Crédito foto:Artur Menestral/especial/Metropoles
Na hora em que vozes das catacumbas assombram o país com novas revelações sobre torturas e mortes na época da ditadura de 64, o vice-presidente Hamilton Mourão, agora filiado ao Republicanos para disputar uma vaga a senador pelo Rio Grande do Sul, despe a máscara de militar moderado e mostra-se como sempre foi.
“Vai apurar o quê? Os caras já morreram tudo. Vai trazer os caras do túmulo de volta?” – e dá uma risadinha em resposta à pergunta sobre se não seria o caso de se voltar a investigar o legado de horror de um regime que durou 21 anos, e que adotou a tortura, a morte e o desaparecimento de presos como política de Estado.
Há mais de 10 mil horas de gravações dos simulacros de julgamentos feitos pelo Superior Tribunal Militar entre 1975 e 1985, às quais o historiador Carlos Fico teve acesso. E, aos poucos, frações desse gigantesco material começam a se tornar públicos. Nem as leis da ditadura foram respeitadas por ela e pelos juízes.
Para Mourão, “isso é história, já passou. São assuntos já escritos em livros e debatidos intensamente. É passado. Faz parte da história do país”. Passou para quem, cara pálida? Para os que torturaram, mataram e se beneficiaram de uma anistia sem jamais terem sido julgados ou admitidos seus crimes?
Os que sobreviveram às torturas foram julgados, condenados, ou forçados a se exilar. Seu crime? Desarmados ou armados, lutaram contra uma ditadura que a pretexto de defender a democracia, suprimiu-a, que herdou uma inflação anual de 80% em 1963 e a empurrou para 215% em 1984. Foi um atraso na história do país.
O general desprezado por quem o escolheu para vice, prega que ao se relembrar a ditadura deve-se ouvir “os dois lados”. As gravações dão justamente voz ao lado dos que foram cúmplices do regime que violou todas as leis que dizia respeitar, e todos os tratados internacionais assinados pelo Brasil até então.
Tortura e morte, que Mourão prefere chamar de “excessos”, chocaram até mesmo alguns dos juízes militares que fizeram parte do tribunal. Como o general Rodrigo Otávio Jordão Ramos que, em 24 de junho de 1977, comentou sobre torturas em uma presa, que estava grávida e perdeu o filho:
“Alguns réus trazem aos autos acusações referentes à tortura e sevícias das mais requintadas, inclusive provocando que uma das acusadas, Nádia Lúcia do Nascimento, abortasse após sofrer castigos físicos no DOI-Codi.”
Os DOI-Codi eram centros e destacamentos do Exército usados pela ditadura. O general descreveu o tipo de tortura:
“Sofreu um aborto no próprio DOI-Codi em virtude de choques elétricos em seu aparelho genital.”
O general Rodrigo Otávio Jordão Ramos, que em 1968 como Comandante da Amazônia pediu a cassação do deputado Márcio Moreira Alves (MDB-RJ) por ele ter feito um discurso considerado ofensivo às Forças Armadas, em 15 de dezembro de 1976, como membro do Superior Tribunal Militar, ao julgá-lo, disse:
“Condená-lo em bases jurídicas é completamente inexequível. […] Em 1968, solicitei ao ministro do Exército que se tomasse uma providência drástica contra ele, inclusive a cassação. Eu vou tomar uma decisão revolucionária, deixando de lado a lei, porque pela lei não se pode condená-lo. De maneira nenhuma. Ele é inviolável”.
E condenou o deputado que já fora cassado e estava no exílio. Às favas as leis da ditadura. Às favas todos os escrúpulos, como disse em 1968 o então ministro Jarbas Passarinho ao subscrever o Ato Institucional nº 5, que suspendeu as garantias individuais e deu início ao período mais sangrento do regime militar.
O que Mourão pensa, diz e proclama como verdade é o que ainda hoje é ensinado nos cursos de formação dos oficiais das Forças Armadas. A democracia no Brasil sempre estará ameaçada enquanto o negacionismo militar seguir vivo.
Fonte:Blog do Noblat/Metropoles - 19/04/2022 08h:21
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