar cumprindo.

A verticalização da Yduqs (IDOMED)


Yduqs, antes mais conhecida por cursos amplos, construiu um braço médico via verticalização. Em 2019, comprou a Adtalem Brasil (com IBMEC e São Judas Medicina) por R$ 1,92 bilhão. Com isso, estruturou seu braço de medicina: o IDOMED, que reúne atualmente 18 faculdades e 2.044 vagas anuais, segundo informações públicas.

O plano da Yduqs é mais sistêmico. Não basta ter escolas, é preciso controlar a cadeia inteira. Por isso, ela adquiriu a edtech HardWork Medicina, integrando a captação e preparação de estudantes ao seu ecossistema acadêmico. Em dezembro de 2024, comprou a Faculdade Edufor (MA) por R$ 145 milhões e adicionou 118 vagas ao IDOMED. Com caixa estimado em R$ 1 bilhão, o CEO Eduardo Parente sinaliza que a consolidação vai continuar.

A aposta da Ânima (Inspirali e o Private Equity)

Ânima seguiu outro caminho ao isolar seu braço de medicina em uma holding chamada Inspirali, com o objetivo de crescer com capital externo. Em 2021, vendeu 25% dessa subsidiária para a DNA Capital por R$ 1 bilhão, avaliando a Inspirali em R$ 5 bilhões (enterprise value).

Com esses recursos, a Inspirali investiu pesado. Em 2022, destinou R$ 2,1 bilhões para uma subsidiária (VC Network) para consolidar faculdades de medicina e saúde. Para reforçar sua atuação na pós-graduação, comprou 100% do IBCMED, finalizando a transação em 2023 por R$ 90 milhões. Hoje, reúne 15 faculdades, com cerca de 12,2 mil alunos de graduação e 3,5 mil pós-graduandos, financiada por R$ 2 bilhões em debêntures e capital de private equity.

A corrida pelo “Mais Médicos” (Ser e Cruzeiro do Sul)


Enquanto Afya, Yduqs e Ânima disputam por aquisições, outros grupos apostam no crescimento “do zero”. A Ser Educacional, por exemplo, conquistou 480 novas vagas de Medicina (em 8 cursos) por meio de aprovação regulatória, o que fez suas ações subirem mais de 100% em 2024, segundo analistas.

Cruzeiro do Sul também entrou nessa disputa por novas vagas autorizadas pelo MEC. Essa corrida regulatória mostra que, no Brasil, a capacidade de convencer Brasília é tão estratégica quanto comprar faculdades.

O jogo dos gigantes


Hoje, o mercado médico de ensino virou uma arena dominada por gigantes. Ele se disputa em pelo menos três frentes1) M&A caro, liderado pela Afya2) Verticalização de ecossistema, via Yduqs/IDOMED; e 3) Lobby regulatório para conquistar novas vagas, por parte de Ser e Cruzeiro do Sul. Fundos de private equity e investidores globais, como a DNA Capital, já entraram nessa briga, apostando no alto valor das vagas médicas como ativos estratégicos.

Para esses grupos, a tese é clara: em um mercado de educação de massa com margens apertadas e risco elevado, a Medicina é o porto seguro. É o ativo “premium” que entrega receita previsível, margens elevadas e crescimento assegurado por, no mínimo, seis anos, a duração típica do curso. A guerra pelos futuros médicos acabou de começar e a vitória será dos que têm balanço robusto, estratégia clara e ambição para sustentar o domínio.


Fonte: Site Bastidores do Poder - 02/12/2025 - 21h:20

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