Líderes da América Latina divulgaram nesta quarta-feira (21/9) uma carta aberta, destinada ao candidato à Presidência da República Ciro Gomes (PDT), onde apelam para que o pedetista desista da candidatura em prol de uma eventual vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no primeiro turno das eleições. “Por quê? Porque a escolha fundamental não será entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, mas entre o fascismo e a democracia”, ressalta a carta.
Intitulado “Carta aberta a Ciro Gomes: o que precisa ser feito para deter Bolsonaro”, o documento destaca que os líderes latino-americanos estão “perplexos” com a insistência de Ciro na candidatura, em uma eleição encarada como um “ponto de virada histórico”. “Ainda há tempo de reparar seu erro, companheiro Ciro. Dirija-se aos seus apoiadores agora e diga-lhes que a urgência da luta contra o fascismo não lhes deixa outra escolha a não ser apoiar a candidatura presidencial de Lula”, demanda a carta.
“Peça-lhes aquele voto, crucial para derrotar no primeiro turno o capitão (assim, com letras minúsculas) e seus esquadrões armados; crucial também para impedir a perpetuação no poder de um homem que exaltava a figura do canalha que torturou Dilma Rousseff”, continua.
No texto, as lideranças chamam o pedetista de “lutador pelas boas causas do povo brasileiro”, mas enfatizam que a disputa deste ano se dá “entre o fascismo e a democracia”.
O apelo foi assinado, desde essa terça-feira (20/9), por 55 intelectuais e políticos influentes na América Latina, entre eles o ex-presidente do Equador, Rafael Correa; o ganhador do prêmio Nobel da Paz de 1980, o argentino Adolfo Pérez Esquivel; a senadora colombiana Piedad Córdoba; o ex-ministro boliviano Juan Ramón Quintana Taborga; o ex-chanceler paraguaio Jorge Lara Castro; e o cineasta colombiano Hernando Calvo Ospina.
“Vou votar em mim”
Ciro Gomes, por sua vez, não parece aberto a apelos como o dos líderes latino-americanos. Nesta quarta, em sabatina ao Estadão e à Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), ele afirmou que não declara voto em outros candidatos em um eventual segundo turno por acreditar que estará na disputa. “Vou votar em mim”, assegurou, mesmo estagnado em todas as pesquisas de opinião pública, sem atingir os dois dígitos na preferência do eleitorado.
O candidato afirmou que Lula e Bolsonaro “vão matar o Brasil”. “Eu vou ao segundo turno para salvar o Brasil dessa tragédia. Eles vão matar o Brasil. Vou ao segundo turno e só Deus e os brasileiros às 17h30 do dia 2 [de outubro] me tirarão a determinação de vencer as eleições”, afirmou.
Leia a íntegra da carta a Ciro:
“Querido companheiro Ciro Gomes:
Os nomes assinados abaixo são militantes da esquerda latino-americana, profundamente anti-imperialistas e comprometidos com a emancipação de nossos povos e com a criação da Grande Pátria. Somos também pessoas que amam e admiram o Brasil e seu povo e a cultura primorosa do país: sua música, sua literatura, suas pinturas, sua gastronomia, suas diversas manifestações artísticas e também a longa luta de seu povo para ter acesso a uma vida mais plena, material espiritualmente.
Sabemos que você foi um lutador pelas boas causas do povo brasileiro ao longo de sua vida. É por isso a perplexidade que nos leva a te escrever esta carta e que nos move a te enviar esta mensagem fraterna, porque é incompreensível para nós, na atual situação brasileira, sua insistência em apresentar sua candidatura presidencial para o primeiro turno das eleições presidenciais eleições no Brasil, em 2 de outubro, que sem o menor exagero pode ser considerado um ponto de virada histórico. Por quê? Porque a escolha fundamental não será entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, mas entre o fascismo e a democracia.
E você, um homem político, inteligente e com larga experiência nas costas, sabe muito bem que sua candidatura não tem nenhuma possibilidade de chegar com chances às urnas, muito menos vencer no primeiro turno. A dura realidade é que, mantendo sua candidatura, caro camarada Ciro, a única coisa que você fará é dispersar forças, enfraquecer a força do bloco antifascista, com todas as suas contradições, facilitar a vitória de Bolsonaro e, eventualmente, abrir caminho para um novo golpe de Estado.
Apesar de sua boa vontade, infelizmente você não está em condições de fazer o bem, nenhum bem, e sim de causar grandes danos ao Brasil e ao seu povo. Você não será capaz de fazer o bem apesar de suas intenções, porque suas chances de ganhar são zero. Ao enfraquecer a candidatura unitária de Lula, ao dispersar as forças do bloco que se opõe ao fascismo, o que você fará objetivamente — apesar de suas intenções, que não duvidamos são boas — será pavimentar o caminho para a perpetuação de Bolsonaro no poder.
Nos parece que, pela sua trajetória, você não deva entrar na história do Brasil por aquela porta indigna, como a de um homem que, tendo lutado pelas boas causas de seu povo e alcançado importantes resultados, em um momento crítico e decisivo comete um erro fatal e abre as portas para um processo que semeia morte e destruição em seu país e que, sem dúvida, também terá você como uma de suas vítimas. Não se pode ignorar a natureza perversa do atual presidente do Brasil. Suas palavras e promessas, mesmo aquelas que ele possa ter feito a você, são completamente inúteis.
Bolsonaro é um personagem imoral, um alucinado fanático sem princípios morais que deixou mais de 700 mil brasileiros e brasileiras morrerem sem fazer o menor esforço para salvá-los. Ele também é um traidor em série, comparável apenas aos piores personagens de Shakespeare. E ele não hesitará por um momento em te trair assim que for conveniente para ele.
Ainda há tempo de reparar seu erro, companheiro Ciro. Dirija-se aos seus apoiadores agora e lhes diga que a urgência da luta contra o fascismo não te deixa outra escolha a não ser apoiar a candidatura presidencial de Lula. Peça a eles esse voto, crucial para derrotar no primeiro turno o capitão (assim, com letras minúsculas) e seus esquadrões armados; crucial também para impedir a perpetuação no poder de um homem que exaltava a figura do canalha que torturou Dilma Rousseff.
Você, por sua história e suas ideias, tem que fazer o impossível para impedir que uma figura tão monstruosa fique mais um dia no Palácio do Planalto. Além disso, devido à sua idade, não temos dúvidas de que você continuará sendo uma figura de destaque na política brasileira. Não é a sua vez, as circunstâncias o obrigam a esperar. Não se esqueça que a paciência é um dos traços que definem os grandes líderes políticos.
Nada mais por enquanto. Esperamos que você aprecie o senso de solidariedade nesta mensagem. Receba um abraço fraterno de seus companheiros de luta de toda a América Latina e Caribe.
Primeiras assinaturas:
- Adolfo Pérez Esquivel, Premio Nobel de la Paz, Argentina
- Rafael Correa, ex presidente del Ecuador
- Stella Calloni, periodista, Argentina
- E. Raúl Zaffaroni, ex Juez de la Corte Suprema, Argentina
- Atilio Boron, politólogo, Argentina
- Piedad Córdoba, Senadora, Colombia
- Amado Boudou, ex vicepresidente de la Argentina
- Gabriela Rivadeneira, ex presidenta Asamblea Nacional, Ecuador
- Fernando Buen Abad, filósofo, México
- Ignacio Ramonet, periodista, Francia/España
- Ernesto Villegas, República Bolivariana de Venezuela
- Hugo Moldiz, ex ministro, Bolivia
- Jaime Lorca, Fundación Memoria y Futuro, Chile
- Xavier Lasso, periodista, Ecuador
- Katu Arkonada, País Vasco/Bolivia
- Jorge Lara Castro, ex canciller, Paraguay
- Hernando Calvo Ospina, cineasta, Colombia
- Esteban Silva, docente universitario, Chile
- María Seoane, periodista, Argentina
- Mempo Giardinelli, escritor, Argentina
- Juan Eduardo Romero, diputado PSUV, Asamblea Nacional, Venezuela
- Alicia Entel, docente universitaria, Argentina
- Gilberto López y Rivas, antropólogo, México
- Daniel Jadue, Alcalde de Recoleta, Chile
- Telma Luzzani, periodista, Argentina
- Florencia Saintout, presidenta, Instituto Cultural de la provincia de Buenos Aires, Argentina
- Ramón Grossfogel, docente universitario, Puerto Rico
- Mario Giorgi, Radio UNDAV, Argentina
- Claudia V. Rocca, Rama Argentina de la Asociación Americana de Juristas
- María Fernanda Barretto, escritora colombo-venezolana
- Daniel de Santis, docente universitario, Argentina
- José Seoane, docente universitario, Argentina
- Paola Gallo Peláez, Co-presidenta del MOPASSOL, Argentina
- Jorge Cantor, Argentina
- Rodolfo Hamawi, docente universitario, Argentina
- Emilio Taddei, docente universitario, Argentina
- Julio Ferrer, periodista, Argentina
- Juan Ramón Quintana Taborga, ex ministro, Bolivia
- Andrea V. Vlahusic, Co-presidenta del MOPASSOL, Argentina
- Héctor Bernardo, periodista, Argentina
- María Fernanda de la Quintana, periodista, Argentina
- Jorge Elbaum, docente universitário, Argentina
- Carlos López López, Parlamentario del Mercosur
- Ana María Ramb, escritora, Argentina
- Pamela Dávila, periodista, Ecuador
- Rafael Urrejola Ditborn, periodista, Chile
- Paula Klachko, docente universitaria, Coord. REDH/Cap. Argentino
- Henry Morales, Coord. Movimiento Tzuk Kim Pop, Guatemala
- Manuel Santos Iñurrieta, dramaturgo, Argentina
- Carlos Bedoya, Coord. Latindadd, Perú
- Alexia Massholder, docente universitaria, Argentina
- Claudio Katz, economista, Argentina
- Marcelo Rodríguez, docente universitario, Argentina
- Mario Alderete, Argentina
- Graciela Josevich, AUNA Argentina”.
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