Isolada, com medo de sair do isolamento quando a quarentena terminar, alvo de fake news em grupos de WhatsApp, uma pessoa que muita gente quer distância e que volte logo do local de onde veio. Assim é que está a jovem de 23 anos que testou positivo para Covid-19 em Canarana, cidade de 26 mil habitantes, localizada há 45 km de Irecê, centro norte do Estado.
Nativa da cidade, a mulher, que não teve sua identidade divulgada, mora em São Paulo desde pequena e retornou para a Bahia no dia 17 de março para o enterro do avô.
Pegou um avião de Guarulhos para Salvador e depois um ônibus até Seabra, também na Chapada, com destino a Canarana. Na viagem, num ônibus da empresa Entram, com destino a Irecê, a tosse frequente despertou a atenção de uma passageira que perguntou de onde ela vinha – e a resposta gerou apreensão nos passageiros.
Antes mesmo que o ônibus chegasse a Canarana, a mesma passageira perguntou a jovem o destino dela e entrou em contato com a prefeitura local para relatar a situação. Uma equipe da Vigilância Epidemiológica foi mobilizada para esperá-la na rodoviária, mas, logo ao chegar, a moça saiu às pressas para enterrar o avô.
O sepultamento, no cemitério de um povoado a 15 km da cidade, já tinha ocorrido quando ela chegou junto com uma tia com quem mora em São Paulo. Instantes após sua chegada, a equipe da epidemiologia municipal a abordaria no local.
A Vigilância Epidemiológica constatou que a moça não apresentava outros sinais da Covid-149, além da tosse seca frequente e coriza. Depois de ter as amostras coletadas para exames no Laboratório Central de Salvador (Lacen), a jovem assinou o termo de responsabilidade para isolamento domiciliar.
No dia 19, contudo, ela resolveu sair de casa para ir ao banco, no centro da cidade. Achava que estava bem de saúde e pouco provável estar com a Covid-19. Pulou na carroceria de uma caminhonete e se mandou para a sede de Canarana.
Mas nesses dois dias que estava no povoado, praticamente toda a cidade de Canarana já sabia da existência da “moça que veio de São Paulo com coronavírus”. Seu rosto? Uma incógnita para a maioria.
Não demorou muito de aparecerem em grupos de WhastsApp vídeos de mulheres com idade semelhantes a dela passando mal devido a problemas respiratórios, sendo compartilhados por moradores de Canarana. Vídeos falsos sobre como a moça estaria sendo afetada pela Covid-19, e ela estava bem ali ao lado.
Por isso, quando a jovem resolveu sair de casa o alerta foi geral no povoado. A Polícia Militar e a Vigilância Epidemiológica receberam diversas denúncias que relataram a quebra da quarentena por parte da moça. E outra mobilização foi iniciada em busca dela.
Uma barreira foi montada pela PM na entrada da estrada que dá acesso ao povoado para esperar a caminhonete em que estava a moça. Ela seguia sozinha na carroceria do veículo, sentada. Identificada, foi levada de volta para o isolamento.
Por ter quebrado a quarentena, ela poderia responder pelo crime de favorecer a disseminação de epidemia, tal como está sendo acusado pelo governo da Bahia o empresário cearense Claudio Vale, que deixou a quarentena em São Paulo e viajou para Trancoso, em Porto Seguro, para onde levou o vírus.
A moça testou positivo para a Covid-19 no dia 20 de março. Por conta disso, a prefeitura de Canarana mandou fechar o comércio, escolas municipais e privadas, e só funcionam estabelecimentos cujos serviços são considerados essenciais.
O isolamento social é uma regra na cidade – no povoado onde a moça está em isolamento nem se fala. “Tomamos todas as medidas possíveis para conter a disseminação do vírus e as pessoas estão respeitando”, disse a secretária de Saúde de Canarana, Mila Charlane Cedro Dourado.
Além da moça, informa a secretária, mais seis pessoas estão em isolamento social em Canarana, quatro da família da jovem infectada – os outros dois casos não têm relação com a jovem. E ninguém ainda fez o teste. “O pessoal da família dela está em isolamento pelo contato com ela e os outros dois por apresentar sintomas da doença, mas estão todos bem, sem agravamento da saúde e em isolamento”, afirmou a secretária, segundo a qual a moça, além de sofrer psicologicamente com a doença, está passando por uma espécie de bullying.
“Esses vídeos que estão divulgando dizendo que é ela, por exemplo, são horríveis. A pessoa que mostram no vídeo não tem nada a ver com ela, é um absurdo isso. Tem hora que fico chateada com o que estão fazendo com essa moça, é muita informação mentirosa. Por isso, estamos dando apoio psicológico e social para ela também”, disse.
A moça, de acordo com a secretária, pensa em gravar um vídeo para mostrar as pessoas que ela está bem, mas tem medo de que haja repercussão negativa e ao ser identificada que ainda possa ocorrer algo de pior, como ser atacada ao sair de casa, quando encerrar a quarentena.
“Ela tem trabalho em São Paulo, veio para Canarana por causa da morte do avô, e estava de atestado no trabalho. Agora, não sei como vai ser, se vai voltar mesmo quando sair do isolamento”, disse Mila, segundo a qual a moça prefere não dar entrevista por enquanto. “Estamos dando assistência pra ela 24 horas”.
Em Seabra, onde a moça pegou o ônibus rumo a Canarana, a prefeitura iniciou nesta sexta-feira (27) uma busca pelas pessoas que estiveram no veículo para que sejam monitorados. Até o momento, somente o cobrador e quatro pessoas foram localizadas, elas passam bem e estão em isolamento social.
O CORREIO tentou contato com a prefeitura de Irecê para saber se há monitoramento das pessoas que estavam no ônibus, mas não obteve retorno.
fonte:Mario Bitencourt/Correio da Bahia c/adaptações - 27/03/2020
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