Às vésperas da disputa presidencial, o ministro da Economia, Paulo Guedes, assumiu o papel de cabo eleitoral de Jair Bolsonaro (PL) atacando adversários, fazendo promessas para um novo mandato e exaltando os feitos de sua gestão.
Embora a atuação em campanha não seja proibida, especialistas avaliam que o chefe da equipe econômica pode ter violado a lei eleitoral e praticado ato de improbidade administrativa ao usar da estrutura estatal e de sua posição no governo para favorecer o candidato à reeleição.
Desde que afirmou que seguirá no cargo num eventual segundo mandato de Bolsonaro, Guedes elevou o tom de campanha em eventos e encontros com empresários. Nas últimas semanas, além de associar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao "capeta", o ministro prometeu rever o corte de verbas no Farmácia Popular, zerar o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e manter o Auxilio Brasil em R$ 600.
Na quinta-feira (15), Guedes ainda usou a Voz do Brasil -programa estatal de transmissão obrigatória- durante 24 minutos para atacar gestões anteriores e dizer que a economia do país está crescendo, gerando empregos e atraindo investimentos.
Volgane Carvalho, secretário-geral da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), diz que desacreditar adversários e fazer promessas é do jogo político; o problema é quando há uso de recursos públicos para potencializar a força e o alcance da campanha.
A entrevista para a Voz do Brasil, por exemplo, ele considera uma clara irregularidade, já que Guedes se valeu da condição de ministro de Estado para ter acesso ao veículo -oportunidade que os adversários de Bolsonaro não terão.
"É um programa obrigatório, repetido por todas as rádios do país. Você está forçando a exibição daquela entrevista por todas as emissoras do Brasil. Temos nitidamente algo que desequilibra indevidamente a disputa eleitoral, o que configuraria abuso de poder político", afirma.
É o que também pensa Wallace Corbo, professor da FGV Direito Rio. Ele lembra que a legislação proíbe a publicidade de atos do governo nos três meses que antecedem a eleição. Por isso, o uso de uma estrutura pública como a Voz do Brasil para exaltar o desempenho da economia é uma violação.
"É claramente um abuso de poder político e um ilícito eleitoral passível de multa ou eventualmente da cassação da chapa que se beneficiou", diz.
O episódio pode ser enquadrado no artigo 73 da lei eleitoral, que versa sobre as condutas que afetam a igualdade de oportunidades entre candidatos. Segundo Corbo, transgressões a este dispositivo ainda configuram atos de improbidade administrativa pelo uso da máquina pública -o que se aplica tanto para Guedes quanto para Bolsonaro.
Marcelo Weick, professor da UFPB (Universidade Federal da Paraíba) e advogado eleitoral, também vê margem para uma discussão sobre improbidade, considerando violação aos princípios da impessoalidade e da moralidade. "Mas não é uma discussão eleitoral. Competiria ao Ministério Público questionar isso na Justiça Federal", afirma.
Weick avalia que o chefe da equipe econômica está usando a estrutura estatal e de eventos governamentais para fazer discurso de campanha, embora não fale diretamente em pedir votos. No episódio da Voz do Brasil, ele ainda diz que pode configurar outro ilícito eleitoral, referente ao uso indevido dos meios de comunicação social.
Procurado no fim da tarde desta segunda (19), o Ministério da Economia disse que não comentaria.
Ataques a Lula e promessas de campanha Na avaliação dos especialistas, a participação de Guedes exaltando o governo Bolsonaro nos programas estatais é um caso mais claro de infração à lei. No entanto, a presença do ministro em eventos recentes com empresários, nos quais fez ataques a Lula e promessas para um novo mandato, também pode ocorrer em abuso de poder político.
"Nesses episódios vamos ter um dissenso maior. Não são exatamente eventos oficiais, embora ele [Guedes] estivesse falando como representante do governo", diz Volgane Carvalho, da Abradep.
Nesta segunda-feira (19), Guedes participou virtualmente do 7º Congresso Brasileiro da Indústria de Máquinas e Equipamentos, onde exaltou o desempenho da economia brasileira e chamou de militantes aqueles que fazem projeções negativas para o próximo ano.
O ministro também repetiu a promessa de zerar o IPI num novo mandato e disse que, após 30 anos, o país está mudando o eixo da economia, sem mencionar questões como o aumento da fome e a queda da renda do trabalho ao longo da pandemia. "Já estamos no caminho da prosperidade, basta não fazer besteira e votar corretamente", disse.
Corbo, da FGV, diz que a legislação não proíbe esse tipo de fala em espaços privados, mas o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) entende que pode existir um eventual abuso de poder político sempre que o agente público se vale da sua condição funcional para beneficiar um candidato.
No entanto, ele destaca que nem toda declaração de um ministro é sinônimo de campanha eleitoral, já que trata-se de uma figura que participa efetivamente do debate político.
"O que é preciso ter em vista é se a fala do ministro Paulo Guedes em alguns espaços gera ou não um desequilíbrio de paridade nas eleições. Se chegar à conclusão de que ele tem acesso privilegiado a espaços de obtenção de apoio político que outros agentes não têm [...] pode sim ter a configuração de um abuso de poder político", diz. "A questão é acesso. O direito eleitoral se preocupa com igualdade de condições para disputar as eleições", acrescenta.
Ministro pode fazer campanha? Jaime Barreiros Neto, professor da faculdade de Direito da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e analista judiciário do TRE da Bahia, diz que todo cidadão pode manifestar seu apreço ou desapreço por qualquer candidato -inclusive ministros de Estado.
É permitido usar a própria rede social para fazer campanha, participar de comícios e até pedir voto diretamente. O que não pode, ele diz, é usar a máquina pública para essa finalidade, usando a conta de um ministério no Twitter ou um pronunciamento oficial, por exemplo.
Segundo Neto, convites para eventos particulares onde a autoridade só é convidada porque ocupa determinado cargo entram numa zona mais difícil de definir se se trata de violação ou não. O mesmo vale para declarações que exaltam os feitos do governo.
"A lei não é muito clara em relação a isso. Vai muito da interpretação do TSE", diz. "Fica uma situação meio cinzenta, mas a tendência maior é entender que a autoridade está dentro da sua liberdade", acrescenta.
Assim como todos os especialistas consultados, Neto não se recorda de que, em eleições presidenciais passadas, o candidato à reeleição tenha sido acusado de usar a estrutura estatal para fazer campanha. Segundo eles, isso é algo mais comum em pleitos municipais.
Fonte: FOLHAPRESS - 20/09/2022
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